Podem ser perfeitas tempestades do deserto ou calmas brisas da pradaria. As palavras curam ou corroem-nos por dentro. Lavam-nos ou sujam-nos. Quem as souber usar detém um dos maiores poderes do universo, a capacidade de influenciar. No entanto, a consciência de que a escrita pode ser uma alavanca para essa liberdade de autoconhecimento ainda não é um modus operandi … a maioria da população escreve quando é obrigada a escrever ou acredita – que é mais grave – que não sabe escrever.

A escrita é uma ferramenta: de comunicação, de trabalho e introspeção. E é aqui, nesta última, que tudo se explica. Quando nos conhecemos para lá da imagem que o espelho reflete, nos conhecemos de dentro para fora há uma necessidade crescente de substituir as palavras (que o vento leva), pelas letras que as formam, e imortalizá-las. A escrita é a única forma de imortalidade, o único caminho para a eternidade, a única coisa que fica e o tempo não apaga. A escrita é, provavelmente, a nossa caixa de Pandora. Ou nos liberta para o bem, ou nos aprisiona para o mal.

Quem já não teve um diário? Ou um blog? Ou qualquer ferramenta cujo foco era escrever sobre a alma, a vida e sobre si? Arriscaria a dizer que quase todos. O fenómeno mais em voga é hoje o Facebook que, utilizando o mesmo princípio, manipula-nos para isso mesmo: escrever. E nós escrevemos. Sobre o tempo, sobre o que sentimos, sobre o que pensamos e opinamos. O que importa mesmo é lá deixar qualquer coisita. Isto não é à toa e já Pennebaker, psicólogo e cientista, defende o poder curativo e reconstituinte da palavra, mas da palavra escrita. Refere, por exemplo, que passadas as etapas em que as pessoas vivem um choque (de que natureza for), surge uma outra em que essas mesmas pessoas afetadas já não se mostram tão dispostas a partilhar as histórias com terceiros (diálogo) e mantêm-se centradas na sua própria experiência, instalando-se uma espécie de pacto de silêncio, pois o tema, seja ele qual for, deixa a maioria das pes­soas esgotada. É neste trecho de tempo que nasce, quase sempre, uma estratégia de salvação - a expressão pela escrita, que ajuda a elaborar e a ordenar mentalmente a experiência dolorosa. A realizar uma catarse. Mesmo que inconsciente, ela acontece.

Será isto um disparate?

Não. O fenómeno é naturalmente compreensível. A necessidade de aprovação reside em cada um de nós. A necessidade de escrever o que sentimos é uma purificação ao que provoca sentimentos menos positivos, por isso, os "vomitamos" em textos. Ficamos melhores ... e se existir interação pode, ainda, ter um efeito de alívio mais efetivo.

Em junho de 2008, um estudo do Journal of Pain and Symptom Management revelou que um grupo de pacientes com cancro, que escreviam durante 20 minutos, uma vez por semana, experimentaram uma melhora significativa na sua saúde emocional e um grande bem-estar lendo as histórias para os outros.

Não precisamos de ser todos escritores nomeados para o prémio Nobel da Literatura, ou para o prémio Camões, para que possamos escrever. Para que o devamos fazer. Não temos que ser exímios redatores cujas regras semânticas e sintáticas tenham de ser cumpridas à letra. O que precisamos é começar com uma palavra e acabar com um ponto final. Olhar para a folha em branco e vermos uma companheira de jornada que não questiona, não critica, nem julga. A folha apenas ouve. E esse é o segredo da escrita. Ela é depositada para ser ouvida.

Onde está, então, esse poder da cura ou essa forma transcendente de nos modificar?

Reside, tão somente, na certeza absoluta de que após formarmos um texto, criamos uma mensagem. Para nós, para os outros. Não importa especificamente “Quem”, o importante é o “Que” acontece após o ponto final que dá por encerrado o texto. Quando nos lemos, mudamos … quer seja a visão, os pensamentos ou o que sentimos. Ao ler-nos percebemos melhor os pequenos erros, as grandes falhas, as ausências e os vazios. E podemos recomeçar connosco as vezes que quisermos.

E quem não escreve? É menos feliz e menos consciente?

É, pelo menos, incompleto. Só a escrita revela o som das palavras não ditas, só a escrita nos leva ao interior, porque o ruído das palavras pronunciadas é demasiado efémero. Da forma que saem, da forma que se esvaem. As palavras ditas, esquecem-se … as escritas vivem e relembram-se de todas as vezes que as olhamos. Mas a magia, a verdadeira, está na possibilidade infinita de influenciar quem nos lê, se quisermos que nos leiam. Fazer o mundo pensar sobre as nossas palavras é algo que nos permite uma omnipotência e nos faz ter ainda mais responsabilidade de sermos felizes. Esqueçam as concordâncias, as pontuações e o “bonitinho”. Preocupem-se em ocupar o papel com o que nunca permitem que saía cá para fora. Não racionalizem, emocionem-se, sejam incoerentes, oiçam o que quer saltar de dentro e deitam-no serenamente na folha de papel.

O que é que lhe falta para escrever?

- Falta tudo, imaginação, criatividade, paciência, jeito – dirão.

Lembrem-se - “Todos somos escritores, só que uns escrevem e outros não … “, Saramago. Tudo o resto são desculpas e medos. Desafiem-se!