Cinco quilos de marmelos amarelos, perfumados, de tamanho médio, ainda com penugem na casca, trazidos à casa de Maria de Lourdes Modesto pelo Chefe António Bóia, da APCC, foi o ponto de partida para um dia passado na cozinha.

O objetivo era registar fotograficamente todos os passos da receita, tal como era feita no Convento. Uma receita partilhada com a conhecida gastrónoma, há já muitos anos, por Lucinda Canto, antiga trabalhadora a dias da instituição que, apesar de não saber escrever, considerava importante deixar o seu testemunho. Maria de Lourdes Modesto fez questão de lhe prestar tributo e partilhar agora com os alunos da ACPP (Associação de Cozinheiros Profissionais de Portugal), numa das tertúlias que decorrem todas as últimas quintas-feiras de cada mês. “Não quero morrer sem transmitir a verdadeira receita de Marmelada do Convento de Odivelas, que é branca e cheira a marmelo”, terá dito Lucinda a Maria de Lordes.

Fica a receita: os marmelos são lavados cuidadosamente, cortados e descascados. Por terem tendência a oxigenar rapidamente, são mergulhados em água quente, para não escurecerem.

Uma vez descascados e descaroçados, os marmelos vão a cozer 15 minutos numa panela de aço inoxidável. Nesta altura pode ser enriquecido com um pau de canela, casca de limão, cravinho, pimenta da Jamaica ou tirinhas de gengibre.

Enquanto isso, pesa-se as cascas e caroços, pormenor importante para calcular a quantidade de açúcar a utilizar. Subtrai-se o valor desse desperdício aos 5 quilos iniciais de fruta. Por cada quilo de polpa soma-se 1,250 g de açúcar branco; por cada quilo de açúcar, 2,5 dl de água. Deitam-se juntos num tacho e leva-se a lume brando a derreter e então aumenta-se o lume até ganhar ponto. Este “desperdício” pode depois ser aproveitado para a confeção de geleias. Enquanto isso, reduz-se a polpa da fruta a puré com a ajuda de um passe-vite equipado com o cravo mais fino.

“Quando vemos as bolhas grandes, retiramos um bocado do xarope, deitamos na água bem fria e tentamos apanhá-lo. É sinal que se encontro no ponto. Faz o barulho de uma pedra a cair”, explica Maria de Lourdes.

Surge a parte “menos agradável”, quando é preciso desfazer o açúcar, o que pode ser resolvido com uma varinha mágica. Mexer custa “cada vez mais” e é quando “a colher se mantém ufana, em pé, no centro do tacho, que a marmelada está pronta”.

Virgílio Nogueira Gomes e Maria de Lourdes Modesto
Virgílio Nogueira Gomes e Maria de Lourdes Modesto créditos: Ana César Costa

A mistura é deitada nos tabuleiros e nas clássicas tijelas de marmelada e deixada a solidificar. Ao fim de quatro ou cinco dias, a marmelada está pronta a consumir. “Mas já comi uma com seis anos brilhante”, garante Virgílio Nogueira Gomes, especialista em gastronomia e promotor destas tertúlias da ACPP.

A Marmelada Branca de Odivelas “parece ter nascido no Convento de Odivelas”, adianta o gastrónomo, mas era “de economia doméstica, tão comum que nem havia registos”. Prova disso é a popular marmelada vermelha, mais comum e com menos açúcar. Virgílio Gomes cita o livro da Madre Paula, amante de D. João V e a expressão “marmelada” para levantar algumas dúvidas sobre a origem conventual do conhecido doce.