Serão cerca de 250.000 os portugueses adultos que diariamente se confrontam com o sofrimento e a incapacidade determinados pela fibromialgia (4 Mulheres para um homem).  Serão cerca de 12 milhões os habitantes da União Europeia que passam pelo mesmo.  Sofrem de uma condição que, apesar de reconhecida pela Organização Mundial de Saúde e suficientemente estudada para se ultrapassarem quaisquer dúvidas quanto à autenticidade dos seus sintomas, continua a fazer com que as suas vítimas se confrontem com a falta de tratamentos eficazes e, ainda por cima, com a incompreensão e desvalorização do seu sofrimento na esfera familiar, laboral e social.

A fibromialgia tem um profundo impacto na qualidade de vida e na capacidade de trabalho e de ganho das pessoas, em virtude das dores intensas generalizadas, por vezes incapacitantes, do cansaço ao ponto de exaustão, das perturbações do sono e de uma variedade de outros sintomas perturbadores. O corpo dos doentes não mostra qualquer alteração que ateste a veracidade do sofrimento. Os exames laboratoriais são normais. A intensidade dos sintomas e da incapacidade é flutuante, dando a impressão de inconsistência no relato. Os doentes com fibromialgia tendem a ser, por natureza, pessoas tendencialmente tensas e isoladas, o que não concita simpatia. A sua maneira de ser e os seus princípios éticos fazem com que mantenham os seus esforços, no trabalho e na família, bem para além daquilo que outros entenderiam como tolerável:  dizem se, com razão, cheios de dores e cansaço, mas não sabem parar quietos! 

Tudo isto se conjuga para que os doentes com fibromialgia vejam frequentemente desvalorizado ou questionado o seu grau de sofrimento no contexto familiar: como entender alguém se queixa de dor e cansaço mas que se recusa a descansar mesmo quando lho aconselham? Com frequência, parece mesmo haver no contexto familiar manifestações de puro egoísmo que acrescentam ao sofrimento: a família parece não dispensar os privilégios que advêm do sacrifício altruísta do doente, de que sempre beneficiou. No contexto laboral, é frequente que colegas e patrões coloquem em causa a veracidade do sofrimento que o doente descreve como justificação para a menor produtividade. Muitos destes doentes são ou foram, pela sua natureza psicológica e princípios éticos, trabalhadores incansáveis e exigentes, consigo e com os outros. Daqui resulta, ironicamente, uma história de sobrecarga laboral, muitas vezes auto-imposta, mas também uma maior incredulidade para as mudanças atribuídas à doença que se não vê. No contexto dos cuidados médicos o doente vê-se ainda, vezes de mais, confrontado com Médicos que expressam desconfiança relativamente ao sofrimento para o qual não encontram justificação objetiva.

Os doentes total ou parcialmente incapacitados pela fibromialgia enfrentam uma tortura adicional se procuram uma declaração de incapacidade temporária ou definitiva. Há que compreender, neste contexto, as dificuldades inerentes a dar por confirmada a incapacidade por uma doença desprovida de prova concreta, que pode ser simulada para benefício secundário.  É certo que a condição é, neste aspeto, similar à que se observa em doenças do foro psiquiátrico: não há prova concreta de uma depressão ou de uma psicose - e, contudo, estas parecem gozar de maior credibilidade para este fim. É certo que as resoluções n.º 92 , 94 e 95/2015 da Assembleia da República, aprovadas por unanimidade,  recomendaram ao Governo a implementação de medidas pelo reconhecimento e proteção das pessoas com fibromialgia especialmente no que respeita às condições de trabalho e  avaliação da incapacidade. Apesar disso, não existe em Portugal nenhuma legislação específica sobre a Fibromialgia. As juntas médicas tendem, por tudo isto, a declinar o pedido ou a atribuir um grau mínimo de incapacidade, dada a ausência de “prova provada” da incapacidade ou de razão para ela.

Todas estas formas de invalidação acrescentam, de forma particularmente irónica e injusta, ao sofrimento de quem efetivamente sofre. Cabe-nos a todos, enquanto membros da família, do espaço laboral ou do contexto clínico e social evitar contribuir para este suplício.

No que respeita ao reconhecimento de incapacidade, será talvez tempo de refletir se não deveria a mesma ser baseada em perícia de índole social (investigação por agentes da segurança social ou da polícia), ao invés de se fazer depender esse reconhecimento das provas médicas habitualmente usadas para esse fim, já que aqui estarão inelutavelmente ausentes. E nada disto é responsabilidade de quem sofre: nem a ausência de prova, nem a incapacidade da medicina em a providenciar. 

Um artigo do médico José António P. da Silva, professor de Reumatologia na Universidade de Coimbra.

Para saber mais:  

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  • Compreender a Fibromialgia: uma sessão para familiares e amigos

 https://fb.watch/iT3udVUtwx/ 

  • Clube MyF 

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