Nas raízes, nas memórias de infância, nas viagens, no olhar sobre os outros, na procura e na descoberta da poesia, aos 30 anos, a fadista recria laços com a música, constrói o seu canto, para depois o partilhar e sentir-se completa, «no palco, quando as guitarras começam a tocar», como faz questão de assumir. Maria do Carmo Carvalho Rebelo de Andrade, conhecida dos portugueses como Carminho, nasceu em Lisboa a 20 de agosto de 1984. Da mãe, a fadista Teresa Siqueira, herdou a paixão pelo fado, O seu irmão, Francisco Andrade, também cantor, destacou-se no programa de televisão «Operação Triunfo». Em 2011, em dueto com Pablo Alborán, «Perdonáme» levou-a até ao topo dos tops em Espanha.

Na sua página do Facebook há uma fotografia de natal da sua família musical. É composta por homens.  Como é trabalhar numa equipa  em que é a única figura feminina?

É interessante, é uma dinâmica diferente, mas sinto-me bem porque é muito fácil trabalhar com homens. São simples. Descomplicados. Por vezes, até me sinto mais protegida. E não falo tanto… [risos] Eles falam menos do que nós e eu preciso de descansar a voz.

Como é o vosso processo criativo?

É um processo de busca. Ouvir muita música, procurar muitos poetas, interagir também com os poetas contemporâneos (o que nos permite, quer a mim enquanto intérprete quer ao poeta, chegarmos a um resultado que se encaixa mais na minha pessoa, o que é muito gratificante), assim como encontrar poesia em livros e conseguir indicá-la a músicos que a trabalham ou integrá-la em fados tradicionais. É um processo de criatividade ao qual se junta agora o facto de eu também escrever e compor música.

É um processo variado, demorado e delicado. No final, depois do reportório estar reunido, contamos com a ajuda do João Pedro Ruela e da minha editora. O momento de estúdio é muito mágico, embora nem sempre seja fácil. Quando sentimos que não acontece nada, sabemos que mais vale irmos para casa e voltar no dia seguinte para que a gravação seja então, de facto, intensa, mágica.

«Canto» é o seu novo álbum. Fale-nos dele...

É um disco muito mais próximo daquilo que eu sou. Vivi no Algarve muitos anos e fiz muitas viagens com os meus pais, em que percorríamos o país de carro e ouvíamos vários estilos tradicionais que ficaram enraizados em mim. Tenho uma referência, o fado, mas depois há estas raízes que quis traduzir em música. O disco é resultado também de viagens em que conheci muitas pessoas de culturas diferentes, personalidades da música com uma particularidade em comum. Preservam a sua identidade e não abdicam dela. Isso faz-me ter ainda mais certezas deste meu caminho para preservar  a cultura portuguesa, o fado e esta identidade que é tão minha mas também do meu país.

Porquê «Canto»?

A linguagem deste disco é portuguesa e os convidados são pessoas com quem criei empatia, trouxe-as ao meu canto, à minha linguagem. «Canto» pelo facto do meu canto ser unificador e «canto» sinónimo de lugar, um lugar que é meu e que sinto como muito presente na minha vida. Não a consigo dissociar da vocação de interpretar o fado. Eu completo-me, enquanto pessoa, enquanto profissional, no palco, quando as guitarras começam a tocar.

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O que tem em comum esta nova geração de talentos do fado da qual a Carminho faz parte? E o que a distingue?

Não acredito no conceito do meu fado, porque fado é fado. A geração fadista atual está a voltar a acreditar e a defender a cultura riquíssima de Portugal. Está a representá-lo e a defendê-lo  muito bem. Mas o fado é maior que todos nós. É maior que os fadistas! Os portugueses estão cada vez mais apaixonados (ou estão a voltar a apaixonar-se) por esta cultura, pelas tradições, pelos ofícios, pelos trajes tradicionais, pelos ícones que nos tornam diferentes, únicos. Somos mais felizes quando nos sentimos bem na nossa pele, quando nos conhecemos a nós próprios e quando nos sentimos confiantes. E sentirmo-nos bem na nossa pele também passa,  sem dúvida, pela cultura.

O que dizem as pessoas que a ouvem?

Coisas maravilhosas… E sinto-me tão honrada, porque é um privilégio termos público. É o maior património que podemos ter, talvez até maior do que a obra, que só faz sentido quando há um recetor. As pessoas dizem-me que se sentem emocionadas, algumas contam que passaram a gostar de fado porque me ouviram, o que me deixa muito orgulhosa. Significa que estou a chegar a quem que não teria um encontro natural com o fado e que, depois de mim, poderá descobrir muitos outros intérpretes.

Já descobriu porque o fado emociona até quem não fala a nossa língua?

É quase um mistério, mas penso que será pelo facto do fado ter uma energia associada a cada palavra que nunca se repete. Envolve sempre uma interpretação que dá às palavras uma força e energia diferentes. Por exemplo, não posso dizer a palavra Deus com a mesma energia com que digo a palavra casa ou pedra. Tenho de o dizer com a energia que tem e isso faz com que o fado se torne tão forte. Há ali emoção que passa através da língua, da música. E depois há a sonoridade que é tão especial.  A guitarra portuguesa é única. Só de ouvir os meus músicos tocá-la, inspiro-me.

A música ajuda-a a relacionar-se com as suas próprias emoções?

Preciso de cantar para viver. Para me sentir bem, para me libertar, para estar tranquila. E é uma energia que preciso de dar às pessoas. Muitas vezes, é também a cantar que consigo entender o que se está a passar comigo. Os fados contam histórias e experiências e acontece-me surpreender- me com conclusões que nos dão.

Viajou pelo mundo, durante um ano, participando em várias missões humanitárias, para saber o que faziam os mais pobres para serem felizes. O que descobriu?

Que tenho muito a aprender. Que somos muito diferentes uns dos outros e que há que aceitar a diferença. Que nos conseguimos adaptar a todas as condições. Que temos de olhar sempre para o lado positivo da vida. Que um gesto de delicadeza para com o próximo, quer seja conhecido ou não, nunca é em vão e traz-nos sempre algo melhor. Que as pessoas que não têm nada juntam-se mais em comunidade e partilham mais. E a partilha e o encontro fazem-nos sempre crescer.

Dessa aventura, que lição destaca?

Que é preciso estarmos atentos aos sinais, aos outros, para conseguirmos tirar o máximo de proveito da vida, porque às vezes ela acontece em segundos, num olhar, numa despedida. Quanto mais atentos estivermos a cada segundo, mais proveito vamos tirar da vida. Mas é uma lição que não sei se já aprendi… [risos] Porque envolve uma aprendizagem diária.  Perceber o que é supérfluo também nos ajuda a ser felizes, porque não precisamos de estar tão preocupados com o que não temos e isso é maravilhoso.

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5 coisas que (ainda) não sabe sobre Carminho

1. Para cuidar da voz, bebe muita água, fala pouco e dorme bem.

2. Não abdica de um bom pequeno-almoço com muita fruta.

3. Traz na carteira caixinhas com sementes para comer como snack.

4. Não come alimentos ricos em trigo e açúcar.

5. Quando pode, corre e anda de bicicleta. Gostava de ter aulas de dança contemporânea.

Texto: Catarina Caldeira Baguinho