Em entrevista à agência Lusa, Maria João Baptista falou dos próximos desafios de uma ULS que junta o Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ) a dois Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) do Grande Porto, mas atende “uma percentagem muito significativa” de utentes de fora da área.

“Tenho plena noção de que a realidade que vou viver neste hospital vai ser diferente de outras ULS (…). Em neurocirurgia, quase 90% das nossas consultas são doentes fora de área. A questão é: ‘é possível que tudo isto conviva?’ ou ‘não era preferível uma especificação diferente [como acontece com os Institutos de Oncologia que, como hospitais especializados, mantêm a autonomia]?’ (…). Os desafios são acrescidos, mas são completamente compatíveis [com a reorganização do SNS]”, disse a médica.

Somando a ULS de Santa Maria, em Lisboa, e a ULS Santo António, também no Porto, como estruturas que sentirão desafios idênticos à ULS São João, Maria João Baptista disse que “provavelmente seria mais fácil” se alguns centros hospitalares estivessem fora desta reorganização, mas “os ganhos a obter seriam muito menores”.

“Vamos continuar a receber pessoas de todo o Norte e em algumas especialidades de todo o país. Mas temos de pensar que a intervenção no local, a promoção da saúde, a identificação precoce, o trabalho nas escolas, a componente de municipalidade, a rentabilidade dos meios complementares de diagnóstico está a ser feita em todas as ULS e um hospital da nossa dimensão ganhará com isso”, referiu.

A ULS de São João junta o CHUSJ, que em 2023 fez 869.733 consultas médicas e 58.760 cirurgias, com os ACeS do Grande Porto III (Maia/Valongo) e o ACeS Grande Porto VI (Porto Oriental), que juntos atendem 343.944 utentes.

Quanto a profissionais, o CHUSJ tem 6.671 e os ACeS que agora compõem a ULS somam 954.

Maria João Baptista, que é cardiologista pediátrica e assumiu funções como presidente do conselho de administração do CHUSJ quando Fernando Araújo saiu do cargo para presidir à Direção-Executiva do SNS (DE-SNS), disse estar “otimista” com a reorganização, embora compreenda as dúvidas dos profissionais”.

“Sei que a esmagadora maioria não vê esta nova realidade de uma forma tão otimista como eu vejo (…). Todos nós temos algum receio do desconhecido. O grande desafio é estar a fazer um modelo que é completamente novo que tem grandes desafios, mas que tem grandes oportunidades”, disse a médica, vincando muito “a importância da comunicação e do bom senso”.

Acreditando que para os utentes esta transição “não deverá ser em momento nenhum disruptiva”, e que o “dia-a-dia de quem presta cuidados de saúde aos doentes diretamente não se modificará grandemente”, Maria João Baptista admite que o processo exige “remodelações em algumas áreas para tornar o sistema mais eficiente”.

Quanto à articulação entre cuidados de saúde primários e cuidados de saúde hospitalares, a médica disse que “não pode existir preponderância de uma área em relação à outra”, até porque “os cuidados comunitários são a base” e “os hospitais e serviços de urgência só funcionam de forma adequada se tiverem uma retaguarda forte”.

“Temos de ter uma perspetiva diferente de ver a saúde (…). Há uma série de benefícios potenciais com a integração plena de cuidados. O paradigma da ULS é mais difícil de concretizar, mas é muito mais objetivo”, analisou, dando exemplos de “redundâncias” que podem ser esbatidas ou mesmo de “ganhos” financeiros e de tempo.

“Tem de se perceber que numa unidade hospital se fizermos uma cirurgia bariátrica para tratar a obesidade, se gasta x, mas se tiver identificado, aos 6 ou 7 anos, uma criança com excesso de peso e feito, precocemente, um trabalho integrado, essa criança pode não chegar à necessidade da cirurgia bariátrica”, exemplificou.

Maria João Baptista acredita que este modelo também evita o desperdício de exames, poderá criar alarmísticas partilhadas por todos os sistemas e potenciará uma ambição antiga do SNS, a criação do processo único, um processo que acompanha o doente.

Quanto aos serviços de urgência, a médica disse que “são precisas alternativas ao serviço de urgência, respostas que as pessoas conheçam e adiram”, mas foi direta na abordagem: “Preocupam-me os picos, os grandes fluxos, mas preocupa-me muito mesmo as pessoas que não vêm ao serviço de urgência. Acho que tem de haver um trabalho em literacia em saúde da população portuguesa”.

Já sobre os Centros de Responsabilidade Integrada (CRI) que só no São João são cinco, Maria João Baptista garantiu que estes manterão a autonomia, aliás a médica acredita que “para o sucesso as ULS, os CRI são fundamentais porque têm pessoas com conhecimentos técnicos das doenças, mas também conhecimentos de gestão e governação clínica”.

A ULS São João é uma das 14 ULS da região de saúde do Norte.