HealthNews (HN) – A medicina foi sempre um objetivo de carreira?

Nuno Rodrigues (NR) – Desde criança não. Só mais tarde, quando comecei a ter aulas de biologia humana, é que comecei a ver que a medicina poderia ser uma opção para mim. Por outro lado, também sempre gostei da parte da gestão e dos números e, portanto, mais tarde optei pela área da saúde pública.

HN – O que é que o fascina na saúde pública?

NR – Na saúde pública, a área de atividade não é o indivíduo, mas sim a população. A possibilidade de ajudar um grande número de pessoas ao mesmo tempo, sem ser individualmente, foi isso, principalmente, que me cativou. Podermos ativar processos de promoção da saúde e de prevenção da doença em larga escala é uma opção mais eficiente do que tratar depois o problema. Foi por isso que fiz esta escolha.

HN – A covid-19 foi o maior desafio da sua carreira? Enquanto médico de saúde pública e, também, tendo em conta que, no período pandémico, era coordenador do Grupo Local do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos, no Agrupamento de Centros de Saúde Oeste Sul.

NR – Eu aqui diferenciaria a covid-19 do programa de prevenção e resistência aos antimicrobianos. O Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos é um programa prioritário em Portugal, desde logo porque temos das taxas mais altas de resistência aos antimicrobianos e, portanto, todo o trabalho que possa ser feito na área de prevenção de infeções, nomeadamente hospitalares, que tem múltiplas resistências, vai permitir aos clínicos usarem melhor os antibióticos – ou seja, poupando dinheiro e, principalmente (e esta é a parte mais importante), reduzindo os internamentos por microrganismos resistentes.

Relativamente à segunda parte, certamente, a resposta à pandemia covid-19 foi o maior desafio, mas é algo que nós em saúde pública temos de estar preparados: estar prontos para dar uma resposta em termos de planeamento e em termos de proteção das pessoas; fazer o rastreio de contactos; eliminar cadeias de transmissão. Temos de estar sempre preparados uma vez que nunca sabemos quando é que será a próxima pandemia. Mas, sem dúvida, devido ao volume de trabalho e à falta de recursos humanos na própria saúde pública, foi o maior desafio.

HN – Concluiu igualmente uma Pós-Graduação em Gestão e Administração de Unidades de Saúde. O que é que o motivou?

NR – Em determinados momentos da nossa carreira, e em que vamos assumir determinadas posições, devemos adaptar-nos e fazer formações adequadas aos cargos. Sentia que havia essa necessidade de complementar a minha formação com esta pós-graduação. A partir do momento em que lideramos equipas, em que temos de tomar decisões importantes, fora do âmbito estrito da medicina, é importante termos conhecimentos específicos.

HN – Quando é que decidiu iniciar a sua atividade sindical e porquê?

NR – A minha atividade sindical iniciou-se há cerca de 11 anos, primeiramente como associado, mas havia necessidade de, dentro do sindicato, inicialmente, desenvolver as medidas que eram necessárias à defesa dos trabalhadores na área da minha especialidade, e, portanto, comecei por ser o presidente da Comissão Nacional de Saúde Publica do SIM. Posteriormente, uma vez que tenho esta perspetiva global dos problemas, sendo de saúde pública, os meus colegas entenderam que faria sentido passar para uma área mais abrangente, que era o Secretariado Regional de Lisboa e Vale do Tejo. E, portanto, cumpri também um mandato como secretário regional e, posteriormente, integrei o Secretariado Nacional, que é o órgão máximo deliberativo do SIM. Fiz dois mandatos dentro do Secretariado Nacional e agora assumi, após o Dr. Jorge Roque da Cunha, o cargo de secretário-geral.

HN – Quais são os principais desafios e objetivos do SIM no triénio 2024-2027?

NR – Os principais objetivos são a melhoria dos salários, a progressão na carreira médica e a melhoria das condições de trabalho. Nesses três campos insere-se a grande fatia da nossa atividade. Relativamente aos salários, o objetivo é ir além do acordo do ano passado: é ter outro acordo, com este Governo, de mais 15% em relação ao atual valor.

Relativamente à carreira são precisas mais coisas. Mais de 50% dos médicos estão na primeira categoria da carreira. Não é com expetativas baixas de progressão na carreira que se vai cativar os médicos para o SNS. Tanto no número de concursos que abrem como na valorização dos médicos e na sua avaliação, nomeadamente do SIADAP, tem de haver alterações. Mais de 70% dos médicos nunca fizeram uma avaliação de desempenho e por isso estão na mesma posição da carreira; porque o SIADAP é um processo altamente burocrático, em que é preciso estabelecer indicadores, e as administrações hospitalares têm-se escusado a fazer este trabalho.

Relativamente às condições de trabalho, a margem de melhoria é muito ampla: instalações adequadas, tecnologia apropriada para a prática da melhor medicina, autonomia das equipas para se organizarem, flexibilidade nos horários para serem compatíveis com a vida familiar, excesso de horas de trabalho, nomeadamente em serviço de urgência, e, recordo, os médicos são a única carreira da administração pública que tem um horário semanal de quarenta horas.

Os desafios são sempre muito grandes. Desde logo, este é um governo minoritário, pelo que terá de negociar com outras forças no parlamento as medidas para o orçamento ser aprovado. Segundo, há sempre a criação de um ruído relativamente aos profissionais de saúde que os trata como meros funcionários públicos administrativos e burocratas, e nós não queremos isso. Nós, médicos, queremos fazer prática clínica, não queremos estar agarrados a papéis e a burocracias inúteis.

O terceiro desafio diria que será a convergência, mesmo em termos europeus, do valor da nossa diferenciação técnica. Neste momento, temos salários que não correspondem à nossa diferenciação técnica. É muito importante, se realmente queremos médicos no SNS, se realmente queremos médicos dedicados, motivados, que o seu salário corresponda à sua diferenciação técnica e à formação que os médicos têm. Neste momento, o Estado não paga qualquer tipo de formação aos seus médicos. Dá-lhes dias para eles fazerem as suas formações, mas não investe nas suas formações. Era necessário também que o Estado conseguisse ter um plano organizado em termos formativos para aquilo que pretende que seja a força de trabalho médico, e não que sejam somente os médicos a suportar todo o custo da sua formação.

HN – Inicia esta semana as negociações com o Ministério da Saúde. O que é que espera do novo Governo e, nomeadamente, da ministra da Saúde?

NR – Espero uma postura de diálogo. A ministra é uma pessoa que conhece o setor, já foi inclusive presidente do conselho de administração de um dos maiores hospitais do país, portanto saberá bem quais os desafios e problemas que a esperam. Se houver essa capacidade de diálogo, se houver realmente vontade de resolver os problemas e capacidade de demonstrar ao Ministério das Finanças e ao primeiro-ministro a necessidade de investimento no SNS, penso que estamos no bom caminho. Se não houver essa capacidade, se não houver perspetivas de futuro, aí, naturalmente, o sindicato terá de fazer uma reflexão e ver quais é que são as opções para conseguir garantir melhorias para os médicos, bem como para a qualidade e o acesso dos cidadãos à saúde.

Temos propostas para apresentar nesse âmbito. Queremos que até 2 de junho essas propostas sejam analisadas e consideradas para o plano de emergência em saúde para que seja garantido o acesso dos portugueses à saúde, nomeadamente dos que neste momento têm muito pouco acesso, que são os que não têm médico de família, e dos que tendo acesso têm de esperar anos por uma consulta ou por uma cirurgia. Nós temos propostas para aumentar esse acesso, temos propostas para retirar carga burocrática, nomeadamente dos médicos de família.

HN – O HealthNews assinalou o Dia Mundial da Saúde com um webinar intitulado “SNS: sim, é possível!”. É possível ter um SNS forte e capaz de cumprir a sua missão?

NR – Nós achamos que sim e lutamos todos os dias para que isso aconteça. Nós queremos um SNS mais competitivo e mais eficiente. No que não conseguir dar resposta nós não vemos problema em que, supletivamente, os setores privado e social sejam capazes de ajudar o SNS; mas não esquecer que o SNS e o setor privado e social competem pelos mesmos recursos humanos. O que nós sempre dissemos é que a contratação coletiva é a forma mais barata de o Estado conseguir os recursos médicos de que precisa. Toda a gente sabe que os vencimentos dos médicos no privado são superiores e, por isso, sabemos que o Estado, ao fazer contratação coletiva, ao dar boas condições de trabalho aos seus profissionais, vai conseguir de forma mais barata que os portugueses tenham uma garantia de acesso à saúde.

HN – Perguntei-lhe o que é que espera do Governo. Para terminar, pergunto-lhe o que é que o Governo, os médicos e os doentes podem esperar do Sindicato Independente dos Médicos.

NR – O Governo pode esperar seriedade, credibilidade e transparência do Sindicato Independente dos Médicos. Já assinámos 38 acordos com os mais diversos governos, com o setor privado e com o setor social e, portanto, estamos dispostos ao diálogo. Vamos ouvir as propostas do governo e a sua perspetiva de futuro. Somos um sindicato totalmente independente, não nos regemos por quaisquer questões partidárias e, portanto, estamos dispostos a negociar a todo o momento.

Relativamente aos doentes, o que podem contar é que o SIM vai garantir, através do aumento dos salários e das condições de trabalho, uma força de trabalho médica estável para os portugueses. E quando digo estável é termos mais médicos de família que acompanham desde o nascimento até à morte o percurso dos seus utentes; médicos que têm disponibilidade, que não estão cansados de fazer horas extraordinárias no serviço de urgência e conseguem sentir-se valorizados para fazer mais consultas, mais cirurgias, de forma dedicada. Se nós conseguirmos essa estabilidade nos recursos humanos, e nomeadamente dos médicos, conseguiremos certamente aumentar o acesso à saúde dos portugueses.

Para os meus colegas o mais importante é que eles se possam concentrar apenas naquilo que nós sabemos fazer bem, que é ver os doentes e tratá-los, e conseguirmos que a promoção da saúde neste país tenha um investimento maior. Sabemos que somos dos países com menos investimento na promoção da saúde e prevenção da doença. Conseguirmos isto será bom para o Governo, para os médicos e para os portugueses.

Entrevista de Rita Antunes

Aceda a mais conteúdos exclusivos da nossa revista #20 Aqui.