Os cuidados de saúde no SNS estão agónicos, a falta de capital humano é assombrosa afetando cuidados de saúde primários e cuidados de saúde diferenciados, neste caso os hospitais. A cada ano que passa o desfalque no SNS é maior, sendo que a obstetrícia tem sido das áreas mais fustigadas neste sentido, deixando mulheres sem assistência, grávidas sem vigilância de saúde, colocando em risco a vida tanto das mães como dos seus bebés, denotando-se já um aumento da taxa de mortalidade materna nos últimos anos. Aproximam-se a época alta de férias do Verão, o que agrava substancialmente o contexto da oferta de cuidados obstétricos, principalmente na capital portuguesa, já de si deficitários.

Numa tentativa honesta, mas a meu ver ainda redutora, da DGS minimizar os efeitos da grave descapitalização humana nas maternidades do SNS, acaba por sugerir o fecho rotativo de algumas urgências de obstetrícia e ginecologia da área metropolitana de Lisboa e Vale do Tejo e colmata com a elaboração da norma 02/2023, que pretende aproveitar o total potencial das competências dos seus profissionais apenas em âmbito hospitalar, garantindo a extrapolação para o papel daquilo que já é a realidade de muitos blocos de partos, sendo que a maior novidade apenas surge na decisão de internamento por parte do Enfermeiro Parteiro (ou Enfermeiro Especialista em Saúde Materna e Obstétrica), em situações específicas baseadas em protocolos de atuação em articulação com a equipa médica.

A norma gera uma discórdia social e profissional, sendo feitas determinadas alegações que se pensarmos um pouco parecem pouco fundamentadas, basta que coloquemos algumas questões:

1 – A DGS emanaria uma norma relativa à saúde sem envolver representantes de todos os profissionais à qual a norma diz respeito?

2 – Colocaria à frente de uma comissão de resposta à crise em obstetrícia alguém que fosse indigno de tal título e responsabilidade?

3 – Emanaria uma norma de saúde, para uma população de extrema vulnerabilidade, como são as grávidas, sem garantir que a assistência fosse prestada por profissionais competentes e capazes para o fazer?

4 – Não teria em consideração a evidência científica que demonstra claramente os benefícios da assistência pré-natal por EESMO, em situações para as quais estes detêm competências?

Se pensarmos um pouco rapidamente chegamos à conclusão de que efetivamente a nossa DGS tem a responsabilidade e o dever de garantir e assegurar todas as premissas anteriores de forma a promover cuidados de qualidade, competentes e atempados a todos os cidadãos. Por esses motivos uma norma relativa à saúde nunca poderia ser emanada sem que tivesse o aval de profissionais representantes das várias entidades de saúde, neste caso da área obstétrica e neonatal, não colocaria alguém incompetente à frente de uma comissão tão importante, e muito menos, não sugeriria que os EESMO assistissem e internassem grávidas de baixo risco, caso estes não fossem competentes para tal.

É importante esclarecer a população e aparentemente os outros profissionais de saúde que: os EESMO fazem partos eutócicos (não instrumentados) há anos, a sua formação exige que assistam pelo menos 100 grávidas, 100 recém-nascidos e façam no mínimo 40 partos eutócicos, entre outras obrigatoriedades, necessárias para responder às diretivas europeias que norteiam a formação dos enfermeiros parteiros a nível europeu. Isto não é novidade nem é uma “benesse” dos médicos ou da DGS, esta É uma COMPETÊNCIA ESPECíFICA dos enfermeiros parteiros, que é exercida comumente nas maternidades do SNS em geral.

Quanto à questão do internamento de grávidas, com o devido esclarecimento e consentimento da grávida, sendo o seu desejo ter um parto em âmbito hospitalar, TODAS as grávidas com bolsa rota (devido ao risco aumentado de infeção) ou que se encontrem claramente em fase ativa do trabalho de parto, deverão ser internadas. Se o enfermeiro parteiro consegue validar a existência e atualização dos exames necessários a um trabalho de parto em segurança, e quando necessário alertar o médico para alguma situação que o requeira, consegue avaliar a evolução do trabalho de parto, vigiar a monitorização cardiotocográfica (CTG), examinar a grávida para ver qual a sua dilatação e progressão da cabeça do feto na bacia, entre outros procedimentos específicos para uma boa avaliação do bem-estar materno-fetal, qual é a verdadeira questão dos enfermeiros parteiros internarem grávidas, que cumpram os critérios definidos?

Parece que os recentes acontecimentos em obstetrícia no SNS, levam a um afastamento das necessidades das grávidas, a imagem que passa na comunicação social é de instabilidade e insegurança, quando na realidade apesar da falta de profissionais no SNS, as medidas tomadas até hoje visam confluir os recursos humanos existentes numa ótica de aproveitamento máximo de competências de cada profissional, ninguém vai tirar o lugar de ninguém até porque não há grande novidade na norma da DGS, nem da forma como as equipas de profissionais de obstetrícia se articulam entre eles. Os médicos não vão deixar de existir nas salas de partos, são peças fundamentais na assistência e cuidados obstétricos, pois as complicações podem surgir em qualquer fase da gravidez ou parto, os enfermeiros parteiros são essenciais e irão continuar a realizar o trabalho que lhes compete em âmbito hospitalar (vigiar e monitorizar o trabalho de parto, colmatando na realização de partos eutócicos). Cada profissional faz o seu papel em prol do melhor resultado para grávidas/bebés/famílias, devemos almejar um SNS centrado no utente, devemos trabalhar juntos e não nos envolvermos em quezílias que promovam o desentendimento entre equipas, a verdadeira urgência é construir uma capacidade de resposta mais célere e assertiva face às necessidades das grávidas de Portugal. Um por todos e todos, unidos, por um SNS mais robusto, essa sim é a grande guerra na qual todos os profissionais e utentes deverão combater, juntos.