Nas margens da albufeira de Alqueva, no coração alentejano, assiste-se desde outubro de 2015 a um ritual sazonal. Das caves da Adega Ervideira já saíram até ao momento 50 mil garrafas de tinto para um estágio final em ambiente inusitado, a 30 metros de profundidade, frente à marina da Amieira, concelho de Portel. Após oito meses de descanso absoluto em meio aquático o Conde d’Ervideira Reserva Tinto, um D.O.C Alentejo, ganha novo apelido. Chama-se agora Conde d’Ervideira Vinho da Água e tem direito a cerimónia de batismo, onde não falta transporte em trator, arrasto com bote, certificação in loco pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), operações de mergulho.

Este 11 de outubro cumpriu-se mais uma etapa na produção deste Vinho da Água. Fechou-se o primeiro ciclo, com a retirada do último lote de 10 mil garrafas de um total de 30 mil da colheita de 2014. Simultaneamente, 20 mil garrafas da vindima de 2015 foram acomodadas em caixas que desceram ao leito da barragem. Aí, nos próximos meses, estagiam num ambiente com total ausência de luz e de vibrações (não há correntes subaquáticas), temperatura constante de 17ºC. Um vinho que beneficia, ainda, de um bónus, a pressão. Esta “suficientemente forte para empurrar o lacre e a rolha dentro do gargalo”, explica Duarte Leal da Costa. O diretor executivo da Ervideira prepara-se para abrir uma das caixas resgatada por mergulhadores ao fundo da albufeira, onde permaneceu desde abril deste ano. Antes, o vinho estagiou perto de um ano em barricas de 250 litros de carvalho francês. Um blend com as castas Trincadeira Aragonez, Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional.

Um vinho alentejano filho da planície e amadurecido na água
Operador do trator aguarda indicação para retirar da água as últimas caixas da colheita de 2014. O vinho permaneceu oito meses em estágio a 30 metros de profundidade.

Acomodar e retirar de Alqueva este Vinho da Água são operações literalmente de peso. Cada caixa transporta 324 garrafas perfazendo um total de 500 quilos. Todas as garrafas recebem um lacre à mão e são previamente inspecionadas pela CVRA. Há que assegurar que o vinho que entra e sai da água é o mesmo. “O mesmo mas já modificado depois de oito meses”, explica Duarte Leal da Costa que vê no Vinho da Água um parente próximo do Conde d’Ervideira Tinto, embora mais “redondo” e “macio”.

Na próxima página acompanhe o processo de submersão deste vinho.

Repouso absoluto a 30 metros de profundidade:

Navegamos num dos barco-casa disponibilizados na Amieira Marina. O diretor executivo da Ervideira grita indicações para a equipa que, numa embarcação, afadiga-se a levar as caixas com o vinho para o fundo da albufeira. Um dos cabos deu um nó que compromete a descida do vinho até ao leito arenoso. Uma operação que comporta alguns riscos e que começa nas margens com o transporte das caixas até à água. Para o efeito é utilizado um trator que mergulha literalmente na albufeira. A passagem de testemunho faz-se, então, para a embarcação. É esta que arrasta a caixa até cerca de 30 metros da margem, a uma profundidade que oscila entre os 26 e os 36 metros. A assinalar o local, algumas boias, peça essencial na operação de resgate dentro de alguns meses.

“Do primeiro lote de 2014 ainda não foram encontradas três caixas”, diz-nos Duarte Leal da Costa, acrescentando, “imagine o que é mergulhar na escuridão absoluta, a 30 metros de profundidade, com um relevo irregular. Nestas condições o mergulhador tem um campo visual que não ultrapassa um metro”.

Contratempos que não acompanharam os primeiros ensaios deste Vinho da Água. Um pequeno lote de Conde d’Ervideira Reserva Tinto de 2008 foi acomodado em caixas de 12 garrafas, afundadas na própria marina, sob os pontões. “Na altura percebemos o potencial desta operação, assim como a mais-valia de termos como parceiro a Amieira Marina. Este recanto da barragem é excelente e com a vantagem de assegurarmos vigilância sobre os vinhos submersos”, adianta Duarte da Costa.

Um vinho alentejano filho da planície e amadurecido na água
Momento em que a equipa de terra passa o testemunho aos operadores que levam o vinho até ao seu destino final, o estágio em Alqueva.

Com este novo lote de Vinho da Água, a equipa da Ervideira lança-se numa experiência para lá do tinto. “Estamos a submergir alguns brancos e um espumante. Estou muito curioso para ver como se vai comportar a bolha do espumante depois de alguns meses na água. Mas vamos ter paciência, resultados só daqui a uns dois anos”, avança Duarte Leal da Costa.

Este Conde d’Ervideira Vinho da Água chega ao mercado com um preço entre os 18,00 e os 22,00 euros, um pouco acima do seu congénere Conde d’Ervideira Reserva Tinto, entre os 12,00 e os 14,00 euros. “A diferença de preço entre um e outro vinho, não representa o investimento que acresce a operação de produção do Vinho da Água. O investimento é pesado, com a maquinaria para depositar e retirar o vinho de Alqueva, lacrar o gargalo à mão, a lavagem das garrafas, a rotulagem”. Compensa? “Diretamente não, mas há aqui uma questão de notoriedade da marca, de promoção das outras referências que disponibilizamos”.

Em concreto, o balanço da primeira colheira do Conde d’Ervideira Vinho da Água é, de acordo com Duarte da Costa, “fabuloso”. As primeiras 20 mil garrafas esgotaram. Um vinho também disponibilizado nos mercados chave do produtor alentejano, entre eles o Brasil, China, Macau, Luxemburgo, Bélgica, Holanda.

No que respeita à prova de mesa, de acordo com Nelson Rolo, enólogo da Ervideira, “O clássico Conde de Ervideira, é um típico reserva alentejano, exuberante, aromático, robusto. Notamos bem a madeira. Um vinho que casa bem com a carne de porco alentejano, com bacalhau assado, com polvo à lagareiro. Já o Vinho da Água é exuberante, aroma intenso mas sem notarmos o tostado da barrica. Diria que é redondo, mais completo e elegante. Sugiro-o como acompanhamento de carnes gordas”.

Um vinho alentejano filho da planície e amadurecido na água
Duarte Leal da Costa, diretor executivo da Ervideira, com duas garrafas da colheita 2014 do Vinho da Água.

Em 2016 a Ervideira espera um recorde de faturação, “na casa dos dois milhões de euros, assim não haja erros políticos”, sublinha o diretor executivo. “Dependendo das políticas de incentivo ou não ao consumo, assim também estes vinhos premium ganham ou perdem. Estamos a chegar a um período sensível das vendas, o Natal”.

Esta não é a primeira experiência no nosso país de vinho com estágio na água. Já antes foi tentada, sem sucesso, em Foz Côa. No estrangeiro, a região de Champagne também colocou vinhos no Mediterrâneo. Também aqui sem resultados positivos.

A Ervideira produz vinho desde 1880. Possui 160 hectares de vinha, distribuídos pelas sub-regiões da Vidigueira (110 ha) e Reguengos (50 ha). Entre os seus vinhos, estão marcas como Conde D’Ervideira, Invisível, Vinha D’Ervideira e Lusitano.