Dizem que não existe uma chave
para o amor. Talvez por essa razão,
muitos casais que, aparentemente,
tinham tudo para dar certo não
resultam, enquanto outros que nada
tinham em comum vivem largos anos
de felicidade.

São os menos prováveis,
aqueles em quem ninguém aposta mais
do que algumas semanas. Mas a vida é
feita de surpresas.

A saber viver
procurou três casais improváveis, que
estão felizes há mais de dez anos. Com
a ajuda de Vitor Cotovio, psiquiatra e
psicoterapeuta,
identificámos os pontos
fortes das suas relações. A diferença de
idades, de religião ou da cidade onde
vivem não os afastou. Pelo contrário,
uniu-os ainda mais.

Apaixonada pelo professor

Para Isabel Ramos (nome fictício, a pedido da entrevistada) o verdadeiro amor surgiu da forma mais inesperada, no último ano da faculdade. Namorava há sete anos com um antigo colega do liceu. Planeava casar, ter filhos e satisfazer os desejos de ambas as famílias que os consideravam «o casal perfeito», mas o destino trocou-lhe as voltas.

Boa aluna, conquistou a atenção de um professor mais velho, responsável por duas cadeiras de literatura. No último dia de aulas, após vários meses de trocas de olhares, decidiu falar com ele. «Em pouco tempo descobrimos que éramos vizinhos e começámos a dar passeios juntos, depois do jantar. Ele recitava-me poemas do Ruy Bello e dizia que eu era uma das ninfas do quadro O Nascimento de Vénus de Botticelli. Ainda hoje, quando penso nisso, toda esta história parece um sonho», conta.

Dez anos passados, Isabel Ramos e o atual companheiro continuam juntos, contra todos os que criticaram a relação. «O mais complicado foi mesmo o início. Quando se aperceberam de que o professor gostava de mim e eu dele, embora só trocássemos olhares e corássemos, começaram a dizer que ele me favorecia nas notas. Esta fase foi difícil, sobretudo porque me dececionei com pessoas que julgava que conheciam o meu esforço. A verdade é que sempre tinha sido uma das melhores alunas do curso, tive 20 a Latim elementar, por exemplo, e a professora não se apaixonou por mim».

Para além da desconfortável posição professor/aluna, Isabel Ramos e o companheiro conheceram outros obstáculos à sua relação. Fernando era divorciado, pai de dois filhos pequenos, tinha mais 22 anos do que ela e uma ex-mulher que fazia questão de continuar a marcar presença. «Eu adoro crianças e a minha relação com a filha do Fernando, que nessa altura tinha cinco anos e que agora tem 16, era ótima, até ao dia em que a mãe dela descobriu», revela.

«Quando tal sucedeu, fez tudo para estragar a nossa amizade. Ainda hoje, apesar de sermos amigas, há um certo desconforto entre nós por causa disso», sublinha. Ao longo dos anos, os episódios foram-se sucedendo. Ainda assim, não parecem ter sido suficientes para desgastar uma relação que, segundo Isabel Ramos, tem como pontos fortes a cumplicidade e a confiança mútua.

«No caso de casais com uma diferença de idades significativa, o fator que vai ditar a continuidade da relação é a autonomia de cada um. Para tal, é importante saber se a pessoa gosta do outro por aquilo que ele é, ou por aquilo que ele representa. Em alguns casos, entra-se num jogo de idealização, que não pode ser a base de nenhum tipo de relacionamento», explica o psiquiatra e psicoterapeuta Vítor Cotovio.

«É claro que é muito mais fácil gostarmos de alguém que temos como modelo, mas é fundamental que a pessoa mantenha a sua autoestima e autoconfiança elevadas. A relação até pode começar por aí (por uma aluna que admira um professor e toda a sua experiência e conhecimento), mas depois é importante que cada um continue a gostar de si próprio individualmente», conclui o especialista.

Veja na página seguinte: Um casal com duas religiões

Um casal com duas religiões

Um dos mitos associados ao amor é o da partilha de ideais, sobretudo se falarmos de crenças religiosas fortemente instituídas.

Historicamente, muitas já foram as mulheres que se converteram por desejarem casar com membros de outras religiões como a muçulmana, judaica ou hindu.

Outros casais provam, no entanto, que é possível ter crenças distintas e uma vivência em comum, partilhada com filhos. É o caso de Marco Oliveira e Clementina Rodrigues.

Ele tem 47 e ela 45 anos. Casados há dez anos, conheceram-se e apaixonaram-se na empresa onde trabalhavam. Com interesses culturais, idades e profissões idênticas, havia apenas um pormenor que parecia distanciar o jovem casal apaixonado. Marco Oliveira é responsável do gabinete de relações públicas da Fé Bahá'í e membro da assembleia nacional da mais jovem religião do mundo. Defendendo um princípio de igualdade entre homens e mulheres, os bahá'í promovem o abandono de todas as formas de preconceito, a união entre as religiões e a eliminação dos extremos de pobreza e riqueza.

Ainda assim, e apesar de Clementina ser católica praticante, Marco nunca considerou estas diferenças como um obstáculo. «A nossa relação desenvolveu-se em torno de um projeto de vida em comum. As convicções religiosas eram apenas uma característica de cada um de nós», sublinha.

Por outro lado, se o mundo do catolicismo não era estranho para Marco, que tinha nascido numa
família cristã, para a sua mulher houve
o fator novidade. «Ela sempre viu
os princípios e ensinamentos
bahá'ís com respeito e
admiração, mas preferiu
manter a
sua fé religiosa.
E eu respeitei
isso», conta.

O dia da cerimónia de
casamento foi especial para
ambos por diversos motivos. Marco
Oliveira
relembra cada pormenor. «Tivemos
duas cerimónias, uma católica
e outra bahá'í. Começámos pela cerimónia
católica, com o ritual tradicional, onde
a única exceção foi o facto de eu não
ter jurado fidelidade à Igreja. Depois
tivemos o casamento bahá'í, que não
tem propriamente um ritual. É uma
cerimónia simples em que os noivos
apenas têm de pronunciar uma frase na
presença de testemunhas», relata. Atualmente, é
esse o espírito de união que tentam passar
aos filhos, num dia a dia onde ambas as
religiões convivem.

«O respeito, a tolerância e a reciprocidade
são fatores fundamentais numa relação,
sobretudo quando se trata de duas pessoas
comprometidas com religiões distintas.
Sublinho, no entanto, que o respeito
tem de ir para além da curiosidade pela
diferença e pelo exotismo, até porque
isso um dia acaba e dita o fim da relação», explica o psiquiatra e psicoterapeuta Vítor Cotovio.

«Num casal como este há, nitidamente,
uma enorme tolerância por aquilo em
que o outro acredita. Eles são diferentes
em termos dos caminhos de fé que
percorrem, mas partilham o mesmo
amor, e acredito que esse seja o valor
essencial que estão a passar aos filhos», acrescenta.

Veja na página seguinte: O drama de viver em cidades diferentes

Viver em cidades diferentes

Cento e cinquenta são os quilómetros
que separam as cidades de Covilhã e
Coimbra, numa viagem de carro que se
percorre em cerca de duas horas.

E são
também os principais obstáculos que
Cristina Santos e Francisco Borges têm
vindo a superar ao longo de 15 anos.

Naturais da Covilhã,
começaram a namorar pouco tempo antes
de entrarem no ensino superior.
Nesse
momento, o destino esteve a favor de
ambos, colocando-os a estudar na mesma
cidade.

Mas a atual lógica do mercado
de trabalho foi mais dura e ditou-lhes
uma separação física. Enquanto Cristina
continuou a trabalhar em Coimbra,
como técnica de laboratório, Francisco
regressou à terra natal para lecionar.
Contas feitas, há quase dez anos que o
casal vive em cidades diferentes.

Na opinião de Cristina Santos, para
além do amor e respeito que os unem, o
segredo para superar a distância que os
separa é uma enorme confiança mútua.
Existem, no entanto, momentos mais
críticos. «Com o tempo
vamo-nos
habituando, mas há épocas do ano mais
difíceis de ultrapassar, principalmente
após as férias. O inverno é também mais
complicado. Os dias são mais curtos e
normalmente sinto-me mais triste nesta
altura», relata.

Para combater as saudades,
Cristina
e Francisco vão investindo
naquilo a que se convencionou chamar
«tempo de qualidade». «No dia a dia, a
utilização do telemóvel é o que me vale!
Aproveitamos também as escapadinhas
românticas e as viagens mais longas para
viver com mais intensidade os momentos
em que estamos juntos», relata. De resto, acreditam
na oportunidade de voltarem a
viver juntos. Um dia, que esperam que
não tarde em chegar.

«Nestes casos, a saudade dita o quanto
se ama alguém. Quando duas pessoas
estão juntas apenas por estar, a distância
acaba com o pouco que as une. No caso
de duas pessoas que se amam verdadeiramente,
a saudade aumenta a necessidade
de estar com o outro e eleva as
expectativas em relação aos momentos
em que estão juntos», descodifica o psiquiatra e psicoterapeuta Vítor Cotovio.

«Por outro lado,
também aguça a criatividade
e a capacidade
de descobrir novas formas de
comunicação e de estar presente
sem
estar fisicamente próximo. Esta é uma
situação cada vez mais comum
nos
nossos dias, sobretudo por questões
profissionais. É particularmente complicada
no caso de casais com filhos, mas é
também uma grande prova de amor», pormenoriza por fim.

Conselho de especialista

Não se deixar influenciar pela
opinião de terceiros é meio
caminho andando para
atigir a felicidade.

Texto: Ana Catarina Pereira com Vítor Cotovio (psiquiatra e psicoterapeuta)