Para Cláudia Cunha nunca houve dúvidas sobre o caminho a seguir na hora de escolher a profissão. A área da saúde afigurou-se-lhe naturalmente. E neste contexto, “a nutrição acabou por surgir por ser comum a tudo” como nos confidencia. Isto porque para a nutricionista, formada em Ciências da Nutrição e com uma pós graduação em psicologia, “todas as pessoas que tenham patologias, ou mesmo a nível da prevenção, têm de ter um plano alimentar adequado”. Uma dimensão educativa que Cláudia Cunha quis verter para o seu recente livro “Doce Veneno”. Uma obra que não se limita a ser um alerta para os perigos no consumo de açúcares. Apresenta-nos um plano de 21 dias de desintoxicação, assente em receitas sem açúcar e compostas por hidratos de carbono de qualidade, proteína e gordura.

O título deste seu livro “Doce Veneno” acaba por ser um alerta. Estamos perante um alimento que nos pode matar.

Sim. Atualmente já encontramos uma maior sensibilidade e alertas para esta questão do consumo dos açúcares. Acontece que é comum as pessoas associarem açúcar ao granulado branco que adicionam ao café e chá, ou integram na confeção dos bolos. Há todo um açúcar escondido em outros alimentos. Por exemplo, a fruta tem um grande aporte de frutose, que é um açúcar. Não devemos, neste sentido, consumir mais de duas peças de fruta por dia. Podemos ir buscar vitaminas e minerais aos vegetais, diminuindo a ingestão de fruta.

Quando abordamos esta questão do excesso de consumo de açúcares não nos referimos apenas à propensão para a obesidade, certo?

É um perigo as pessoas acharem que o açúcar só afeta o peso. Esta é apenas uma entre as muitas consequências do consumo de doces. Um individuo pode desenvolver uma doença autoimune desencadeada pelo consumo de açúcar. O doce está associado ao desenvolvimento da diabetes, de cáries, acentua os riscos de doenças cardíacas, insónias, problemas de pele. Está, inclusivamente, associado ao eventual crescimento de células cancerígenas. Estas alimentam-se de açúcar.

O açúcar é viciante? Nesse sentido podemo-lo considerar uma adição?

Quando consumimos açúcar o nosso cérebro liberta um neurotransmissor, a dopamina, que noz traz uma sensação de prazer e bem-estar. O nosso corpo passa a procurar esse estímulo e pede alimentos que o saciem no sentido do prazer. Isto em quantidades crescentes. Em consulta há pessoas que me dizem, “tive de consumir um doce porque estava a precisar, até me sentia fraca”. Esta é uma falsa fraqueza. O corpo pede o doce, mas estimulado pelo vício.

As crianças são expostas desde muito cedo a grandes quantidades de açúcar. O que pode dizer aos pais?

Nascemos com a aptidão para gostar do doce. Há mesmo quem defenda a tese de que o ser humano gosta do doce e não do amargo, ou ácido, porque os nossos antepassados desenvolveram mecanismos de defesa. Amargo significaria um alimento perigoso e o doce, um produto comestível.

Hoje em dia tornámo-nos consumidores. Contudo as crianças de tenra idade não vão às compras. Os primeiros contactos com os alimentos fazem-se por intermédio dos pais, educadores, na escola. Dai a importância das boas escolhas por parte destes cuidadores das crianças. Este consumo excessivo de açúcares entronca, depois, em questões sociais. Vivemos numa sociedade onde há falta de tempo. Neste contexto, é muito mais fácil dar à criança um produto industrial empacotado do que fazer uma sandes saudável. Mas volto a sublinhar, nós não somos feitos para consumir tanta quantidade de açúcar.

Acresce a publicidade enganosa. Como comenta?

Uma ideia excelente seria os produtos indicarem quantos pacotes de açúcar estão na sua composição. Um néctar de fruta tem muito açúcar. Olhemos para o rótulo. Se encontramos no primeiro lugar da lista de ingredientes a água, depois o açúcar e só no final fruta, sabemos que verdadeiramente, a fruta, está em menor quantidade. Por outro lado a própria publicidade assenta na venda de imagens coloridas, apelativas, com super-heróis, entre outros elementos. Julgo que também deveriam ser omitidos. Esta questão da educação alimentar deve começar sempre dentro de casa. Proibir os refrigerantes à mesa das refeições, salvo em épocas festivas. O normal seria substituir os sumos pela água.

açúcar

Vamos supor que alguém tem um desejo súbito e irreprimível de algo doce. O que pode comer?

Nesse caso a pessoa pode trazer consigo, por exemplo, frutos secos ao natural, nunca os salgados ou fritos. Pode consumir um pedacinho de chocolate negro com 70% de cacau. Snacks ou barritas que forneçam uma fonte mais saudável de açúcar.

No seu livro, inclusivamente, a Cláudia inclui um teste que ajuda o leitor a perceber se é viciado em açúcar. Pode dar-nos dois ou três exemplos de alertas?

Há um evidente. Coloquemos a pessoa perante o desafio de 21 dias sem açúcar. Se lhe parecer um período muito longo, provavelmente estamos perante um viciado em açúcar. Outro alerta passa pela conclusão a pessoa tira quando analisa o seu dia-a-dia. Deve refletir sobre a presença de açúcar. Se o encontra no café, na fruta, nas pastilhas elásticas que consome, provavelmente tem essa adição pelo doce.

Tendemos a pensar no açúcar como o granulado branco que colocamos, por exemplo, no café. Mas o açúcar assume diversas naturezas, certo?

Existem alimentos que têm de ser substituídos à partida, por exemplo o arroz branco deverá ser trocado por arroz integral. Depois, há outros açúcares que encontramos listados nos rótulos. Dou alguns exemplos: açúcar invertido, xarope de açúcar, sacarina, xilitol, frutose, entre outros adoçantes.

Podemos dizer que há bom e mau açúcar?

O açúcar pertence a um grupo de alimentos denominado hidratos de carbono e, aí, vamos encontrar hidratos de carbono bons e maus. No meu livro refiro-me a estes como positivos e negativos. Nos positivos destaco o arroz, o pão, as massas integrais. Nunca os refinados.

Os adoçantes artificiais são um bom substituto do açúcar?

Na perspetiva que temos abordado, falar do consumo de açúcar é falar de adição ao sabor doce. Logo os adoçantes estimulam esse sabor doce. Num plano detox a pessoa deve deixar tudo, a nível dos adoçantes e dos açúcares. Perde-se um hábito que será mantido depois de terminados os 21 dias de detox.

O seu plano assenta numa radical desintoxicação do açúcar. No fundo que alimentos vêm substituir o açúcar?

O que proponho no meu plano é a pessoa aprender a fazer outras escolhas. Não podemos pensar em substitutos, mas sim numa mudança de hábitos alimentares. A forma como olhamos para os alimentos e a própria compra. Ai é importante que as pessoas saibam interpretar os rótulos. Desta forma incluí no livro um capítulo explicativo. Por outro lado há que saber reeducar o paladar. Reencontrar velhas receitas, reduzir as quantidades de determinados alimentos. Repare, quando reduzimos o sal, ao fim de algum tempo vamos achar tudo salgado. O mesmo se passa com a quantidade de açúcar que acrescentamos ao café. Se o formos reduzindo gradualmente, mais tarde, uma pequena quantidade de açúcar vai desagradar-nos.

Como chegou a Cláudia a este número tão concreto: 21 dias?

Vinte e um dias é o tempo necessário para iniciarmos uma mudança.

nutricionista cláudia cunha

Este plano pode ser usado como uma dieta de emagrecimento?

Depende da forma de abordagem. Se o consumo de açúcar estiver associado ao excesso de peso, podemos olhar para este plano como uma dieta de emagrecimento. Outras pessoas têm recorrência de algumas doenças e constatam que a sua situação melhora seguindo este esquema detox. Outras, ainda, poderão suprimir alguma medicação do seu dia-a-dia. Acima de tudo este plano foi formulado com o intuito de educar. Por exemplo, uma mãe e um pai saberem fazer opções saudáveis para os seus filhos.

Após este período julga que será fácil à pessoa manter os hábitos entretanto adquiridos?

É interessante saber o que a pessoa pode sentir ao longo dos 21 dias do plano. É todo um processo. O combate a um vício tem o fator ressaca associado. Mas no final destes 21 dias a pessoa vai sentir-se melhor. A pele melhora, o cansaço matinal diminui.

Olhando para as receitas que integra em “Doce Veneno”, reparo que não há sobremesas. Estas estão proibidas?

Se tivesse no livro um capítulo com sobremesas alternativas estaria, uma vez mais, a substituir um doce por outro doce. Estas não fazem parte de uma alimentação saudável. No final do plano a pessoa pode procurar um alimento que possa ser integrado num doce, sem contudo ser açúcar.

Fotos: Cláudia Cunha