Entendendo que paisagem é, por excelência, o
ponto de encontro entre o património material
e imaterial, a humanidade e a natureza, a pessoa
e o meio, é fundamental colocar o indivíduo
e os seus valores no alargado conceito de paisagem,
como modo de assegurar o direito e o
dever de participar na sua valorização e gestão,
dela tomando parte livremente, na amplitude
que o termo encerra. Daqui surge a importância de aprofundar
a participação dos indivíduos na transformação
da paisagem.

Se o termo paisagem tem
obrigatoriamente uma relação intrínseca com
as populações locais, então por que motivo não
existe um claro envolvimento do indivíduo na
transformação da sua paisagem, na criação de
um imaginário coletivo? Os obstáculos ao processo de participação
são facilmente explicados por uma conjuntura
que a montante encontra um poder político
que não fomenta o próprio processo e a
jusante, três situações de envolvimento cívico
mais frequentes.

O cidadão que não intervém,
por desconhecimento do processo sem se
perguntar de que forma poderia ter contribuído para a melhoria do bem comum, o cidadão que
intervém para salvaguardar os seus interesses
pessoais pondo em causa os objetivos do
coletivo e o cidadão que intervém, de forma
ativa e consciente, mas que vê nesses momentos
realmente democráticos uma comunicação
de decisões consumadas, sendo chamado a
intervir, mas restando-lhe apenas aceitar tais
decisões.

Cultura interventiva

De facto, o contributo público na tomada de
decisões é muitas vezes relegado pela falta de
conhecimento técnico. Ora este argumento não
pode ser utilizado nas questões relacionadas
com a paisagem, que por definição (aceite e
ratificada por vários países europeus, incluindo
Portugal, através da Convenção Europeia
da Paisagem) compreende a perceção que a
população tem do seu território. A perceção
comum, não sendo necessariamente técnica,
constitui um conhecimento empírico fruto das
experiências e modos de habitar individuais e
coletivos, que devem constituir o fundamento
de toda e qualquer base para a evolução na paisagem.

Caberá, portanto, primeiro ao
estado fomentar uma cultura interventiva,
impulsionando a participação da comunidade
no sentido da decisão das questões que
envolvem o bem comum, dando-lhe crédito e
consequência. reciprocamente, o cidadão deve
envolver-se mais ativamente na construção e transformação da sua paisagem, assumindo as
suas responsabilidades e decisões perante si
próprio e restante comunidade.

Torna-se assim
necessário a clarificação das questões relacionadas
com a paisagem e aproximar a sociedade
a este termo, contribuindo para tal e incondicionalmente,
todos aqueles que trabalham
neste âmbito, e que de forma mais consciente
a constroem, sempre na expectativa de um
feedback responsável e construtivo na sua salvaguarda
e gestão, por parte da sociedade civil.
Enquanto nação, Portugal tem de garantir a
sua soberania, não só ao nível económico, mas
como modelo de sociedade livre e participativa,
apesar da conjuntura socioeconómica atual.

Veja na página seguinte: Obstáculos e barreiras que ainda estão por transpor

Envolvimento voluntário

O nosso papel tem de ir além do mero consentimento
institucional, formalizado pela assinatura
e ratificação de convenções, resoluções,
tratados ou acordos, passando sobretudo pela
adoção plena e integral desses mesmos documentos.

A Convenção Europeia da Paisagem, documento fundamental neste processo organizativo, é
caso flagrante desta situação, não tendo ainda,
após 12 anos, sido operacionalizada na normativa
portuguesa, como seria expectável, apesar dos muitos dos esforços
empreendidos nesse sentido.

Pela extensão do
conceito de paisagem não é suficiente restringi-la ao reconhecimento jurídico, mas trata-se
de reconhecer que produz efeitos sobre as pessoas e como tal tem necessariamente uma
dimensão transversal, que implica uma participação
pessoal e coletiva, no exercício do direito
sobre a paisagem.

A construção de paisagem
não poderá portanto continuar a ser uma preocupação
exclusiva das elites, estudiosos ou
profissionais (estes podem estar na origem do
debate, mas não são necessariamente a força
motriz que molda o território e transforma a
paisagem). Tem de obrigatoriamente constituir
um desígnio da nação, pela vinculação às
mais-valias económicas, sociais e culturais que
lhe estão associadas. Somos uma nação de 10
milhões, que apesar de muitos movimentos de
libertação ao longo da história ainda não conseguiu
alcançar a verdadeira liberdade e autonomia
social onde todos nos responsabilizamos
pelas decisões tomadas, pondo em causa o
legado dos nossos antepassados, que construíram,
a pulso, um dos países com maior diversidade
e valor de paisagem.

Uma sociedade mais
conhecedora dos valores e debilidades do seu
território será necessariamente uma sociedade
mais interventiva, condição sine qua non para
a valorização e respeito pelo património, de ordem
natural ou cultural. Por isso, é fundamental
uma sociedade que, democraticamente e com
sentido de missão, encontre consensos e um
rumo sobre a forma como se pretende usufruir
e salvaguardar as nossas paisagens, para as
gerações futuras.

Por outro lado, a sensibilização
em paisagem não pode ser concebida
como um processo unívoco de transmissão
de conhecimento, mas sim como um processo
aberto e interativo que proporciona elementos
de reflexão válidos que ajudam a compreender
a globalidade da paisagem. Apenas com o
envolvimento voluntário e coresponsabilização
de todos na tomada de decisões é possível reivindicar
sobre a qualidade da paisagem.

Texto: Gonçalo Santos Mártires (arquiteto paisagista) e Ana Silva (arquiteta paisagista)