Eduardo Pires Coelho que trabalha em mercados financeiros desde 1997, vencedor do prémio literário Esfera das Letras (com o livro “O Segredo da Flor do Mar”), conversou com o SAPO Lifestyle a propósito do seu novo título, “Taprobana” (Oficina do Livro), inspirado no território que Luís de Camões evocou no Canto I de “Os Lusíadas”.

A história que Eduardo Pires Coelho entretece viaja a narrativas em dois tempos, o presente e os séculos XVI e XVII. Oportunidade para revisitar território onde Portugal permaneceu mais de 150 anos, palco de conquistas, mas também de surpresas na perspetiva do autor: a do “sonho de fazer daquela ilha, um novo Portugal, uma nova Goa, num local exótico, que quase parecia o paraíso na terra”.

Território asiático onde, atualmente, encontramos apelidos com origem portuguesa: Mendis, Pinto, Costa, Dias e Fonseka e palavras cingalesas com matriz na nossa língua. Três exemplos são janela, sapato e camisa.

Escrita, história e viagens (Eduardo Pires Coelho visitou 56 países) são a paixão do homem para quem “é sempre uma emoção ouvir o nome de Cristiano Ronaldo quando digo que sou português”.

Sobre a nossa presença passada no mundo, Eduardo Pires Coelho descreve-a através da frase do historiador indiano Sanjay Subrahmanyam: “O Império Português é dos maiores enigmas da História”.

O Eduardo Pires Coelho escolhe como título para o seu novo livro o termo Taprobana quando poderia ter optado por Ceilão. Taprobana evoca-nos, por exemplo, “Os Lusíadas”, de Camões. A escolha de Taprobana para título do livro é uma chamada de atenção para mantermos a nossa memória histórica?

Em parte, sim. Taprobana é uma palavra quase mítica, que Camões usou na primeira estrofe de “Os Lusíadas”, e que, de alguma forma, transmite a ideia de empreendedorismo. Trata-se do nome antigo do Sri Lanka, um país-ilha a sul da Índia, onde os portugueses permaneceram por mais de 150 anos. No livro, Taprobana tem também um segundo significado, igualmente ligado ao empreendedorismo.

Em que contexto nasce o mote para este seu livro?

A ideia nasceu quando estava a escrever o meu primeiro romance, centrado em Malaca, um importante entreposto, na actual Malásia. Muitos documentos que li faziam referência ao Ceilão: descreviam o comércio de canela e o desvio sistemático de tropas de Goa que eram inicialmente destinadas a Malaca e a outros postos. Fiquei curioso e comecei a investigar o que tinha acontecido no Ceilão, quando os portugueses lá estiveram.

“Taprobana” é um livro centrado no Sri Lanka e a história desenrola-se em dois tempos diferentes. No presente, começa com o homicídio de um médico-cientista do Sri Lanka que trabalha em Portugal, num momento em que vários dos seus pacientes terminais melhoram subitamente. No passado, a história decorre no final do século XVI e princípio do século XVII; retrata a vida de uma mulher, descendente de portugueses no Ceilão, numa época em que os vários reinos da ilha se digladiavam entre si e os portugueses tentavam conquistar o território por inteiro. As duas histórias estão interligadas e o leitor vai descobrindo a relação entre elas à medida que avança no romance.

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Em 2008, o Eduardo Pires Coelho foi considerado o melhor analista de ações português. Em 2011, ganhou o prémio literário Esfera das Letras. Entre um e outro prémio, independentemente da honra de os receber, qual aquele que melhor define a sua essência?

Os dois foram muito importantes para mim, e curiosamente têm algo em comum. Os mercados financeiros são globais, tal como a História de Portugal. E ambos tiveram por base um grande esforço de investigação, tanto para saber se uma ação está cara ou barata, como para recriar a realidade dos séculos XVI e XVII. Tenho um gosto particular pelos mercados financeiros, especialmente a parte de ações, mas a escrita, a História e as viagens são as minhas paixões.

A pesquisa história exige tempo e persistência, mas o mais difícil é entrelaçar todos os factos reais com a história do livro

Taprobana” segue-se a “O Segredo da Flor do Mar”, título onde também faz viagem à História de Portugal. Fá-lo como thriller histórico, um género cativante. É exigente escrever uma obra de ficção histórica em estrito rigor com os factos?

A pesquisa história exige tempo e persistência, mas o mais difícil é entrelaçar todos os factos reais com a história do livro. Faço questão de manter o máximo rigor histórico, quer em termos de datas, eventos, personagens históricas e até a toponímia das cidades ou fortalezas. Conto a história como se ela pudesse ter realmente acontecido. Tento que a leitura seja uma viagem no tempo e no espaço, permitindo ao leitor aprender e descobrir algo de novo, de um modo natural.

Ao fazer a investigação para este seu livro algo o surpreendeu particularmente?

A história portuguesa no Ceilão surpreendeu-me em muitas vertentes, mas talvez a que mais me fascinou, foi a do sonho que perdurou durante tantas gerações em fazer daquela ilha, um novo Portugal, uma nova Goa, num local exótico, que quase parecia o paraíso na terra.

Também não estava à espera de uma diversidade e complexidade tão grande – quando os portugueses lá chegaram, a ilha estava dividida em vários reinos, sendo que o principal estava em profundo declínio. Poucos anos depois, a ilha entrava numa terrível guerra civil, em que os portugueses acabaram por tomar partido.

Quando os portugueses lá chegaram, a ilha estava dividida em vários reinos, sendo que o principal estava em profundo declínio. Poucos anos depois, a ilha entrava numa terrível guerra civil, em que os portugueses acabaram por tomar partido.

Numa entrevista anterior referiu que “o Ceilão foi um caso atípico no Império Português no Oriente”. Porquê essa especificidade?

O Império Português no Oriente foi sobretudo um conjunto de portos estratégicos ligados por rotas marítimas, com o intuito de obter ou comercializar especiarias e outros produtos - Goa, Malaca, Ormuz e Nagasáqui são alguns exemplos.

A nossa presença no Sri Lanka foi mudando ao longo dos tempos, e teve essencialmente três fases. Inicialmente, a ilha foi vista como mais uma fonte de especiarias, principalmente canela. Depois, começámos a envolver-nos militarmente nos conflitos entre os vários reinos, em que, na prática, parte da ilha passou a ser um Protectorado. Finalmente, ambicionámos a conquista de toda a ilha, o que significaria o maior território do Estado da Índia. Na última década do século XVI, conjugaram-se vários fatores que deixaram os portugueses à beira desse sonho. É essa época que serve como pano de fundo do livro, e que o leitor pode conhecer através da personagem principal do passado.

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A presença portuguesa naquele território é uma narrativa violenta?

O esforço militar e de conquista foi bastante mais persistente do que em outros pontos do Oriente, na senda de um sonho em possuir um Ceilão Português, e quiçá transformá-lo na capital do Estado da Índia. Durou muitas décadas e travaram-se inúmeras batalhas nas montanhas, aonde os portugueses não estavam habituados a combater. O choque religioso foi igualmente notório, especialmente a partir do momento em que a Inquisição chegou a Goa, exacerbando ainda mais a violência.

A própria ilha tem também um passado de violência, ainda antes da chegada dos portugueses, e que tem perdurado até aos dias de hoje. A religião sempre foi um ponto crucial: a guerra civil, de 26 anos, entre cingaleses (maioritariamente budistas) e tâmiles (maioritariamente hindus) é um exemplo disso, tal como o atentado muçulmano a alvos católicos na Páscoa de 2019.

No presente, encontramos marcas portuguesas no Sri Lanka, nomeadamente na língua, cozinha, religião. Pode dar-nos alguns exemplos?

A religião é a mais imediata, dado que mais de um milhão de pessoas é católica. Pessoalmente, achei muito divertido constatar tantos apelidos com origem portuguesa, como por exemplo Mendis, Pinto, Gomis, Silva, Costa, Perera, Dias, e claro, Fonseka, um dos personagens principais da história do livro no presente.

Existem também centenas de palavras cingalesas com origem portuguesa, especialmente ligadas ao vestuário, mobiliário, culinária e armamento [janela, sapato, camisa, viola]. As marcas portuguesas são visíveis na música e na culinária, ao passo que a maior parte das fortalezas e igrejas portuguesas foram destruídas nas guerras contra os holandeses.

Achei muito divertido constatar tantos apelidos com origem portuguesa, como por exemplo Mendis, Pinto, Gomis, Silva, Costa, Perera, Dias, e claro, Fonseka

Considera que tendemos a subvalorizar a nossa História no Oriente face aos continentes Africano e Americano?

Sim, mas compreende-se. O Oriente é mais distante, e a nossa presença na região terminou, em grande medida, em meados do século XVII, após décadas de luta contra os holandeses. As excepções foram, como sabemos, Goa, Damão, Diu, Macau e Timor. Nessa altura, o Brasil já era a prioridade da Coroa, e após a sua independência no século XIX, África passou a ser o novo foco de atenção.

Penso que a maioria dos portugueses ficaria surpreendida com as marcas portuguesas existentes por toda a Ásia. Para além da Malásia e Sri Lanka, é possível ver vestígios portugueses na Indonésia, Tailândia, Myanmar, Bangladesh, Vietnam, Japão, etc.

Ao situar a narrativa de “Taprobana” em dois tempos, tal como o fez no livro anterior, tem como objetivo alertar-nos para este continuum na História, uma relação de causa e efeito? Isto, tendo em conta que vivemos um tempo que parece querer apagar a História.

É uma dinâmica que eu gosto muito, e que espero que leve a que o passado esteja bem presente. Penso que torna o livro mais emocionante, e que permite aos leitores aprender de uma forma lúdica. No fundo, é perguntar porque é que isto é assim: Porque é que o apelido Fonseka é comum no Sri Lanka? Porque é que uma Igreja em Lisboa foi construída por um príncipe do Sri Lanka, no século XVII? Porque é que os portugueses são os europeus que mais comem arroz per capita? Porque é que Goa é tão diferente do resto da Índia?

Penso que a maioria dos portugueses ficaria surpreendida com as marcas portuguesas existentes por toda a Ásia.

O Eduardo é um homem viajado. Nos muitos países que já visitou deparou-se com algum traço da presença portuguesa que o tenha emocionado em particular?

Eu vivi sete anos em Cape Town, muito perto do Cabo da Boa Esperança. Sempre que lá ia com amigos, ficava emocionado ao ver o destaque das réplicas dos padrões do Bartolomeu Dias e do Vasco da Gama, de um lado e do outro da estrada. Parecia estar em Portugal, apesar de estar a mais de 10 mil quilómetros e a terra a sul mais próxima ser a Antártica.

De qualquer maneira, é sempre uma emoção ouvir o nome de Cristiano Ronaldo quando digo que sou português – desde a Escócia, Costa Rica, Uganda ou Tanzânia, até ao Vietname.

Tendo de escolher uma frase agregadora para esta nossa presença no Mundo, como a descreveria?

Portugal tornou o mundo global a partir do século XVI, interligando o Brasil, a Europa, África e o Oriente. Pessoalmente, também gosto da frase de um historiador indiano, Sanjay Subrahmanyam: “O Império Português é dos maiores enigmas da História! Como é que um país tão pequeno conseguiu ter possessões em África, no Brasil, e um pouco por todo o Oriente?”

Tem na forja um novo livro?

Sim. A ideia surgiu há muitos anos, pouco antes de começar a escrever “Taprobana”. Trata-se um novo thriller histórico, sobre um tema igualmente pouco conhecido entre nós. Mantem a dinâmica dos outros dois, isto é, tem uma secção no presente e outra no passado, sendo que as duas histórias estão interligas. A História de Portugal esconde demasiados segredos.


Entrevista concedida por escrito.