Basta olhar atentamente e observar os miúdos com os quais nos cruzamos diariamente. Os próprios números das entidades oficiais não deixam margens para dúvidas.

 

A cada dia que passa, as nossas crianças estão mais pesadas.

Todos sabemos que o sedentarismo e uma alimentação desequilibrada são as principais causas para os elevados índices de obesidade que se registam em todo o mundo.

No entanto, quase metade da população, incluindo os mais pequenos, parece não conseguir controlar o excesso de horas passadas à frente do televisor ou do computador nem manter-se fiel às refeições saudáveis. Os dados são tão alarmantes que a Organização Mundial de Saúde (OMS) já classificou a obesidade como a epidemia do século XXI.

O ritmo acelerado em que vivemos e forçamos os nossos filhos a viver quase que nos impõe comportamentos propícios à obesidade. Nem os conselhos médicos e nem as medidas sugeridas pela OMS se têm mostrado capazes de inverter esta tendência.

Os países desenvolvidos, em especial as zonas urbanas, são as áreas mais afetadas. A endocrinologista Catarina Saraiva não tem dúvidas que a falta de tempo é a raiz do problema. «As pessoas vivem em stress. Está tudo contado. Levar os filhos à escola com a lancheira cheia de fast food é mais rápido e, em muitas situações, mais barato. A seguir, enfrentar transportes, trânsito e stress para chegar a horas ao emprego», refere. 

«O almoço é o mais rápido e barato (é também o mais calórico). Ao final do dia, é o regresso ao trânsito e tempo de ir buscar os miúdos, dar banho, jantar... De preferência frito, que é mais rápido. Por fim, ver televisão para relaxar e não pensar em mais nada. Esta é a vida da maioria dos portugueses. Alterar os hábitos é difícil, exige motivação e ajuda médica», sublinha.

Saúde em risco

Uma alimentação demasiado energética, rica em gorduras, hidratos de carbono e álcool tem um forte impacto no organismo, pois representa uma ingestão de calorias muito superior à energia dispendida. E os perigos para a saúde são vários. Rosa Pina, endocrinologista pediatra, nomeia os mais comuns. «Ocorrem alterações a vários níveis, nomeadamente no metabolismo da glicose, diabetes tipo 2, cada vez mais frequente em adolescentes e crianças quando, até há pouco tempo, era praticamente uma doença de adultos», sublinha a especialista.

 

As alterações abrangem, ainda, «mudanças da imagem corporal, problemas psicológicos, possíveis alterações menstruais, acne, hirsutismo, dislipidemia (presença de gorduras no sangue), hipertensão arterial, distúrbios respiratórios, como a apneia do sono, risco aumentado de doenças cardiovasculares e alterações ortopédicas por excesso de carga nas articulações», explica Rosa Pina.

Um estudo da Universidade de Oxford concluiu mesmo que, a cada ano, cerca de seis mil mulheres de meia idade ou idosas da Grã Bretanha desenvolvem cancro por causa do excesso de peso.

 

Longe de apresentar os padrões de elegância e de beleza estipulados pela sociedade, as pessoas obesas são, muitas vezes, olhadas como sendo culpadas da própria doença, o que lhes acaba por gerar outros tipos de problemas. 

 

Contudo, várias pesquisas têm demonstrado que os filhos de pais obesos têm uma maior predisposição para este problema. «Há um forte fator hereditário na obesidade. Se ambos os pais são obesos, dois terços dos seus filhos serão obesos. Se um dos pais é obeso, metade dos filhos sofrerá do problema, mas como as crianças partilham com os pais os mesmos hábitos de alimentação e atividade física, é difícil determinar exatamente o peso dos genes», refere Rosa Pina.

Estudos realizados com crianças adotadas mostraram uma correlação maior do peso com o dos pais biológicos do que com o dos adotivos», acrescenta. Nestes casos, a especialista aconselha uma vigilância constante através «das curvas de percentil referidas no Boletim de Saúde. É muito importante que nas consultas das crianças se esteja atento, de modo a atuar sempre que esta curva se desvie».

Cada vez mais crianças afetadas

Considera-se que uma pessoa tem excesso de peso quando o índice de massa corporal (IMC) é superior a 26 e é obesa quando ultrapassa o valor 30. Ao contrário do que acontecia há alguns anos, «o crescimento da obesidade tem sido extensível a pessoas cada vez mais jovens, incluindo em idade pediátrica», refere Catarina Saraiva, sublinhando que, apesar de tudo, ainda é «mais frequente nos adultos, principalmente, nas mulheres, por causa da constituição física».

O acompanhamento médico dos casos de obesidade tem de ser multidisciplinar. Dependendo da causa e gravidade da doença, pode começar por uma consulta de Medicina Familiar, num nutricionista ou dietista até ao encaminhamento para as especialidades médicas e cirúrgicas, como endocrinologia, pneumologia, gastrenterologia, psiquiatria e psicologia, cirurgia geral e plástica.

Como resolver o problema

Quando o excesso de peso gera problemas na saúde ou em situações de obesidade, a par do plano alimentar rigoroso, pode ser recomendada, sempre sob vigilância médica, a toma de fármacos específicos que atuam ao nível da redução do apetite ou da absorção de gorduras pelo organismo.

Nos casos de obesidade mórbida, com um historial de tentativas e tratamentos falhados para emagrecer, a solução passa pela cirurgia. A colocação de banda gástrica só é recomendada, esclarece Rosa Pina, «em situações muito graves em que há já doenças associadas à obesidade». Na infância, a atenção tem de ser outra. «Não se usam drogas para diminuir o apetite e a dieta é elaborada e supervisionada por profissionais com experiência em crianças, pois não pode ser restritiva como a dos adultos, devendo fornecer os nutrientes necessários para o crescimento», acrescenta.

Avanços científicos

Investigadores do Instituto Karolinska, na Suécia descobriram uma proteína, a TRAP (tartrate-resistant acid phosphatase), que estimula a formação de novas células gordas e precipita o desenvolvimento da obesidade.

Estão agora a ser estudados novos tratamentos da obesidade através da inibição desta proteína.

Na Grã Bretanha, cientistas encontram-se a desenvolver uma pastilha elástica a partir de uma hormona intestinal (polipéptido pancreático) que reproduz a sensação de saciedade no corpo humano. Os especialistas esperam ter o medicamento disponível como tratamento à base de injeções dentro de quatro anos, mas o objetivo principal é criar um fármaco capaz de ser absorvido pela boca.

Mudar de vida

A alteração de hábitos tem de ser uma realidade. Catarina Saraiva defende que «primeiro tem de se educar os pais e os avós». Em seguida, reforçar as medidas de controlo, em especial nas escolas.

«A publicidade exaustiva a produtos hiper calóricos deveria ser proibida. Nas escolas, terá de existir educação para a alimentação saudável. O incentivo ao exercício físico, quer através da prática de, pelo menos, três vezes por semana de atividade desportiva, quer com a promoção de torneios inter-escolas, será uma forma de combater o sedentarismo», refere.

Por norma, mais difícil do que perder peso é manter as medidas atingidas. Para além da imprescindível motivação, o caminho é, sugere Catarina Saraiva, «seguir, com o maior rigor possível, o plano alimentar estruturado, que não será mais do que comer várias vezes ao dia, pouco de cada vez e de forma variada». «Deve ser restringida a ingestão de gorduras e de açúcares simples. Qualquer exercício físico é válido. Andar, nadar, dançar... O importante é praticá-lo com regularidade», acrescenta ainda.

Texto: Fátima Lopes Cardoso com Catarina Saraiva (endocrinologista e diabetologista do adulto e da criança) e Rosa Pina (endocrinologista pediatra)