Ao estar a ler este artigo, está a fazê-lo, de certeza, através de um dispositivo eletrónico. E no estado atual da tecnologia, tanto pode estar a ler em deslocação para o seu emprego,  comodamente sentado no sofá de sua casa ou numa pausa no seu emprego. Presentemente, a tecnologia permite que se acesse a um vasto leque de informação onde quer que se esteja, seja em que altura for. Esta democratização dos meios de comunicação trouxe inúmeras vantagens ao utilizador, oferecendo novas oportunidades para o conhecimento mundial.

Seja qual for a situação, muito provavelmente sente segurança relativamente ao mundo virtual onde foi em busca deste artigo. Com isto quero dizer que, quando pensa nas ameaças associadas à Internet, provavelmente a ideia de vírus surge como principal preocupação. Porém, existem uma série de outras ameaças a que todos os utilizadores de dispositivos eletrônicos poderão estar sujeitos que, no seu todo, podem ser chamadas de Cyberbullying.

Pelo menos uma parte desta palavra é bastante familiar. O termo Bullying tornou-se muito conhecido atualmente, sobretudo através de episódios mediáticos que preenchem alguns dos noticiários nacionais. Este fenómeno, habitualmente confiando ao contexto de escola, tornou-se cada vez mais conhecido, não porque tenha aumentado a sua frequência, mas sim porque se tornaram mais fortes os episódios e mais frequentemente testemunhados e partilhados através dos canais de notícias.

Porém, o termo Cyberbullying ainda é bastante desconhecido pela comunidade em geral. Os problemas associados à utilização da Internet são relativamente novos. Se pensarmos que até há bem pouco tempo, a Internet era apenas acessível a um conjunto restrito de indivíduos, que tinham que pagar um valor muito significativo para ter acesso. Foi apenas a partir do final dos anos 90 que os investigadores começaram a dar atenção aos problemas derivados da utilização inadequada da Internet.

O problema relacionado com a Internet que mais atenção tem tido no presente está associado à adição à Internet; em grande parte, devido ao número cada vez mais crescente de casos de crianças, jovens e adultos que apresentam comportamentos aditivos face ao uso da Internet e dos vídeojogos. Porém, um problema aparentemente mais silencioso mas com um impacto muito mais profundo naqueles que são vítimas tem surgido com cada vez maior relevância, conhecendo-se cada vez mais e melhor os contornos deste problema cada vez mais atual, de modo a que se possa ter maior rigor na sua avaliação e intervenção.

Quando falamos de Bullying, tal como foi referido anteriormente, este está habitualmente associado à escola. As características do contexto escolar favorecem o desenvolvimento deste fenómeno: é um local onde se reúnem vários grupos de crianças e de jovens, e estes mesmos grupos apresentam diferenças entre si em termos de número e poder de influência. No Bullying tradicional, o “vitimizador” é habitualmente uma figura de maior poder, habitualmente físico, em comparação com a “vítima”, que é geralmente mais fraco. É também um local onde mais facilmente se conseguem isolar vítimas e criar situações que as desfavorecem. Assim, a relação desigual de poder físico entre o vitimizador e vítima, e o isolamento num local específico, sem supervisão, são características definidoras do Bullying.

Por ser um fenómeno que acontece num local físico, a identidade do vitimizador é habitualmente conhecida, e para criar maior impacto, é frequente a existência de uma pequena audiência, um conjunto de espectadores que incentivam à prática do bullying e que servem de testemunhas para difundirem a notícia do episódio ocorrido. A presença dos espectadores confere também alguma segurança ao vitimizador por serem observadores atentos de possíveis “supervisores” que possam interferir e interromper o episódio de violência.

A investigação demonstra que os vitimizadores no Bullying são habitualmente indivíduos com personalidades dominantes, que exercem a sua vontade através da força; são habitualmente temperamentais e impulsivos, tendo dificuldade em regular as suas emoções; demonstram pouca ou nenhuma empatia pelas vítimas, tornando difícil a interrupção do episódio violento por não conseguirem compreender o que o outro está a sentir. Quanto às vítimas, a investigação determina que são habitualmente irrequietas e têm dificuldades em se concentrar. Enquanto grupo, são geralmente mais imaturos e têm dificuldades em compreender pistas sociais o que os torna mais atreitos a estarem envolvidos em situações de perigo sem as reconhecerem como tal. No seu geral, são crianças com quem os seus pares e os seus professores têm algum tipo de dificuldade de relacionamento.

O fenómeno do Bullying tem recebido muita investigação nos últimos anos e como se verificou anteriormente, já existem vários identificadores que permitem perceber o comportamento das vítimas e dos vitimizadores, bem como os contextos e as formas que o Bullying assume. Porém, quando nos viramos para o Bullying através dos meios digitais, o Cyberbullying, a investigação é ainda muito escassa. Isto traz dificuldades em compreender este fenómeno recente. No entanto, já têm sido feitas descobertas que permitem considerar este como um verdadeiro problema, com fortes implicações para aqueles que são vítimas deste tipo de violência.

Os dados em termos mundiais apontam para uma prevalência do cyberbullying na ordem dos 10%. Naturalmente que estes dados resultam de uma média em termos dos países onde o acesso à Internet é mais frequente. Este panorama aponta para um número de casos já muito significativos. Em Portugal, uma investigação recente constatou que cerca de 19,5% da população estudantil do terceiro ciclo já foi de alguma forma vítima de um ataque de cyberbullying.

Gradualmente, à medida que se vai tornando um fenómeno mais robusto e com mais impacto, também se tornam cada vez mais conhecias as características deste fenómeno recente. Por exemplo, já é sabido que existe igual probabilidade de rapazes e raparigas serem vítimas de Cyberbullying. Este dado é muito importante para pais e educadores, uma vez que as crianças e os jovens em geral podem ser igualmente afetados. Porém, verificam-se diferenças relativamente ao tipo de ataque a que as vítimas são sujeitas. Se enquanto para os rapazes são utilizadas estratégias mais agressivas de ataque, como por exemplo, através de insultos repetidos e cada vez mais intensos, no caso das raparigas os métodos empregues são mais “passivos”, sendo mais frequente a exclusão e a transmissão de imagens de cariz sexual. Mais à frente serão expostas as principais formas através das quais se pode praticar o cyberbullying.

É também sabido que o Cyberbullying, à semelhança do Bullying, provoca um conjunto de sintomas psicológicos negativos na vítima, nomeadamente, são esperados sentimentos de desespero e desesperança, acompanhados por tristeza crónica, ou por outras formas de manifestação de desconforto, nomeadamente com fortes explosões de raiva. No limite, o Cyberbullying pode trazer um desespero tão grande àquele que é vítima que, por vezes, o suicídio pode ser uma realidade. Nas redes sociais tornou-se muito popular um vídeo de angústia elaborado por uma jovem em que através de uma série de cartazes expressava a enorme tristeza e solidão que sentia por ser vítima de Cyberbullying. A jovem acabou por se suicidar.

Se é verdade que ninguém está seguro de um ataque de Cyberbullying, importa conhecer as várias formas que este tipo de agressão pode assumir. Conhecendo as suas mais variadas facetas não vai impedir que suceda, mas sim aumentar a consciência dos riscos a que cada um está exposto.

Uma das formas mais conhecidas é o flaming. Trata-se de uma acesa e intensa troca de ofensas entre dois ou mais indivíduos. Tipicamente acontece em locais “públicos” da Internet, isto é, em fóruns ou salas de chat. O objetivo é o de produzir ofensas verbais com uma vasta audiência que testemunhe o mal trato. Poder-se-ia supor que esta troca poderia ser equilibrada entre cada participante, mas no caso do Cyberbullying, existe um desequilíbrio na capacidade de ofender, salientando-se com clara definição um vitimizador e uma vítima.

Outra manifestação do Cyberbullying é o chamado assédio. Este resulta num envio repetitivo de mensagens com conteúdos ofensivos para um alvo específico. Na maior parte das vezes, o assédio ocorre através de canais de comunicação pessoais, como o email ou sms. Esta forma de ofensa pode também ser realizada por vários agressores ao mesmo tempo face a apenas um alvo, denominada de guerra de mensagens.

Das formas mais destrutivas de Cyberbullying é a difamação. Esta pode ser definida como a apresentação de informação deturpada sobre um determinado indivíduo, com o intuito de denegrir a sua imagem e reputação. Incluído nesta categoria está o envio e colocação em sites de fotografias alteradas de alguém, de modo a retratá-los de uma forma sexualizada.

O roubo de identidade pode ser das formas mais devastadoras de cyberbullying que podem ser postas em prática. Imagine que na sua página de facebook começavam a ser publicados posts em seu nome, que não redigidos por si, mas que todos aqueles que vissem a sua página pensariam que tinah sido o/a autor/a dos mesmos. Este tipo de agressão ocorre com o conhecimento da password da vítima, ganhando acesso às suas contas e perfis de redes sociais.

A violação de intimidade refere-se à partilha de informação pessoal, habitualmente constrangedora, com uma audiência. Imagine que recebe um email ou uma mensagem de um determinado alvo que contém informação privada e potencialmente constrangedora de alguém seu conhecido, sem o seu consentimento. Podiam até ser fotografias privadas. Se passasse por esta situação, então estaria envolvido neste tipo de cyberbullying.

A exclusão é um fenómeno subitamente conhecido nos colégios de várias escolas. São conhecidos relatos de crianças com dificuldades sociais que cujas experiências de recreio são habitualmente pautadas com infelicidade e angústia. Habitualmente são crianças que andam sozinhas pelos corredores das escolas ou nos pátios. Mais difícil é imaginar este fenómeno no mundo virtual. Contudo, é outra das formas de cyberbullying que mais afetam as vítimas. No mundo virtual, a exclusão acontece em duas formas distintas: ora através da exclusão de um determinado indivíduo de uma lista de amigos, ou de uma equipa ou clã a que pertença ora por ser ignorado por todos os envolvidos em contextos de conversação virtual, não se sentindo escutado ou validado por qualquer dos presentes nas salas de chat.

A perseguição ocorre quando alguém assim um alvo e em relação a ele, através de emails, sms e posts em redes sociais, envia mesangens de intimidação, assédio ou violência, de forma repetida e continuada. A perseguição pode-se alastrar aos membros da família do alvo, que podem eles próprios receber mensagens que causam o terror e o medo permanente.

O happy slapping tem ganho cada vez mais popularidade entre os jovens de vários países. Este acontece quando um episódio de agressão ou de humilhação é gravado em suporte de vídeo e posteriormente partilhado, ou por email, ou em redes sociais, para uma larga audiência. Este fenómeno assumiu particular mediatismo em Portugal num passado recente, tendo servido de exemplo de aplicação de medidas judiciais contra este tipo de crime.

Por fim, o sexting é também considerado uma forma de cyberbullying, sendo caracterizado como a receção de conteúdos de cariz sexual nos telemóveis, tablets ou computadores, sem que haja intenção por parte do recetor em receber esse tipo de conteúdos. Em estudos feitos no estrangeiro, cerca de 15% dos rapazes e raparigas inquiridos tinham já enviado imagens próprias de cariz sexual para pessoas que apenas tinham conhecido online e com quem não tinham nenhuma relação de intimidade.

Sejam quais forem as formas que o Cyberbullying assume, é altamente provável que traga extremo desconforto à vítima, tendo várias implicações no seu dia-a-dia. O que contribui para um crescente número de casos deste fenómeno? Acredita-se que a interação com as tecnologias cria um efeito facilitador nos indivíduos, chamado de desinibição online, que torna o indivíduo capaz de um conjunto de ações que num contexto real dificilmente as poria em prática. Para tal contribuii o facto de, através da Internet e dos meios de comunicação, os utilizadores serem virtualmente invisíveis, não se estando frente-a-frente com a pessoa a quem se pretende infringir dano; caso se pretenda, pode-se ser anónimo no envio dos conteúdos para qualquer pessoa, reduzindo o sentimento de implicação no ato nocivo; dadas as plataformas móveis utilizadas por crianças e jovens no presente, bem como a expansão do uso da Internet para vários contextos sociais, a acessibilidade torna o fenómeno alcançável por várias crianças e jovens, não sendo necessário estar perto da vítima para provocar o dano; com a rapidez de um click, podem-se realizar vários atos de cyberbullying com o intuito de prejudicar alguém, potenciando-se este efeito dado o número potencialmente infinito de espectadores que assistem numa audiência virtual à divulgação dos conteúdos nocivos.

Vários são os sinais que o/a seu/sua filho/a pode manifestar que são potencialmente indicadores de que estarão a ser alvos de alguma forma de cyberbullying. Desta forma, esteja especialmente atento se: os rendimentos escolares da criança ou do jovem começarem a baixar, não correspondendo ao potencial que habitualmente é apresentado na escola; ansiedade e tristeza passam a ser emoções predominantes na criança ou no jovem, sem que possam estar diretamente associados a outra situação a que esteja a par; verificar que existe um afastamento progressivo do mundo social, com evitamento de encontros e saídas à noite; que o/a seu/sua filho /a fica particularmente agitado depois de mexer no telemóvel, tablet ou computador, ou quando pede ao seu filho para utilizar um destes dispositivos.

Sendo uma ameaça subtil e silenciosa, que pode ocorrer no contexto de casa, na escola ou em qualquer outro local, é importante que pais e professores estejam conscientes dos vários meios e formas que o cyberbullying pode utilizar ou assumir, bem como os vários sinais de alerta que atestam que a criança ou o jovem têm um problema. Em conjunto, família e escola devem assumir este como um problema comum, unindo esforços e trabalhando em conjunto para a solução do mesmo.

João Faria
Psicólogo Clínico – PIN

joao.faria@pin.com.pt

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