HealthNews (HN) – Quais as vantagens que destacaria sobre estes programas, tanto para os doentes como para a sustentabilidade do sistema de saúde?

Patrícia Boura (PB) – A humanização dos cuidados é um dos principais fatores para que haja saúde nas populações. Infelizmente, dentro dos hospitais esta “humanização”, por vezes, é difícil de acontecer. É claro que há equipas médicas que se preocupam e sabem o impacto que tudo isto tem na recuperação do doente. O facto de poder tratar os doentes em casa contribui para a diminuição de complicações inerentes ao internamento convencional. Por exemplo, as infeções hospitalares, que são muito recorrentes nas unidades de saúde, podem ser reduzidas com a hospitalização domiciliária. Por outro lado, há outro fator muito importante: o impacto emocional e a saúde mental, tanto dos doentes, como dos seus cuidadores. No fundo, há uma série de vantagens a nível de custos e da saúde dos doentes.

HN – Apesar dos resultados positivos demonstrados, este tipo de cuidados tem sido implementado exclusivamente em doentes adultos. Por que razão as crianças têm sido excluídas?

PB – É a pergunta que nós também nos colocamos… Os projetos desenvolvidos pela Fundação do Gil têm sido pioneiros neste aspeto. Somos os únicos a estabelecer protocolos e parcerias com hospitais públicos a nível dos cuidados domiciliários na pediatria.

HN – Trata-se, portanto, de um vazio ao qual a Fundação do Gil e o Hospital Fernando Fonseca querem pôr fim. O que destacaria sobre esta nova parceria estabelecida no âmbito dos cuidados hospitalares em casa para doentes pediátricos?

PB – Devolver a qualidade de vida aos doentes e aos seus cuidadores é fundamental. O desgaste dos familiares é imenso… O impacto da saúde mental do cuidador vai-se refletir na saúde física da criança.

Este projeto de cuidados domiciliários pediátricos começou há 17 anos com o Hospital Santa Maria, sendo que em 2018 passamos a abranger também os cuidados paliativos. Portugal estava em último lugar na implementação de cuidados paliativos pediátricos, no ranking da Europa e foi com o nosso projeto que conseguimos fazer subir o nosso país no ranking. Este alargamento do projeto aos cuidados paliativos foi realizado primeiro na região Norte e só depois é que passou a ser feito em Lisboa.

Com a parceria estabelecida com o Hospital Fernando Fonseca pretendemos, portanto, dar mais um passo em frente e avançar com um projeto-piloto de hospitalização domiciliária pediátrica.

É preciso olhar para os bons exemplos. Em Espanha foi construído o Hospital Niño de Jesus, tratando-se da primeira unidade hospitalar sem camas. Portanto, há provas dadas de que é possível existir alternativas para as famílias através de cuidados totalmente domiciliários.

HN – Que tipo de doentes é que podem vigiados em casa? Quais os critérios definidos para que uma criança possa ser tratada em casa?

PB – Os critérios são definidos pela equipa clínica do hospital. De qualquer forma, por norma, são abrangidas as crianças com doença crónica complicada que necessitam de fazer tratamento duas ou três vezes por semana.

Para além dos cuidados de saúde, a nossa equipa multidisciplinar faz uma avaliação psicológica, emocional e social. É por isso que o trabalho da Fundação do Gil é vasto. Fazemos toda uma intervenção holística.

HN – Quem compõe a equipa muldisciplinar e como são prestados os cuidados de que os doentes e os familiares necessitam?

PB – É uma equipa composta por cada um dos hospitais, isto é, cada unidade hospitalar atribui uma equipa aos cuidados domiciliários, sendo, normalmente, integrada por médicos e enfermeiros especializados.

Do lado da nossa fundação é feita uma intervenção social, para além de toda a parte logística, pois garantimos deslocações, viaturas, equipamentos e bolsas de apoio social. Temos ainda motoristas das carrinhas que levam os médicos às casas das crianças, técnicos de apoio à família, fisioterapeuta e psicólogo a tempo inteiro.

HN – Quantas crianças poderão ser abrangidas com este novo protocolo?

PB – Desde 2009 que temos uma parceria com o hospital Amadora-Sintra no que toca à prestação de cuidados domiciliários, sendo que esta evolução para a
hospitalização domiciliária é ainda um projeto-piloto. Portanto, o hospital vai começar com cinco vagas, de forma a testar o modelo e perceber se os recursos
são suficientes. Se tudo correr bem, este número poderá ser aumentado.

HN – Quais as vossas expectativas sobre os resultados que poderão ser obtidos com esta parceria?

PB – O projeto já tem um mês e os resultados têm sido muito positivos. A equipa muldisciplinar está muito satisfeita, tem feito muitas visitas e o feedback é bastante positivo. De facto, temos tido reuniões com outro hospital que também demonstrou vontade em querer avançar com a hospitalização domiciliária pediátrica a breve prazo.

Estamos a estudar o projeto. Esperamos, e gostávamos muito, que no final do ano ou no início do próximo ano possamos arrancar com mais um protocolo.

HN – Uma nota final.

PB – Desde há 17 anos que nos esforçamos para ir evoluindo e cumprindo aquilo que são as diretrizes da Organização Mundial da Saúde. Acreditamos que o futuro da Saúde passa pelos cuidados em casa. Temos provas dadas de que se a criança for tratada perto dos seus familiares e na sua própria casa os resultados de saúde são mais positivos.

A hospitalização domiciliária aumenta o bem-estar físico e emocional da criança e do cuidador, reduz as deslocações ao hospital, melhora a capacitação do cuidador, aumenta a literacia na saúde e liberta camas de hospitais.

No fundo, melhora a qualidade de vida das crianças e das suas famílias.

Entrevista de Vaishaly Camões

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