O cão é muitas vezes apresentado como sendo o melhor amigo do homem, um fiel companheiro.

 

Mas na altura de o escolher, surgem sempre dúvidas sobre a raça mais adequada ao seu espaço, ao seu ritmo de vida e à sua família, sobretudo se tiver filhos pequenos.

 

Educá-lo é outra missão que pode parecer difícil. Para que fique sem dúvidas sobre qualquer um destes temas, falámos com Alexandra Santos, treinadora de comportamento e obediência e autora do livro «O meu cão e eu», editado pela editora A Esfera dos Livros.


Quais as vantagens gerais para as crianças terem animais de estimação como os cães em casa?


Os cães são ótimos companheiros de brincadeira, facilitam a vida social das crianças pois muitas amizades são feitas através dos seus cães e ajudam a incutir na criança um sentido de responsabilidade e de utilidade.

 

Quais os factores e os critérios a ter em consideração antes de adquirir ou adotar um cachorro?


É muito importante ter em conta a dinâmica e o estilo de vida da família, assim como a a personalidade e a condição física ou estado de saúde dos seus membros. Por exemplo, uma família muito ativa pode escolher um cachorro com um alto nível de energia, enquanto que uma família com um estilo de vida mais pacato deve optar por um cachorro mais calmo, como os das raças basset hound e beagle.

 

Se houver membros da família com alergias, é preferível optar por um cão com pelo cerdoso ou encaracolado, como o cão de água português, o pastor alemão ou o labrador, pois tendem a largar menos pelo. Se o cão vai passar muitas horas sozinho (11 a 12 horas por exemplo) é aconselhável escolher um cachorro com um temperamento independente.


Se houver crianças pequenas na família, aconselho a escolha de um cão pachorrento e com elevada tolerância ao manuseamento físico. Raças como o basset hound, o setter inglês, o collie, o golden retriever e o labrador são cães de temperamento equilibrado.

 

A lista de raças mais indicadas para as crianças inclui, além das referidas anteriormente, o budogue (francês e inglês), o cão da Terra Nova, o São Bernardo e o schnauzer gigante. Igualmente importante é a família obter alguns conhecimentos fundamentais sobre a forma como os cães comunicam, para evitar conflitos e más interpretações desnecessárias.


Há quem defenda que qualquer cão, desde que bem ensinado, pode conviver harmoniosamente com uma família com crianças? Concorda ou isso apenas acontece com algumas raças, podendo outras ser desadequadas?

 

Acredito que hajam raças menos adequadas, não por serem cães ditos maus, mas porque as próprias características tendem a ser incompatíveis com alguns comportamentos das crianças, especialmente das mais pequenas. Por exemplo, uma raça de guarda que tenda a guardar recursos pode atacar a criança que lhe tentar retirar um objeto.

 

Há raças mais adequadas à convivência com crianças, nomeadamente as de companhia. Contudo, não vamos ser fanáticos e pôr de parte a hipótese de adquirir um cão de uma raça de que gostemos ou um cão rafeiro, pois embora o potencial para certos comportamentos agressivos seja ditado pela carga genética do cão, pode perfeitamente nunca se manifestar se o cão for muito bem sociabilizado e treinado.   

Quais as desvantagens ou mesmo perigos a que a família pode ficar sujeita, nomeadamente doenças como a zoonose e problemas como as alergias e o que fazer para os evitar?

 

É muito importante o cão ser desparasitado interna e externamente com regularidade, para evitar passar parasitas para a criança. Convém também escovar o pelo com regularidade. Quanto a doenças contagiosas, o mais sensato é a família aconselhar-se com um médico veterinário.

 

Quais as principais regras ou dicas a seguir para uma perfeita harmonia do cão na família?

 

Na minha perspetiva, a regra principal é a criança aprender a respeitar o seu cão e perceber que, tal como há coisas que ela não gosta que lhe façam, o cão também não gosta nem é obrigado a aceitar e tolerar tudo o que lhe fazem. Por exemplo, desaconselho qualquer criança de ir abraçar o cão enquanto o animal dorme ou a
fazer-lhe festas enquanto come ou até mesmo tentar tirar-lhe um objeto da boca.

 

Os pais devem aprender a reconhecer os sinais mais subtis de desconforto que o cão emite durante uma interação social. Por exemplo, lamber os lábios, desviar o olhar ou mesmo virar a cabeça quando alguém está próximo demais, são sinais que devem ser respeitados pois significam que o cão se sente invadido noseu espaço pessoal, que é um conceito diferente de território, mas que não quer escalar para a agressividade.

 

Claro que se estes sinais forem ignorados, o cão pode agredir. Outraregra importante é manter o cão em ótimas condições de saúde, pois uma doença que cause desconforto físico pode predispor o cão a reagir com agressividade, proporcionar-lhe exercício físico e estímulo mental e educá-lo.


Considera importante que o cão seja treinado por profissionais de forma a garantir a prevenção de problemas no seu temperamento e comportamento ou, pelo contrário, basta seguir as dicas e conselhos de livros como o seu e passar da teoria à prática?

 

Depende. Considero essencial o acompanhamento por um profissional em casos de problemas de comportamento, nomeadamente de agressividade, de ansiedade, de fobias, etc… Considero, também, importante a ajuda do profissional assim que o dono encontra dificuldades ao educar o seu cão.

 

No que concerne ensinar exercícios básicos de obediência, acredito que livros como o meu sejam suficientes. Mesmo assim é relativo porque, por mais explícito que um livro seja, cada cão é um caso e a técnica de treino que funciona para uns não funciona para outros.

Que tipo de atividades podem (ou não) envolver os cães e as crianças? É seguro, por exemplo, que uma criança interaja ou brinque num parque com cães que não conhece?

 

Depende muito da idade da criança. Por exemplo, se for uma criança pequena convém fazer jogos de busca com o cão (atirar uma bola ou um disco tipo frisbee) em vez de jogos de tração para evitar que o cão, com a excitação da brincadeira, lhe morda as mãos.


Ensinar a criança a escovar o seu cão ou a fazer-lhe festas é preferível a deixá-la apertar-lhe as bochechas ou puxar-lhe o pelo ou cauda, mais uma vez para evitar ser mordiscada nas mãos.

 

Acredito que as crianças, especialmente as mais pequenas e os bébés, não devem ficar sozinhas com os seus próprios cães e muito menos brincarem num parque com cães que não conhecem. Isto porque a criança pode ser mordida ao fazer a coisa errada porque não saber ler linguagem canina.

 

Por exemplo, um cão a rosnar e a mostrar os dentes pode ser facilmente interpretado por uma criança de três anos como estando a sorrir para ela. A criança, ao responder a este alegado sorriso com um abraço, pode ser mordida. Há muitas atividades envolvendo cães e crianças que são seguras, desde que os pais ou outros adultos estejam presentes para as supervisionar.

 

Acredita que a questão do afeto e da partilha na relação criança-cão pode até ser positiva para o desenvolvimento das crianças?

 

Sem dúvida. Até arrisco afirmar que uma criança que tenha vivido ou que viva uma relação de afeto e partilha com o seu cão mais facilmente se torna num adulto capaz de sentir consideração, afeto, empatia e compaixão por terceiros.

 

No seu caso pessoal, como surgiu o interesse por este tipo de animais? Tem alguma história de um cão que a tenha marcado em particular?

 

Acho que já nasci com esta atração por cães, pois tive a minha primeira cadela, a Peggy, aos seis anos e preferia mil vezes brincar com ela do que com outras crianças. Cresci com uma grande compaixão e um enorme carinho pelos cães e acredito ter sido isso que me impulsionou para esta profissão.

 

Ao longo da minha vida e carreira têm havido várias histórias que me marcaram por variadíssimas razões mas, como condeno a utilização de punições na educação de um animal, partilho de seguida uma que foi particularmente marcante. Um cão de grande porte que foi forçado a ser obediente através de uma educação muito punitiva.

 

Quando se recusava a andar à trela, era puxado de forma violenta. Quando mostrava o seu desagrado através de rosnar, apanhava. Se há cães que toleram castigos de formapassiva, outros reagem com agressividade e este cão aprendeu, na perfeição, a morder sem avisar. Um dia a agredida fui eu, embora fosse meu aluno há pouco tempo e eu não estivesse associada a qualquer punição.

 

O crime, se é que lhe podemos chamar assim, que cometi foi dar-lhe a ordem «senta» acompanhada de um gesto. O cão terá interpretado esse meu gesto como uma ameaça e mordeu-me sem qualquer aviso. O cão é mau? Não. Foi alvo de uma educação deficiente!

 

Texto: Fabiana Bravo com Alexandra Santos (consultora de comportamento canino e treinadora de cães)