Como a maioria dos leitores, tenho acompanhado com particular atenção os movimentos iniciais do mandato de Ana Paula Martins como Ministra da Saúde do XXIV Governo Constitucional.

A atual Ministra tem um lastro curricular impressionante. Professora Universitária, ex-Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e Vice-Presidente do PSD (de dezembro de 2021 até maio de 2022), na direção de Rui Rio. Ora, foi precisamente este último cargo que fez espantar muitos com a escolha para a Presidência do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, o tipo de cargos que normalmente vemos ocupados por “pessoal da casa” partidária no Governo. Até porque no volumoso currículo que acumulou, não constam cargos de administração hospitalar.

Mas foi essa a escolha de Fernando Araújo, ex-presidente da Direção Executiva do SNS, que se demitiu há dias, em bloco, do cargo após um ultimato de Ana Paula Martins para que no prazo de 60 dias apresentasse “relatório com as principais medidas adotadas pela DE-SNS”, “documentos que sustentaram” a decisão da generalização das Unidades Locais de Saúde (ULS) – organismos que integram hospitais e centros de saúde numa mesma instituição de gestão –, assim como “uma análise SWOT [uma técnica de planeamento estratégico para identificar os pontos fortes e pontos fracos de um projeto] sobre o desempenho dos cuidados de saúde primários no contexto das ULS“.

Embora alguns considerassem “expectável” a decisão da nova Ministra, como o atual Bastonário da Ordem dos Médicos, a verdade é que também todos concordam que a medida chegou no momento errado; “não vem na melhor altura. É um momento muito sensível, da implementação de uma reforma que o próprio [Fernando Araújo] classificou como a mais importante desde a criação do SNS”, afirmou Carlos Cortes em declarações ao jornal Observador.

E veio em mau momento, sabemos todos, porque as negociações iniciadas pelo anterior executivo com os sindicatos da Saúde ainda não têm fim à vista, e é muito provável, que por contingências orçamentais não o tenham nos próximos anos.

O anterior executivo deixou ao atual um conjunto de promessas com incidência orçamental (que, diga-se em abono da verdade, o PSD enquanto estava na oposição apontava como pecarem por tardias) que vão muito para além da margem orçamental que o atual governo tem disponível. É verdade que relativamente à maioria, o Governo de Montenegro incluiu, ou pelo menos deixou subentendido no programa que levou a sufrágio eleitoral. Subsídio de risco para a Guarda, PSP e serviços prisionais; garantir a recuperação dos seis anos, seis meses e 23 dias de serviço congelado durante a Troika aos professores, que o Governo já anunciou só ser possível até ao final da legislatura; revisão da tabela salarial dos enfermeiros, dos Administradores hospitalares, dos assistentes técnicos da saúde. Enfim, uma mão cheia de milhões que o superavit orçamental alegadamente deixado por Medina não conseguirá suprir, mesmo que moderadamente. E depois temos outras contas, que o executivo parece não ter ainda assimilado. Falo, por exemplo da passagem a USF Modelo B de todos os serviços de cuidados primários. Para quem não sabe, o esforço financeiro que o executivo faz para universalizar este inovador modelo é de monta: cada médico em Modelo B, pode receber, bruto, um salário superior ao do Primeiro-Ministro. Ou seja, podem atingir, facilmente, mais de 8 mil euros brutos por mês. Com a generalização do modelo, são mais cerca de 57.498 euros que cada médico irá receber por ano. Já cada enfermeiro no mesmo modelo irá auferir de um acréscimo de cerca de 19.305 euros/ano e um secretário clínico, 10.202 euros/ano. Ou seja, o custo global por cada médico a mais em modelo B (incluindo os custos acrescidos com os demais profissionais, cujos salários também são valorizados neste modelo) ascendem a 84.454 euros/ano. Se multiplicarmos este valor pelo número de médicos que já passou, nos últimos meses e vai continuar a passar nos próximos (o objetivo do executivo, plasmado no Programa de Governo é a universalização das USF Modelo B), teremos um total 5.436 médicos (os que já estavam, os das UCSP que vão passar a estar e os das USF Modelo A que passaram administrativamente a B).

Contas feitas, o Estado vai ter que passar a desembolsar, anualmente, 459.092.012 euros com as USF Modelo B. Tem esse dinheiro? Duvido, se tivermos em conta a vaga de aumentos que todos os dias são anunciados nas TV.

Custa-me concluir desta forma, mas não vejo como escapar à mais abrangente e irredutível conflituosidade laboral da História da Democracia.

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