Em criança quis ser astronauta. Mais tarde, veterinária. A vida trocou-lhe as voltas e acabou por se licenciar em Psicologia.

Clara Soares é jornalista desde 1988 e psicóloga desde 2000. Nasceu em Alfama, Lisboa, e no ano do 25 de Abril foi morar para a Parede.

Atualmente reside e trabalha no concelho de Oeiras, onde divide o seu tempo entre a redação da revista Visão e os gabinetes clínicos de Algés e Carcavelos. Tem 47 anos, uma filha com 16, e gosta de fazer caminhadas.

A psicologia é uma vocação de criança?

Não. Quando era miúda queria ser astronauta e, mais tarde, quis trabalhar com animais. Na hora de escolher o curso, tinha média para seguir medicina, mas optei pela psicologia por me parecer uma área mais abrangente.

Acabou por gostar da opção?

Adorei o curso, embora nunca me tenha revisto na psicologia dos testes, que encaro mais úteis na área vocacional, empresarial e de investigação. Na prática clínica, o que conta é a relação e é esse o instrumento de trabalho privilegiado. De início usei técnicas de descoberta pessoal como facilitadores no estabelecimento da relação terapêutica.

Alguma vez recorreu à astrologia?

Estudei-a durante algum tempo, sim. Usei-a pontualmente e sem a componente das previsões pois aqui, tal como nos testes, há o risco de classificar e condicionar escolhas. Trata-se de uma linguagem simbólica ao serviço do auto-conhecimento. Pode ser útil como indicador de potencialidades a desenvolver ou a gerir no plano emocional, com pessoas familiarizadas com esta abordagem.

Quando acabou o curso foi trabalhar onde?

Em 1987, havia mais facilidade em encontrar lugar no mercado de trabalho no campo das organizações (consultadoria) mas senti que «não era a minha praia».

Também trabalhou na Câmara Municipal de Lisboa?

Fiz um estágio e acabei por ficar lá três anos. Trabalhei na divisão de recursos humanos e formação, criada precisamente naquela altura. Foi uma experiência interessante, que aconteceu entre as presidências de Abecassis e de Sampaio. Lembro-me que os cantoneiros de limpeza se chamavam almeidas, denominação que se alterou no âmbito de uma formação integrada que envolveu todos os níveis hierárquicos da limpeza urbana, por exemplo.

Foi uma experiência de trabalho muito diversificada?

A câmara tinha 10 mil funcionários. Fazer manuais e dar formação em vários departamentos na cidade de Lisboa agradou-me. Atendimento ao público, cursos práticos de liderança, gestão de conflitos, animação cultural... Foi um estímulo enorme.

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O contacto com as pessoas foi o mais estimulante?

Sem dúvida. Até pelo trabalho de equipa, que envolvia juristas, psicólogos, sociólogos. Esse trabalho foi muito rico porque permitiu-me desenvolver uma das minhas grandes paixões: aprender! Hoje continuo a estudar porque me dá prazer.

Foi sempre assim?

Desde miúda. Tinha de perceber «até ao limite» como uma coisa funcionava e queria expandir o conhecimento que tinha do mundo.

Foi essa curiosidade pelas coisas que a levou ao jornalismo?

Sim, mas também foi uma questão de timing. Vieram as rádios piratas e descobri a Rádio Marginal, em Carcavelos. Comecei a concorrer a passatempos de música e escrita criativa e, quando fui levantar um prémio (singles em vinil!), desafiaram-me a trabalhar com eles.

E assim começa o jornalismo na rádio?

É verdade. Dei os primeiros passos na rádio Marginal, e, a seguir, trabalhei dois anos na TSF, na equipa do Fernando Alves, experiência que acumulava com o meu trabalho na Câmara de Lisboa.

E saiu porquê?

Estava a ser muito difícil conciliar o meu trabalho na Câmara durante o dia com o jornalismo à noite. Surgiu nessa altura a oportunidade de experimentar um caminho novo na área da comunicação. Respondi a um anúncio para copywriter numa agência de publicidade e aí fiquei dois anos. Gostava do trabalho criativo, mas faltava algo mais.

Faltava-lhe a investigação?

Sentia necessidade da proximidade com as pessoas e o que mexe com elas na vida de todos os dias. Da interatividade. Nessa altura, o mercado abriu-se à TV privada e surgiu o curso de formação e recrutamento para a TVI. Orgulho-me de ter participado no arranque do projeto a que estive ligada durante sete anos, que foram de muitas descobertas. Deixei a psicologia em «banho-maria» por sentir que precisava de «estrada», de experiência de vida, antes de avançar para o trabalho clínico.

Que tipo de trabalho fazia na TVI?

Informação diária e não diária. Especializei-me na área da saúde e a minha prestação final foi no programa Quero Justiça, com histórias reais nesse campo.

Quando sai da TVI começa a dar consultas?

Não foi logo. Voltei ao jornalismo, na imprensa. Há 12 anos que continuo a colaborar para a revista Visão, sobretudo em temas de comportamento. Entretanto, fiz um mestrado em Psicologia da Saúde e comecei a dar consultas em Oeiras, numa clínica de saúde e bem-estar e num centro com especialidades médicas. Agora estou em Algés, na clínica AlterStatus, e na Clínica Carcavelos (às quartas e quintas).

A crise está a levar as pessoas a procurar mais ajuda psicológica?

Tenho a perceção de estar a haver uma procura mais seletiva: pessoas que querem perceber o que se passa com elas a um nível mais profundo, libertar-se de limitações pessoais, conhecer os seus recursos internos e restaurar a capacidade de sonhar, numa sociedade que se apresenta hoje com menos ilusões.

O seu trabalho na Visão tem sido gratificante?

Tem. Muitas coisas mudaram na última década, em boa parte devido aos avanços tecnológicos, que alteraram radicalmente os métodos de trabalho. Apesar de estar grata por viver na era digital, da informação em tempo real, confesso que, por vezes, sinto saudades do tempo em que a velocidade era menor e permitia recolher e processar histórias com outra calma, outro olhar.

Não se imagina a optar só por uma das suas áreas de trabalho?

Não, mas acredito que o tempo que dedico a cada uma vai mudar. Nos próximos 10 anos vejo-me a dedicar mais tempo à psicologia, continuando a investir no jornalismo de comportamento, pois o «bichinho» continua lá!

Texto: Palmira Correia