"Achavam-nos parvinhos. Diziam: Isso só conseguem os príncipes e as princesas, os reis e as rainhas. Vocês nunca vão conseguir', recorda Olinda, com quem Vitor casou pela segunda vez pela Igreja, depois de um processo longo e sofrido de anulação do primeiro casamento.

O casal, a morar no concelho de Leiria, conheceu-se em 1988, quatro anos depois de Vítor se ter divorciado de um primeiro casamento que durou perto de um ano. Na altura, não tinha pensado em anular o casamento pela Igreja, porque também não pensava encontrar uma pessoa que fizesse questão de celebrar o matrimónio religioso. "Jamais imaginei casar-me apenas pelo civil. Para mim, o civil é só um papel", sublinha Olinda, professora natural da Guarda.

Ao fim de três anos de namoro, o casal decidiu tentar anular o casamento católico de Vítor, sem sequer imaginar que o processo que estavam a iniciar ia demorar oito anos. "Foi uma luta muito complicada. Uns avançavam, outros atrasavam [o processo]. Notava-se que no tribunal eclesiástico não havia muita vontade de se ir em frente", recorda Vítor, hoje com 58 anos.

Pelo meio, foram muitas cartas, "muitos papéis" e telefonemas e idas aos tribunal, sem que nunca se vislumbrasse o fim do processo. A Igreja, "para manter até a ideia que existia de que [anular o casamento católico] era impossível de acontecer", procurava "atrasar" a solução, explica Vítor.

Olinda, que via "a idade a passar", chegava a ir todas as semanas ao tribunal eclesiástico, onde "massacrava" os responsáveis.  "Não os deixava em paz", recorda-se. Na Sé de Leiria, dizia aos padres que lhe estavam a atrasar a vida, que queria ser mãe e que tinha receio de ter os filhos "muito tarde".

Desesperança e mágoa

A resposta era sempre a mesma: "Paciência, paciência. São coisas que demoram", diz, referindo que lhe chegaram a dizer que "o que Deus uniu, o homem não separa". "Houve raiva, revolta e desespero. E eu mostrava isso no tribunal. Não dava para entender o porquê de demorar tanto tempo, de nos fazer sofrer, de nos atrasar a vida", frisa a professora, hoje com 53 anos e com dois filhos de 13 e 15 anos.

O sentimento de injustiça estava também presente nas cartas que o casal redigia ao bispo da diocese e ao tribunal, em que relatavam uma "profunda mágoa" e uma "cada vez maior desesperança" em relação ao processo, ao mesmo tempo que apelavam à "bondade" dos responsáveis, num processo que parecia estar tomado por uma "aparente inércia".

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Apesar de tudo, o casal nunca desistiu. No final de 1998 ou início de 1999 - já não se recorda - recebeu a chamada de um dos padres ligados ao processo: "Olinda finalmente pode concretizar o seu sonho". "Foi divinal, foi espetacular, foi maravilhoso", conta. No local onde moram, as pessoas "ficaram incrédulas" com a boa nova.

Em julho de 1999, Olinda conseguiu realizar o seu sonho e subiu "a passadeira vermelha até ao altar", acompanhada pelo seu pai, numa capela toda em pedra na Guarda, onde o casal juntou a felicidade de se casar com a vitória de uma batalha que durou "uma vida". "Voltava a fazer tudo exatamente como fiz e voltava a passar pelo mesmo processo", salienta, lamentando-se apenas de ter tido os filhos mais tarde do que queria.

A 08 de dezembro, assinala-se um ano da reforma da lei canónica católica que permite acelerar os processos de nulidade do casamento católico em certas circunstâncias, como o abuso matrimonial ou a traição. Um processo breve está previsto nas dioceses para os casos de nulidade mais evidentes, como quando a questão é colocada pelos dois cônjuges ou com o consentimento do outro.

Hoje, talvez Olinda tivesse demorado menos tempo a conseguir casar pela Igreja. "Não podemos pôr as pessoas oito anos à espera. Até um ano é muito. Isso é horrível. Ninguém tem o direito de fazer as pessoas esperar oito anos. Oito anos é uma vida", defende.