Há cinco anos o relato inspirador de perda de peso de Ágata Roquette conquistou milhares de pessoas que, tal como a nutricionista, aspiravam a uma melhor qualidade de vida e saúde. “A Dieta dos 31 dias” tornava-se um fenómeno de vendas.

Hoje,  já com quatro livros publicados, Ágata Roquette é mãe de duas crianças, com cinco e oito anos. Atenta à delicada questão da alimentação infantil, a autora vê com preocupação a forma como está a ser tratada a dieta dos mais pequenos. Lanches hipercalóricos, com muito açúcar e pouco pão. Almoços e jantares com alimentos processados, fast food e poucos vegetais. Face a este cenário, o que Ágata Roquette nos propõe no seu mais recente titulo, “A Comida dos Miúdos Cá de Casa” é uma abordagem diferente ao que lhes colocamos na lancheira escolar e no prato em casa.

Um manual que procura responder a muitas dúvidas deixadas pelos pais e educadores. Que alimentos consumir, quais devemos evitar, as necessidades nutricionais da criança que pratica desporto. Conselhos sustentados num conjunto de receitas que incluem torradas de batata-doce, bolachas de aveia, barras de cereais e chips de curgete. Sim, porque comida saudável também pode ser divertida como lemos nestas linhas que traduzem uma conversa com Ágata.

Ao quinto livro a Ágata dedica-se exclusivamente à alimentação das crianças. Em seu entender andamos a desmerecer esta questão?

Atualmente tenho filhos em idade escolar e estou a viver uma nova experiência. Isso inclui os lanches escolares, o que devem as crianças levar na lancheira para a escola, o que levam os colegas e, também, o que os meus filhos me pedem para incluir que eu não deixo. Acresce que com os miúdos que chegam às minhas consultas, acabei por ganhar experiência nesta área, a da alimentação infantil. Algo que não tinha antes. Esta fase, a da infância, é muito importante na formação de hábitos alimentares e cometem-se erros. Basta reparar na taxa de obesidade infantil que está a aumentar.

As crianças começam a ingerir fast-food em tenra idade. São alimentos doces, crocantes que são viciantes e os miúdos preferem-nos em detrimento de outros. Há um conselho que deixo aos pais. Sempre que tenham de fazer uma lancheira, adicionem-lhe, pelo menos, um pão, uma fruta e um laticínio. Isto fugindo das bolachas e de outros produtos. Quando há tempo também se podem fazer bolos com aveia que, de açúcar, só têm o da fruta e prestam-se a fazer, por exemplo, muffins, queques.

ágata roquette
créditos: Micaela Neto

Quis com este “A Comida dos Miúdos Cá de Casa” dotar os pais de uma ferramenta útil para combater a falta de tempo. Mas, será que os pais têm mesmo falta de tempo ou assumem alguns maus exemplos em casa?

Numa palestra recente perante uma plateia de pais, aconselhei-os a não terem certos produtos alimentares em casa. Os pais perguntaram-me como é que podiam deixar de ter no armário as gulodices de que as crianças tanto gostam. É uma questão de organização e gestão das prioridades. O que disse a esses pais é que se as bolachas estiverem à mão, claro que os miúdos as vão buscar. As crianças não podem ter acesso doméstico a estes produtos porque já experimentaram pelo menos uma vez e sabem que gostam.

[Clique na imagem para saber como se fazem as torradas de batata-doce de Ágata Roquette]

Torradas de batata-doce

Não lhe parece que vivemos numa sociedade de contrassenso. Temos, como nunca, informação sobre os malefícios do açúcar, do sal, de certas gorduras. Por outro lado os lineares dos supermercados estão pejados de produtos para as crianças carregados de açúcares.

Sim e apercebi-me que também eu incorria no erro. Sabia que a solução não eram as bolachas, embora seja a coisa mais fácil. Hoje em dia até há pacotinhos com doses individuais. E lá vão eles na lancheira com um iogurte e uma fruta. Estes dois últimos alimentos, menos mal. O ideal seria os pais chegarem ao supermercado e encontrarem o bolinho ou umas bolachas saudáveis, sem açúcar, sem gorduras, sem químicos. Mas isso está no plano do ideal. Temos de ser nós a promover a mudança o que dá trabalho.

E também a saber planear…

Hoje em dia já não assistimos à divisão das funções sociais do homem e da mulher. Ambos trabalham. A semana passa a correr. Aconselho os pais, por exemplo, ao domingo, a cozinharem, fazendo logo em quantidade suficiente para que possa ser doseada. Isto para que os miúdos levem para a escola durante a semana. Na semana seguinte, variam na ementa. No decurso da semana há que ter sempre o pão, uma boa base.

Neste campo ensino neste meu novo livro a fazer manteiga de amendoim, patés, pasta de amêndoa, de tomate. Aconselho também a que haja variantes no tipo de pão para que não se fartem. Repare, quatro bolachas têm as mesmas calorias de um pão, mas não nutrem, nem satisfazem como o pão.

E é fácil reeducar as crianças nesse sentido?

Com a idade que os meus filhos têm [cinco e oito anos] é fácil, pois sou eu que lhes faço a lancheira e ainda não gerem dinheiro. Isto impossibilita-os de aceder às opções menos saudáveis do bar da escola. Esta questão torna-se muito mais preocupante na adolescência, porque estes miúdos têm dinheiro, vão ao bar, têm uma bomba de abastecimento de combustível perto da escola e vão lá comer. Isto é algo que sublinho muitas vezes. Nesta idade os miúdos têm de comer na cantina, não devem ter dinheiro para, por exemplo, irem à pastelaria. Mais difícil é reeducar adolescentes que estão habituados a almoçar uma merenda e um refrigerante.

[Clique na imagem para saber como fazer o bolo de laranja de Ágata Roquette]

bolo de laranja

Concorda que quando vamos a um supermercado os lineares estão pejados de produtos prejudiciais à saúde?

Sim, concordo, mas é difícil contrariar isso. Por isso digo para escolherem um pão, um alimento que encontramos nas bombas de abastecimento, nas pastelarias e nas escolas. Também não advogo que de repente as crianças deixem de comer tudo aquilo que não se inscreve numa alimentação saudável. Podem comer fast food, tem é de existir uma rotina semanal. Uma exceção. Estudos indicam que as crianças comem fast-food fora de casa quatro vezes por semana. É muito, pois já não é ocasional, torna-se regular.

Na próxima página saiba porque há tantas crianças viciadas em açúcar.

Como nutricionista está a par das questões da obesidade infantil. Estamos perante um problema grave em Portugal? Recordo, por exemplo os resultados do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física.

Sim, os bons hábitos têm de começar cedo, por exemplo a fruta pode ser colocada num iogurte. Quem chega à adolescência com maus hábitos enraizados, já não será fácil mudar. Não digo que seja impossível, mas aquela comida dá prazer e vicia mesmo. Tenho pacientes altamente viciados em açúcar e é um drama tirar-lhes, têm sintomas de dependência, de irritação mas temos que ser nós os pais a assumir essa responsabilidade. Hoje em dia o açúcar é considerado uma droga, é viciante, pois estimula os mesmos neurotransmissores que a cocaína e a heroína causando uma grande dependência. A verdade é que há muitos miúdos viciados em açúcar e a dose ingerida é progressivamente maior. Os que hoje precisam de duas bolachas amanhã já precisam de meio pacote e, mais tarde, de um pacote. Falamos de um alimento que em termos gerais tem as más gorduras, maus óleos, maus açúcares.

[Clique na imagem para saber como fazer estes queques de 4 ingredientes de Ágata Roquette]

Queques com 4 ingredientes

De acordo com o estudo que já citei a obesidade infantil está a aumentar…

Sim, nos adultos estagnou mas nas crianças está a aumentar muito.

Nomeadamente depois com tudo o que temos a jusante, as doenças.

Precisamente, muitos miúdos já têm colesterol elevado e diabetes.

A Ágata refere no seu livro uma má prática, a da recompensa por bom comportamento ser feita com um doce. É um pouco aberrante, não acha?

Sim, é muito mais engraçado combinarmos com a criança que, se tiver boas notas, iremos jogar futebol, ou vamos para os trampolins gastar calorias. Muito mais interessante, há que concordar.

No fundo é motivá-los numa perspetiva que eles também gostem?

Sim, ou comprar algo que a criança goste, por exemplo um brinquedo educativo.

[Clique na imagem para saber como fazer estas barras de cereais de Ágata Roquette]

Barras de cereais e maçã

Constato que nenhum dos doces que apresenta no seu livro tem açúcar. Afinal de contas não é assim tão difícil fugir-lhe. Podemos satisfazer uma criança com um doce usando um substituto mais saudável…

Exatamente, o que tentei usar nas receitas menos saborosas foi o açúcar da fruta, como a banana, o sumo da laranja ou frutos vermelhos. Nas receitas onde há um pouco mais de doce, usei um pouco de mel. Este, a bem ou a mal, sempre tem algumas vitaminas e minerais. Portanto algumas receitas tiveram esta gracinha. Estas sugestões foram pensadas para as crianças gostarem, não para odiarem. Tentei manter receitas comuns, mas melhorá-las, como o bolo de iogurte, o bolo de laranja, as panquecas.

A imagem do livro é também um desafio a que pais e filhos estejam na cozinha.

Houve uma preocupação em termos de imagem. Este livro tem muito mais fotografias do que os outros. Isto para que as crianças achem graça e queiram ir para a cozinha. Os meus filhos gostam muito de partir ovos e se forem eles a fazê-lo, à partida não vão ter medo de experimentar no futuro.

[Clique na imagem para saber como fazer estas barras de cereais de Ágata Roquette]

Maçã recheada

A Ágata quer dar-nos alguns exemplos de pratos fáceis de preparar? Até porque estamos a falar de alimentos com grande disponibilidade e acessíveis a todas as carteiras.

Todas as alternativas são fáceis de preparar. Por exemplo, a aveia mesmo sendo um alimento da moda é baratíssima. O que sai sempre bem é o bolo de laranja. A criança vai ficar saciada durante muito tempo porque uma fatia tem farinha integral e aveia. Ou seja tendo muita fibra sacia por muito mais tempo. As barras de frutos secos dão mais trabalho mas vale a pena fazer, são muito saciantes pois têm a gordura do azeite e dos frutos secos, Ómega 3, vitaminas da fruta. Julgo que os miúdos também vão gostar da piza saudável. Há legumes escondidos dentro hambúrgueres. Estão cheios de espinafres, cenoura e cebola. Também mantive receitas de nuggets e douradinhos porque sei que os miúdos gostam, uso sementes e pão ralado para ficarem crocantes e não são fritos, vão ao forno.

No final da obra lista 24 perguntas e respostas. São questões que lhe são colocadas com frequência na sua prática clínica?

Sim, e também por mensagens no Facebook. Por exemplo, no caso dos miúdos que não gostam de leite, os pais perguntam-me se retirar é prejudicial, ou não, se o leite de amêndoas pode ser substituto. Uma pergunta curiosa e que surge muitas vezes é “o meu filho faz desporto, deve comer mais?”. Eu respondo que pode comer um bocadinho mais e sugiro um segundo lanche aos jovens que praticam desporto. Já no que respeita aos adolescentes, dou alguns sinais de alerta para casos de anorexia. Se os pais detetarem um comportamento nesse sentido devem ire a um médico que em paralelo fará o seu papel com a psicologia e a nutrição. É uma idade muito crítica em termos de distúrbios alimentares porque a pressão social é muito grande.