Sérgio Castedo, Professor Associado de Genética Médica na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, desde 1994, tem mais de 60 estudos publicados nesta área. 

 

Foi exatamente com o Professor Sérgio Castedo que falámos, para saber o que são e quais as vantagens dos chamados testes pré-natais não invasivos; um método que deteta trissomias 13, 18 e 21 e que representa um avanço inegável nos testes de genética.

 

 

Numa entrevista recente que deu, disse que os testes não invasivos para detetar trissomias eram o melhor rastreio pré-natal de anomalias cromossómicas atualmente disponíveis. O que é que faz destes testes assim tão eficazes?

 

O facto de um teste detetar mais de 99% dos casos de trissomia 21, através do estudo do sangue da grávida, com apenas 0,1% de falsos positivos, representa, efetivamente, um enorme avanço na área do rastreio pré-natal.

Os métodos correntes de rastreio pré-natal, baseados em análises de sangue, dados da ecografia e idade da grávida, permitem detetar entre aproximadamente 70% e 90% dos casos de trissomia 21 (dependerá do tipo de rastreio a taxa de deteção), com cerca de 5% de falsos positivos. Ou seja, com os métodos tradicionais de rastreio (que são, note-se, muito bons), 1 em cada 20 grávidas (5%)que recorra a esses testes, será identificada como rastreio positivo e terá indicação para a realização de uma amniocentese ou de uma biópsia de vilosidades coriónicas, para verificar se o bebé tem ou não trissomia 21. Embora seja verdade que 70 a 90% dos casos de trissomia 21 estarão nesse grupo de rastreios positivos, a maioria das grávidas que têm um rastreio positivo, terão bebés normais. Dito de outra forma, a maioria dos rastreios positivos nesses testes são falsos alarmes, falsos positivos. Com os testes não invasivos, só 1 em 1000 (e não 1 em 20) grávidas fará uma amniocentese (ou biópsia das vilosidades) inutilmente. E serão detectados mais de 99% (e não 70 a 90%) dos casos de trissomia 21

Como é que o teste é feito?

O teste é feito através de uma colheita de sangue à grávida, a partir das 10 semanas de gestação.

Nesse sangue, será medida a quantidade de ADN proveniente dos cromossomas 13, 18 e 21 (e, se tal for requisitado, dos cromossomas X e Y), sendo essa quantidade comparada com a quantidade de outros cromossomas não envolvidos em trissomias.

Se houver, por exemplo, trissomia 21, haverá uma quantidade de DNA proveniente deste cromossoma que é ligeiramente superior à esperada. São essas diferenças subtis de quantidade de ADN que são avaliadas e valorizadas em centros muito especializados.

Em que é que ele difere da amniocentese?

A amniocentese implica picar o útero e recolher líquido amniótico para poder estudar as células do bebé que aí se encontram, enquanto que os testes não invasivos recorrem a uma vulgar colheita de sangue.

E picar o útero de uma grávida associa-se a um risco de aborto, de cerca 0,5% a 1%.

Estes testes são caros, podendo chegar aos 700 euros. Como é que um teste que consiste numa recolha de sangue é tão dispendioso?

Claro que não é a colheita que é cara, mas sim o trabalho laboratorial e de análise. De facto, os equipamentos que permitem a análise e valorização das diferenças mínimas de quantidade de ADN dos cromossomas analisados são muito caros, o que obriga a um número muito elevado de amostras processadas, para o teste ser rentável. Por isso é que as amostras são enviadas e analisadas para um laboratório central nos E.U.A, sendo que também há testes que os enviam para a China.

Estando provada a eficácia destes testes, como é que se justifica que o Serviço Nacional de Saúde não os comparticipe?

O Ministério da Saúde tem, como se compreende, de gerir prioridades de investimento, tanto mais que os nossos recursos são muito limitados.

Assim, não me surpreende que haja presentemente investimentos que o Ministério da Saúde considere mais prioritários. Por outro lado, haverá seguramente a convicção de que os preços irão baixar nos próximos tempos, tal como sucede quase sempre com novas tecnologias.

E em relação às seguradoras, a que é que acha que se deve a resistência das mesmas na comparticipação?

As seguradoras avaliam, mais do que o interesse em saúde pública, o retorno financeiro do investimento realizado. Se perceberem que podem comparticipar um estudo e, com isso, ganhar (ou poupar) dinheiro, fá-lo-ão, com toda a certeza. Mas admito que também contem com uma redução dos preços deste tipo de testes.

Tendo em conta que é cada vez mais comum as mulheres engravidarem depois dos 35 anos - e tudo indica que esta tendência irá acentuar-se ainda mais face à economia atual e ao facto dos jovens terem uma estabilidade financeira cada vez mais tarde - não se impõe que um teste como este faça parte do SNS?

Tudo leva o seu tempo. Repare, durante quase 20 anos, usou-se apenas a idade da grávida como indicação para fazer, ou não, a amniocentese. Mesmo depois de surgirem os métodos atualmente usados de rastreio pré-natal (que usam a idade da grávida, a ecografia e as análises bioquímicas ao sangue) demorou muito até que o SNS comparticipasse esses rastreios e, ainda hoje, só parte dessas análises são comparticipadas! Por isso, não é de estranhar que a comparticipação dos testes não invasivos também demore bastante tempo a ter lugar.

Um artigo da Deco Proteste diz que, apesar das vantagens inegáveis deste teste, ele não deteta malformações, não é fiável a 100% e que, por isso, perante um resultado positivo, a amniocentese continua a ser necessário. Pode comentar?

É verdade.

Os testes não invasivos não são para detectar outra coisa que não seja a trissomia 13, 18 ou 21 e, se requerido, as anomalias de número dos cromossomas X e Y. Ou seja, não detectam todos os problemas do bebé, detectam trissomias.

Por outro lado, como têm falsos positivos (ainda que, para a trissomia 21, seja de apenas 1 em 1000), mesmo quando estes testes detectam uma trissomia, é necessário confirmar a sua existência através da amniocentese.

Mas é indiscutível que, se o objetivo for detectar bebés com trissomia 21, estes testes permitem reduzir cerca de 20 vezes o recurso à amniocentese.

Os testes de genética têm evoluído imenso nos últimos anos. Qual é o próximo passo? O passo desejável a curto prazo?

É difícil prever o futuro, para mais numa área de tão rápido desenvolvimento. Em todo o caso, no que diz respeito ao diagnóstico pré-natal, julgo que a evolução (diria tentação) previsível no curto/médio prazo, é a de conseguir analisar mais e mais doenças do bebé através do sangue da mãe, isto é, não apenas trissomias, mas todas as alterações cromossómicas e outras doenças não associadas a anomalias dos cromossomas.

No âmbito do diagnóstico genético, de uma forma geral e não apenas no diagnóstico pré-natal, admito que a tendência seja a de permitir a análise de mais e mais genes, de uma forma mais rápida e barata do que é possível hoje.

Sofia Patrício