Medicina integrativa: o que é?

Imagine-se sentado na sala de espera de um qualquer consultório: ansioso, constantemente a olhar para as horas que o ecrã do telemóvel mostra, a repetir para si mesmo o que vai dizer quando se sentar frente a frente com o médico. Quando finalmente chamam pelo seu nome, dirige-se até à porta e ouve: “Então, o que o traz por cá?” Quando um paciente entra no meu consultório, um espaço onde não falta luz natural, recebo-o sempre com um abraço. Mesmo que nos tenhamos acabado de conhecer e esta seja uma primeira consulta. Sorrio (um grande sorriso) e pergunto: “Em que posso ajudar?” A partir daí, as possibilidades são quase infindáveis: 90% das pessoas têm algum problema de saúde, mesmo que ainda não o saibam. Não é preciso ser uma dor ou um diagnóstico complicado e assustador. Dormir pouco e mal é um problema de saúde. A queda acentuada de cabelo, também. Há sinais e sintomas que o corpo nos dá de que algo não está bem. O corpo está sempre a dizer-nos alguma coisa. Vamos escolher ouvi-lo?

É isso que um médico com uma abordagem integrativa faz sempre que abre a porta a um paciente e pergunta em que pode ajudá-lo: ensina-nos a ouvir o nosso corpo e dá-nos ferramentas para que aprendamos a mudar o nosso estilo de vida.

A medicina integrativa é uma abordagem médica segundo a qual observamos as pessoas de uma perspetiva holística, ou seja, integramos aquela pessoa nas suas perspetivas física, emocional, mental e social. Não é uma medicina alternativa, porque não existe em substituição de outra, mas sim usada de uma forma complementar.

Os “médicos integrativos” são licenciados em Medicina e a prática clínica é multidisciplinar, acompanhada por médicos dentistas, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, osteopatas, terapeutas de medicina tradicional chinesa, ayurvédica e homeopatia, entre outros. Em Portugal, a medicina integrativa já tem uma sociedade de profissionais de saúde, da qual sou presidente, mas ainda há um caminho para ser feito junto da comunidade médica convencional. Uma vez que não é reconhecida como especialidade médica em Portugal, para simplificar a nomenclatura neste livro optamos por utilizar o termo “médico integrativo”.

Ana Moreira tem 46 anos e nasceu no Porto. É mãe, filha e neta e considera-se ativista da felicidade. Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e mestre em Medicina Biológica e Anti-Envelhecimento pela Universidade de Alcalá, em Madrid. É também doutorada em Saúde Quântica pela Universidade de Jaipur, na Índia. É Diretora Clínica do Centro de Medicina Integrativa do Porto. Como Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Integrativa, organiza congressos médicos internacionais da especialidade.

É importante ressalvar que a minha intenção foi criar um texto acessível ao público em geral e não um livro dirigido particularmente a profissionais de saúde. Destaco este facto para justificar as poucas referências bibliográficas. O propósito desta obra foi transformar os conhecimentos científicos atuais em linguagem compreensível e com conselhos aplicáveis a todos. Mas, como deveríamos fazer sempre que alguém nos transmite algo: “Não acredite em nada; experiencie por si próprio!” (como já dizia Siddhartha, há 2000 anos).

O movimento de saúde integrativa e funcional está a ganhar adeptos. Os britânicos gastam, anualmente, 450 milhões de libras (cerca de 515 milhões de euros) em medicina alternativa e complementar e os norte-americanos viram as vendas de alimentos e bebidas biológicos crescer de mil milhões de dólares (o mesmo em euros, sensivelmente), em 1990, para 63 mil milhões, em 2021. Cada vez mais frequentemente, os pacientes chegam ao consultório já com alguns conceitos estudados e até com uma lista de hipóteses sobre os sintomas que apresentam. A informação disponível para quem procura um caminho de autoconhecimento sobre a sua saúde é grande e muitos pacientes sabem quais as perguntas certas a fazer.

Em países como a Austrália, os doentes procuram profissionais de saúde complementares quase com a mesma frequência com que procuram o seu médico de família, revela uma investigação publicada no jornal Australian Family Physician.

“Quando um paciente entra no meu consultório, recebo-o sempre com um abraço” – A medicina integrativa explicada pela médica Ana Moreira
créditos: rawpixel

Voltemos ao consultório do início deste capítulo. Imagine que teve necessidade de ir a um especialista em Ortopedia porque as dores no ombro têm sido muitas. Pode, também, consultar um “médico integrativo” — e não precisa de abandonar o primeiro. Enquanto o ortopedista, desde a sua formação de especialista, vê o sintoma como um problema osteoarticular, o “médico integrativo” analisa-o como parte de um sistema. Pode até observar o interior da sua boca e concluir que a origem da dor no ombro é um somatório de fatores e que pode estar relacionada com um dente com uma raiz mal desvitalizada, com uma obstipação crónica, algo que pode causar uma sobrecarga no meridiano do intestino e comprometer locais mais afastados, como com o ombro e uma dieta descuidada.

Uma receita de um anti-inflamatório pode ajudar na dor, mas não vai tratar a origem deste foco inflamatório, como algumas mudanças na dieta ou intervenção por osteopatia ou correção odontológica, por exemplo, que podem impedir que a dor reapareça.

História clínica ou história da pessoa?

Quando pergunto “Em que posso ajudar?”, o paciente vai dizer-me o que o incomoda mais naquele momento. Começo assim a recolha da história clínica, como aprendemos na faculdade de Medicina, que integra mais do que a lista de patologias passadas ou cirurgias e antecedentes familiares. O que o aborrece, quais são os antecedentes pessoais, como é a sua vida, se dorme bem ou mal, o que costuma comer. Se é feliz — sim, gosto de fazer esta pergunta em consulta.

Tal como numa consulta médica convencional, cada paciente é convidado a deitar-se numa marquesa para ser examinado em termos físicos, já depois de ter respondido a questões do historial clínico. Conta-nos, no fundo, a sua história. Agora é altura de eu, enquanto “médica integrativa”, observar o corpo. Peço para abrir a boca para poder examinar, com cuidado, os dentes, a língua e focos interferentes nesta região; os olhos, para ver a íris e aplicar iridologia; palpar o abdómen, para analisar os segmentos metaméricos; as orelhas, que nos deixam antever algumas noções de auriculoterapia (ramo da medicina tradicional chinesa, que utiliza pontos específicos nas orelhas para abordagem do organismo). Também pressiono em alguns pontos trigger (pontos gatilho), grandes grupos musculares ou pontos de acupunctura para ver se são dolorosos, e caracterizo o perfil biológico do indivíduo, através de umas características chamadas doshas, segundo a medicina ayurvédica.

Outra parte importante do exame físico é a análise de cicatrizes. Todas as cicatrizes de cirurgias, feridas graves ou queimaduras que temos podem transformar-se em campos interferentes, tecidos cronicamente irritados que interferem com outras partes do corpo, muitas vezes distantes anatomicamente. Falaremos disto mais à frente, mas deixo como ideia mais importante: todo o nosso corpo está conectado, num sistema de redes quase invisível.

Um corpo, uma rede

É a medicina de redes que explica como o nosso corpo funciona como uma rede de ligações. Todos nós aprendemos na escola, logo nos primeiros anos, que existem os sistemas respiratório, circulatório, urinário, digestivo e reprodutor. Mas, mais do que em sistemas, os órgãos conectam-se em redes: se, por exemplo, o meu intestino está sobrecarregado, posso ter uma dor no ombro e num determinado dente (memorize o conceito de Odontologia Neurofocal, pois vamos voltar a ele num capítulo mais à frente). Quando suspeitamos disto na história clínica e no exame físico, elaboramos uma hipótese de diagnóstico funcional.

Esta hipótese vai ao encontro das causas da dor, o verdadeiro foco de um médico integrativo, para que o tratamento as possa tentar resolver. Numa consulta médica, são pedidos exames de diagnóstico, tais como análises sanguíneas, raios X, ecografias ou ressonâncias magnéticas. Na medicina integrativa e funcional, além destes exames auxiliares de diagnóstico, também pedimos testes a intolerâncias alimentares e disbiose intestinal (ver Glossário no fim do livro), mineralograma capilar (um exame de deteção de metais pesados nos tecidos), determinação sanguínea de vitaminas, hormonas ou neurotransmissores, análise de imunofenotipagem linfocitária, exame de microscopia de campo escuro, termografia de corpo inteiro, análise neurovascular por bio-feedback, entre outros.

A prescrição de um anti-inflamatório ou analgésico vai contribuir para a diminuição da dor ou do desconforto, mas será, não raras vezes, uma medida reativa e pontual. Interessa-nos mais impedir que o ombro continue a doer, ciclicamente, porque algo está mal algures no organismo. Se o paciente tem uma tendinite no ombro relacionada com um dente mal desvitalizado no passado, até posso dar uma injeção no local da dor, mas vou ter de tratar o dente, ou seja, a causa.

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Há cada vez mais médicos especialistas que apostam em praticar medicina integrativa e partilham desta visão mais alargada. Dentistas atentos às amálgamas, ginecologistas e obstetras preocupados com a suplementação, oncologistas que recomendam mindfulness.

“Uma doença raramente é consequência de uma anormalidade num só gene, reflete as perturbações da complexa rede intracelular e intercelular que liga tecidos e sistemas de órgãos”, lia-se na revista científica Nature em 2012. Passaram-se 12 anos, e nunca esta abordagem holística fez tanto sentido. Escrevia essa equipa de cientistas norte-americanos na Nature que “as abordagens baseadas em rede para doenças humanas têm múltiplas e potenciais aplicações biológicas e clínicas”.

Na medicina integrativa vemos a pessoa na sua globalidade — e isto inclui as questões emocionais e mentais de cada um. Todas as notícias de conflitos e traumas emocionais são recebidas pelo nosso corpo físico e deixam marcas, mais ou menos profundas. Gerir as emoções e prestar atenção a sintomas físicos são os dois primeiros passos para sermos mais saudáveis.

Para promovermos um estilo de vida saudável, temos de entender como podemos melhorar o nosso corpo físico através de modificações da dieta, de correções da flora intestinal, de melhoria dos hábitos de sono, da evicção à exposição a toxinas, mas também prestar atenção à inteligência emocional. Para resolvermos os nossos traumas e conflitos do passado, temos de os encarar. Do ponto de vista convencional, não estamos habituados a fazer isto. Somos ensinados a não mexer e a não falar do passado, o que abre espaço para que o que nos incomodou um dia tenha impacto na nossa saúde futura. É como se ficasse guardado numa caixinha que não se vê, mas periodicamente, as caixinhas são abertas e manifesta-se o que esteve guardado lá dentro por um período de tempo, que às vezes é longo.

Para gerar intervenções locais que possam curar uma doença em específico, “não podemos evitar entender a organização global da célula – o paradigma de “pensar globalmente, agir localmente da medicina em rede”, lê-se no mesmo artigo da Nature. E, acrescento, a organização global do ser humano.

Este livro não pretende ser um documento terapêutico, mas, sim, apresentar uma série de ferramentas para um trabalho individual e de autorresponsabilização: como comer e dormir melhor, como escolher a água que bebemos, como aprender a respirar — sim, precisamos de o fazer —, como ter uma casa mais saudável.

Todos os conselhos presentes neste livro correspondem a hábitos saudáveis e a comportamentos de manutenção de um estilo de vida saudável. Aconselhamos que as pessoas os sigam para atingirem um estado de plenitude de saúde e prosperidade na saúde dos seus corpos. Tudo o que estamos a dizer é praticável, fazível e fácil.