Ainda que cada filho seja único, existem vários aspetos que, regra geral, distinguem aqueles que não têm irmãos.

Criança frágil, caprichosa, tímida, invejosa, com dificuldades em adaptar-se aos colegas da escola ou noutro grupo fora do circuito casa. Rebelde. Adjetivos não faltam quando chega o momento de os descrever.

No conceito de filho único pode entrar também o menino que só tem irmãs, ou vice-versa, e o primogénito, que quando os irmãos mais novos nascem já tem idade para (quase) ser pai. A condição de ser-se o exclusivo do lar resulta muitas vezes de uma opção. Outras da impossibilidade de ser diferente.
 

As questões económicas (para dar ao único rebento as condições necessárias), afetivas (conscientes de que o tempo disponível além profissão é pouco para se desdobrarem em mais do que um) ou mesmo porque, após várias tentativas, os meses de gestação não voltaram a surgir. Geralmente, estes progenitores têm uma característica comum capaz de influenciar a personalidade da criança.
 

São possessivos e absorventes. Em estudos realizados nos Estados Unidos da América, cinquenta e três por cento dos pais são caracterizados desta forma. A criança, ao conviver basicamente com adultos que se tornam o seu único ponto de referência, acaba por utilizar vocabulário rico no conteúdo e na forma, acontecendo o mesmo com as ideias, os hábitos e diversões escolhidas para ocupar os tempos livres.
 

De carácter, à semelhança dos pais, bastante possessivo, é habitual ter um nível intelectual acima do normal para a sua idade. Tudo isto a diferencia das outras crianças da sua idade, levantando um dos primeiros problemas, o medo de não ser aceite. Por se sentir ímpar no ambiente familiar, pode ter dificuldades nas relações afetivas.

Falta um irmão

Na ausência de um irmão, elemento que apoia o desenvolvimento da criança como ser social, o filho único pode tender ao isolamento e a criar relações excessivas que revelam insegurança. Primeiro com os pais, mais tarde com amigos ou a namorada.

Mas, é ao longo da adolescência que surgem os maiores conflitos. Alguns continuam a relacionar-se com os pais num plano infantil, dependente e submisso. Outros, apelam à liberdade e independência excessivas criando, por vezes, ruturas com os próprios pais de quem se sentiam (em sentido figurado, claro) reféns.

Alguns filhos únicos aparentam também ser mais agressivos com os outros, instáveis, emotivos e ter mais dificuldades em
adaptar-se à disciplina escolar e à convivência em grupo.

Se há alguns anos era raro um casal ter apenas um filho, hoje, a realidade é bem diferente. 
 

A tomada de consciência de que o preço das escolas está pela hora da morte, os vencimentos no final do mês são um terço do desejável, a instabilidade dos relacionamentos, a longa e stressante vida profissional dita a lei da família. 
 

«Ser mãe sempre foi um sonho. Ter apenas um filho não fazia parte dos meus planos, uma vez que cresci num ambiente familiar cheio de crianças. Depois, quando casei e tive o meu primeiro e único filho começaram as despesas, a dificuldade em arranjar um colégio com horários compatíveis e uma série de outras mudanças que fizeram com que recuasse», conta, em jeito de desabafo, Sofia Oliveira, casada e mãe de um menino de seis anos.

Quanto à pergunta se já encontra no seu rebento comportamentos considerados típicos de um filho único, responde. «Tento dar-lhe a melhor educação e sinto que por vezes exagero. É difícil resistir aos seus pedidos e isso faz com que, mesmo sem querer, lhe dê tudo. Tornou-se mais mimado, teimoso e exigente do que os meus sobrinhos, por exemplo».

Preconceitos nem sempre certos

Em entrevista à revista Veja, a pedopsiquiatra Carla Fayer comenta que a decisão de ter apenas um filho é uma questão que gera polémica e dúvidas já que remete ao estereótipo da criança mimada, egocêntrica e autoritária. «É relativo. Há um pormenor que deve ficar claro. Se ela crescer com excesso de tudo, vai achar que o mundo gira em seu redor. O facto dessas crianças serem mimadas, está ligado à dificuldade dos pais imporem limites logo após o nascimento», diz a pedopsiquiatra.

O egocentrismo faz parte da personalidade, independentemente de se ter ou não irmãos. O problema está na dificuldade dos pais perceberem que os filhos, mais do que tudo, precisam de diálogo e regras. Têm de perceber que há limites e que nem tudo o que se quer, se pode ter. Às vezes, é preciso tempo e esforço mas esta ideia, depois de interiorizada, torna-os mais conscientes e preparados para o futuro.

«É necessário estimular ocasiões de relacionamento interpessoal, onde os mais novos possam partilhar, disputar, discutir, fazer as pazes com pais, crianças, irmãos, primos ou vizinhos. É assim que estes vão descobrir que precisam de se esforçar e abdicar de algumas coisas para viver em sociedade», afirma Carla Fayer.

O mais importante é que esse contacto exista, independentemente do grau de parentesco.

«O ato de brincar com alguém da mesma idade, é insubstituível», afirma a especialista.

«A criança tem que aprender a partilhar os brinquedos com os outros e, principalmente, os seus», refere ainda pedopsiquiatra.

Fim da monarquia

É aconselhável que os pais evitem tratar os filhos como se fossem reis e rainhas da casa, transformando os familiares meros súbditos à disposição. Conhecer a palavra «não» é preponderante durante a infância e, mais tarde, na adolescência e vida adulta. Nem sempre se pode ter aquilo que se quer, no momento em que se deseja.

Pode ser difícil no início, sobretudo quando os mais novos fazem o característico e irresistível beicinho mas, a médio prazo, pais e filhos perceberão a importância de respeitar regras e limites. O filho único não é necessariamente alguém egocêntrico ou problemático. Tudo depende do ambiente onde vai crescer. «O comportamento dos pais, ao educar um filho, é importantíssimo», diz Carla Fayer.

«Com o ambiente escolar e familiar a funcionar em sintonia é muito mais fácil afastar a possibilidade da criança se tornar egoísta e mimada», refere ainda. Mais, se for educado com afeto e limites, o filho único não só terá uma personalidade distinta dos adjetivos que normalmente o senso comum lhe atribui, como será mais seguro de si, exigente na proporção certa, sem necessidade de disputar a aprovação e atenção de terceiros.

Os últimos estudos norte-americanos explicam que as transformações ao longo da história, na forma como as famílias se relacionam, determinam um comportamento mais individualista e competitivo. Muito mais, diga-se, que o facto de a criança ser filha única.

Prós e contras

Estudos mostram que os filhos únicos são mais desenvolvidos em áreas como por exemplo a intelectual, porque convivem mais com adultos e isso permite-lhes assimilar melhor os estímulos. O facto de ter apenas um descendente a quem prestar os devidos cuidados faz com que não se preste atenção a todos os sinais e, caso este necessite apoio, a sua disponibilidade será maior. Quando procuram estabelecer ligações afetivas, os filhos únicos escolhem as mais estáveis, à semelhança dos seus progenitores.

No leque de desvantagens encontram-se a perda da noção de partilha, a pressão para que se destaquem em todas as áreas, o isolamento, a dificuldade em relacionarem-se com o exterior, a proteção exagerada, a insegurança, os sentimentos egocêntricos e a disputa de atenção.

Comportamentos excessivos de competição, vontade em exercer a liderança e exigência pessoal desmesurada são outros aspetos que ocupam os lugares cimeiros nos inconvenientes de ser-se filho único.

Após a exposição das vantagens e desvantagens em ser membro do clube dos descendentes impares, tornou-se essencial a opinião de alguém que vive nesta condição. O Gonçalo tem seis anos e, depois de confrontado com algumas questões, mostrou-se... confuso! «Gostava de ter uma irmã para lhe ensinar a jogar Playstation», desabafou. «Os meus amigos não podem brincar todos os dias», justificou.

Essa está, contudo, longe de ser a única razão. «Há meninos maus que batem. Eu não deixava e ensinava-lhe truques para se defender», sublinha o petiz. Pouco recetivo à pergunta da divisão das atenções e afetos, mostrou-se até algo incomodado. «Eu sou grande e posso fazer festinhas. Os pais não iam gostar mais dela porque eu porto-me bem e já sei escrever o meu nome», termina. Pois...

Na pele dos únicos

Conheça as principais dificuldades sentidas pelos mais novos:

1. Estabelecer relações com pessoas fora do ambiente familiar.

2. Partilhar brinquedos, afetos e atenção.

3. Obedecer às regras estabelecidas pela sociedade.

4. Enfrentar situações novas.

5. Sentir-se seguro quando está em grupo.


Como deve agir com o seu filho único

- Estabeleça limites
Imponha regras para que a criança saiba até onde pode e deve ir. A liberdade total de ação é prejudicial.

- Incentive-o à partilha
Ensine-lhe a importância do dar. Esse gesto, ajuda-os a perceber que existem outras pessoas no mundo para além deles. Ao mesmo tempo, dar estimula o receber.


- Crie um filtro

Ainda que seja uma mãe galinha, não demonstre demasiados medos e angústias, pois criam inseguranças desnecessárias.

- Deixe-o respirar
Dê-lhe a liberdade necessária para que possa errar e aprender. Mostre que confia nele.

- Aposte nas brincadeiras
Estimule as diversões próprias da sua idade e com crianças da mesma faixa etária.

- Amigos em casa
Autorize-o a convidar os amigos da escola a passar fins de semana na sua casa e vice-versa.

- Trabalhos entre amigos
Apoie o estudo coletivo. Seja onde for, mas preferencialmente em sua casa ou em casa dos pais de um dos amigos em quem tenha maior confiança, fazer os trabalhos de casa na companhia dos colegas também é uma forma de socializar.

Texto: Filomena Nascimento