A saúde dos mais pequenos é uma preocupação crescente dos pais. Em Portugal, são cada vez mais as empresas que oferecem um serviço de criopreservação de células estaminais do sangue do cordão umbilical (SCU), o seu armazenamento em azoto líquido a uma temperatura de 196º C negativos, para que toda a atividade biológica das células cesse, mantendo-as num estado latente. 

Mas estas não são umas células quaisquer. As células estaminais hematopoiéticas, uma espécie de supercélulas indiferenciadas, têm a capacidade de se diferenciar em vários tipos celulares, de se renovar e dividir indefinidamente. É devido a estas excecionais características que são tão importantes na terapia de várias doenças hemato-oncológicas, como leucemias e linfomas, entre outras.

Por outro lado, demonstram igualmente capacidade na regeneração dos tecidos, o que, no futuro, poderá aumentar a sua aplicabilidade noutro tipo de doenças, como as doenças ósseas e cardíacas. Atualmente, o período de armazenamento é de 20 anos, havendo a possibilidade de prolongar este período se a qualidade da amostra assim o permitir.

Da colheita ao armazenamento

O processo de colheita ocorre no momento do parto (com um kit específico que terá de ser previamente comprado) imediatamente após o corte do cordão umbilical. Isto significa que nem a mãe nem o bebé serão postos em perigo e nenhum dos dois sentirá qualquer tipo de dor.

O responsável pela colheita é um elemento da equipa médica presente no parto. A partir daqui, a empresa (banco privado) escolhida pelos pais deverá ser alertada para efetuar a recolha, o transporte em tempo útil até ao laboratório e, posteriormente, proceder à criopreservação da amostra de SCU.

Mário Sousa, médico geneticista e membro da equipa de um banco privado de SCU com ligações à Universidade do Porto, onde é professor, alerta, no entanto, para o facto de «apenas uma em cada dez colheitas de SCU possuírem qualidade suficiente para serem criopreservadas». «Aqui, nós seguimos as normas da Netcord/Fact, o que significa que só avançamos para a criopreservação do sangue se este estiver isento de contaminações», faz questão de sublinhar.

Outras esperanças

Estas células não se encontram, contudo, apenas no SCU, existindo igualmente na medula óssea. No caso de um indivíduo necessitar delas para a terapia de uma leucemia, por exemplo, é possível recorrer ao banco mundial de medula óssea. Manuel Abecasis, diretor da Unidade de Transplantação de Medula Óssea do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, refere que o banco conta com cerca de 12 milhões de dadores voluntários.

Em Portugal são já mais de 100 mil. A criopreservação de SCU é vendida aos pais que o queiram fazer para usar no caso de o seu filho vir a apresentar uma doença em que o transplante de medula óssea possa ser curativo.

 

«Mas a probabilidade de tal acontecer é extremamente remota e é importante não esquecer que nas leucemias agudas das crianças muitas vezes já o sangue de cordão umbilical contém células leucémicas», esclarece Manuel Abecasis.

Salvar vidas

Contudo, o SCU de uma criança poderá ajudar a salvar a vida de um familiar, como um irmão. As células estaminais hematopoiéticas do SCU têm vantagens em relação às da medula óssea dos adultos. São mais jovens, mais resistentes, têm maior capacidade de regeneração, de multiplicação (dez vezes superior às da medula óssea), apresentam índices mais elevados de compatibilidade entre dador e recetor e uma menor incidência de rejeição do transplante, quando usadas no repovoamento de medula óssea de doentes após quimioterapia e/ou radioterapia.

Bancos privados versus Bancos públicos

Portugal e o Reino Unido são os únicos Estados-membros da união Europeia onde existem bancos privados de sangue do cordão umbilical (SCU). No caso do Reino Unido, os que existem submetem-se a uma certificação periódica efetuada pela Netcord (entidade internacional de certificação de bancos públicos de SCU).

«Em Portugal, não há regulamentação», avança Mário Sousa, um dos mais conhecidos defensores da criação de um banco público de SCU no nosso país, «e uma das consequências é que a informação que estas empresas divulgam nem sempre é verdadeira e não é controlada».

Sobre o assunto, Manuel Abecasis, do IPO de Lisboa, é perentório: «Vivemos numa sociedade livre, com uma economia de mercado, e as pessoas são livres de dar ao seu dinheiro o destino que quiserem. Se informadas corretamente (sem publicidade enganosa) sobre o real valor de congelar o SCU do seu filho, porque não?», questiona. A criopreservação das células estaminais custa, no mínimo, mil euros. O período de armazenamento é de, pelo menos, 20 anos.

Texto: Alexandra Pereira com Mário Sousa (geneticista) e Manuel Abecasis (especialista em hematologia clínica).