Que as águas da barragem de Alqueva, o maior lago artificial da Europa, são uma mais valia para a região é ponto aceite. O espelho de água, com perto de mil quilómetros de margens, incentivou diversas atividades turísticas, entre elas as aquáticas. Prova-o a atividade na Marina da Amieira, no concelho alentejano de Portel, ponto de partida e chegada das embarcações que navegam a barragem. Desde junho de 2015, este recôndito do espelho de água, protegido de ventos e ondulação, acolhe uma experiência com vinhos empreendida por um produtor local com créditos firmados, a Adega da Ervideira.
Quinze mil garrafas, de um total de 32 mil unidades, de um vinho topo de gama do produtor, o Conde D´Ervideira DOC, Reserva Tinto de 2014, foram submersas a mais de 30 metros de profundidade. Uma adega natural que dispensa paredes, controlo artificial de temperatura e humidade, barricas ou inox. A três dezenas de metros abaixo da superfície de Alqueva há pouca luz, a temperatura mantêm-se constante, a 17ºC, e acresce um outro fator “a pressão, tão forte que sob o lacre a rolha é pressionada dentro do gargalo”, explica Duarte Leal da Costa, diretor executivo da Ervideira. Este responsável tem na mão uma, entre as milhares de garrafas que acabam de ser resgatadas do fundo da barragem.
As operações para reaver este Vinho da Água são morosas. “Obrigaram a implementar um bom sistema de colocação e retirada das garrafas da barragem”, explica o responsável da Ervideira.
A poucas dezenas de metros da margem uma equipa de resgate com mergulhadores afadigasse junto de uma embarcação. Mergulham com frequência em diferentes pontos. As caixas cinzentas que acondicionam, cada uma, algumas centenas de garrafas, não estão sinalizadas. Volvidos alguns minutos é dado o sinal. Foi encontrada uma caixa. Vai, em breve, juntar-se a outras duas já na margem. Entra em ação a equipa em terra. Uma operação que obriga a um veículo de tração e um trator.
Em poucos minutos este Conde D´Ervideira está em terra. Há oito meses que não vê a luz do dia. Um néctar que antes de conhecer a água estagiou em barricas de carvalho francês. Contas feitas são 20 meses de estágio em adega e na água. Aberta a caixa salta à vista o lacre que envolve os gargalos. “Houve um grande nível de certificação destes vinhos, nomeadamente do Instituto do Vinho e a Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo ”, sublinha Duarte Leal da Costa. O homem que olhou para as margens de Alqueva e viu o potencial para diversificar o portfólio da empresa que em 2015 faturou 1,8 milhões de euros e produziu 600 mil garrafas de vinho. “Começámos por mergulhar vinho da colheita de 2008. Quando o tirámos da água percebemos que tinha ganho qualidade”. Estava mais "redondo", “macio”, nas palavras do diretor executivo da Ervideira. Um vinho produzido com as castas Touriga Nacional, Aragonez, Alicante Bouschet e Cabernet Sauvignon, vinificadas casta a casta.
Este Conde D´Ervideira 2014 casa bem à mesa com carnes vermelhas, pato, pratos de bacalhau. Uma referência que vai estar à venda em garrafeiras e que chega às mãos do consumidor a 19,00 euros a garrafa. Mais três euros do que o vinho homónimo que não viu água. De acordo com Duarte Leal da Costa, “uma variação de preço que se justifica pela mais valia que o produto apresenta. Uma diferença que não reflete o investimento que acresce a produção destas 30 mil garrafas de Vinho da Água”.
Esta não é a primeira experiência no nosso país que estagiou em água. Já antes foi tentada, sem sucesso, em Foz Coa. No estrangeiro, a região de Champagne também colocou vinhos no Mediterrâneo. Também aqui sem resultados positivos. Duarte Leal da Costa acredita que o Vinho da Água irá resultar em Alqueva porque “já foi testado em situações anteriores com sucesso. Prova de que estamos frente a um produto consistente é estarmos a provar esta primeira colheita”.
Para além do mercado nacional, este Vinho da Água vai ser exportado para o Luxemburgo, Bélgica, Alemanha e Suíça. Na calha estão encomendas para a Finlândia, Hong Kong e Brasil.
Jorge Andrade
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