Pediatra durante mais de 40 anos, hoje, é através da escrita e de conferências que dá em todo o mundo, que defende o bem-estar das crianças.

 

Os seus conselhos e recomendações são, mesmo, elogiados por muitos pediatras e educadores.

 

No seu livro, «Educar os filhos – Uma urgência nos dias que correm», no qual a palavra hierarquia figura lado a lado com felicidade, traça orientações para que os pais ofereçam aos filhos o melhor presente que uma criança pode receber. A educação!

Hoje os pais multiplicam esforços para fazer os filhos felizes. Procuram as melhores escolas, os melhores especialistas. O que é que não está a resultar?

Os pais estão angustiados porque vivemos numa sociedade cruel. Os tempos são difíceis, há muito desemprego e os pais acabam por acreditar que pre­cisam de tomar medidas de segurança. Mas, para isso, mais do que escolher as melhores escolas ou especialistas, devem dar à criança armas para que possa vingar e enfrentar os obstáculos.

Dar armas a uma criança implica educá-la, ou seja, habituá-la a conquistar as coisas, em vez de as dar já mastigadas. A criança vem ao mundo com uma força considerável que é a vida no seu estado puro e que se manifesta por pulsões extremamente violen­tas que não consegue dominar sozinha.

O que podem os pais fazer para a ajudar ?

Ensinar que os outros existem e que ela não é a única pessoa no mundo. Por exemplo, o bebé que atira a colher para o chão pode repetir esse gesto 20 vezes. Atira a colher para ter a certeza de que a mãe está ao seu serviço.

É fundamental dizer-lhe, depois de ter apanhado a colher algumas vezes, que não está ao seu serviço e parar de lhe dar a colher. Esta forma de reagir vai mostrar à criança que ela não é o centro do mundo e que acima dela está a mãe, cuja vontade se impõe.

Defende, portanto, uma hierarquia familiar?

É importante que exista uma hierarquia. Os pais são os pais e as crianças, as crianças. Elas não têm as mes­mas armas, não têm o mesmo cérebro. Por exemplo, se quer explicar algo ao seu filho pode fazê-lo, mas não conte que ele compreenda racionalmente aqui­lo que lhe está a dizer.

As palavras não têm poder, é a atitude e a determinação dos pais que conta, a forma como exercem o seu papel. É por isso que a ideia de uma relação de igual para igual é nociva. Desarma os pais.

Se as palavras não têm valor, o que percebe a criança quando a mãe fala?

Ela compreende através do seu inconsciente. É como um rádio sintonizado numa estação. O seu inconsciente está ligado ao da mãe. Se a mãe lhe dis­ser que tem o nariz grande, a criança sorri porque sabe que ela no seu inconsciente sente amor e orgu­lho. O significado das palavras é indiferente.

Daí a mãe ter o papel de tradutora, como refere no seu livro?

A mãe traduz a linguagem do pai. Quando a crian­ça nasce, o seu cérebro possui como uma espécie de base de dados que lhe foi transmitida pela mãe durante nove meses.

Ela reconhece a voz e o odor da mãe, o sabor dos alimentos que ela comia, a sua forma de tocar. Há uma ligação extremamente forte pela qual se faz a comunicação. Ela está sintonizada com a mãe. Não há a mesma ligação ao pai.

Na gravidez, o bebé pode ouvir a voz do pai...

Não há registo na sua memória. Integrei uma equi­pa que investigou essa questão e constatámos que os bebés não conseguem reconhecer a voz do pai.

Como pode o pai estabelecer esses laços?

Por intermédio da mãe. Pode, por exemplo, comu­nicar com a criança enquanto esta está ao colo da mãe, pois ao falar provocará modificações no corpo e na postura da mãe que a criança sente.

Ela é muito sensível à comunicação não verbal. É a mãe que apresenta o pai à criança, o aspeto biológico não conta. O homem pode até não ser o progeni­tor, mas se a mãe da criança o ama é ele que, aos seus olhos, conta como pai. É por isso que ela é a tradutora.

Voltando à questão da educação...

É um estado de espírito. No regresso da materni­dade, a mãe deve pensar primeiro em si própria e só depois no bebé. É importante que tudo seja feito para o seu conforto.

Não adianta usar aparelhos para esterilizar os biberões ou lavar as suas roupas à parte... A criança é mais uma pessoa em sua casa e não deve sacrificar-se por ela. Deve tratá-la com atenção mas não transformá-la na sua principal pre­ocupação ou focalizar-se em torno dos deveres.

O bem-estar da mãe é assim tão importante para o bebé?

De facto, o mais comum é que quando a mãe não está bem a criança também não está. Ela é uma esponja sensorial, está sintonizada na mãe e assi­mila tudo. A partir do momento em que trata de si, sem exagerar na preocupação que sente em relação ao filho, ele vai ser feliz.

Para si, o grande momento da educa­ção situa-se dos zero aos três anos. Porquê?

O bebé sabe até que ponto depende dos pais. Como está neste estado de amor e
depen­dência, o que lhe dizem é sagrado.

Por isso, é fácil educar entre os zero e os três anos.

Depois dessa idade ainda estamos a tempo de educar?

Mesmo que a criança já tenha cinco ou sete anos pode-se aplicar os princípios de educa­ção que refiro no livro.

É mais difícil, exige mais esforço, mas é possível se os pais muda­rem de atitude. A mudança de atitude dos pais muda tudo na criança.

Quando é que a criança começa a exi­gir poder?

O que se passa é que a criança tem a ilusão do poder e o pai é que tem o poder. Não há razão para que a criança continue com essa ilusão. É importante compreender que ela tem de adquirir uma série de qualidades e ferramentas antes que lhe possa ser atribuído o poder sobre si própria.

Em que casos devem os pais negociar?

A negociação não faz sentido, pois implica uma relação de igual para igual. E isso deve ser completamente banido.

Defende também que os pais não devem pedir desculpa. Porquê?

A criança, quando é pequena, pode encarar isso como um sinal de fraqueza. A partir dos cinco ou sete anos, podemos reconhecer que errámos. Antes não convém porque, para a criança, temos um estatuto de tal forma ele­vado que, se nos justificamos sempre, alte­ramos essa imagem, mostramos que temos pés de barro.

Esta autoridade não pode ser confundi­da com autoritarismo?

O autoritarismo é a autoridade dos indiví­duos que funcionam de modo arbitrário. Geralmente são pessoas fracas que querem impôr-se, mas não têm qualquer poder. Por outro lado, a autoridade nem preci­sa de se exprimir. As crianças sentem-na, apercebem-se quando os pais assumem bem o seu papel.

Quando é que um bebé começa a perce­ber o que se passa à sua volta?

A partir dos dois meses e meio. Adapta-se muito rapidamente.

 

Por isso, é importante acompanhá-lo nas suas conquistas e nunca o bloquear.

Por exemplo, sou contra o uso do biberão ou da chupeta, após os dois anos e meio.

 

A partir daí, começa a ser mais auto­nómo e devemos deixá-lo tornar-se ele pró­prio e evitar prolongar à sua volta um útero virtual da mãe.

O uso prolongado da chupeta ou biberão afeta o seu desenvolvimento?

Pode ter consequências sérias como o atraso da linguagem, da autonomia, alterações na deglutição e pode trazer problemas digesti­vos, dentários e ao nível da autoconfiança.

No seu livro, encara a criança como co-terapeuta. Porquê?

Quando há erros cometidos pelos pais a criança apresenta sintomas. As perturba­ções do sono, da alimentação, as doenças repetitivas são manifestações da criança, por sentir que algo não está bem com os pais.

Esses problemas são culpa dos pais?

Não há pais culpados. Na educação, não há pais perfeitos, não há crianças perfeitas. A imperfeição é o que assegura a reprodução da espécie.

O que aconselha a quem se prepara para ser pai/mãe pela primeira vez?

Substituam o lema tóxico a criança primei­ro pelo slogan o casal primeiro. O essen­cial é que sejam um casal sólido. Devem pensar primeiro no casal e só depois na criança. Ao seguir este princípio, asseguram a saúde da criança, do casal e da família.

5 regras essenciais a ter em conta:

1. Zelar pelo casal.
2. Nunca se desculpar diante do filho, mesmo se errou
3. Compreender que a criança é um ser incrivelmente sólido
4. Respeitar o filho
5. Nunca bater

Texto: Manuela Vasconcelos