Apesar de a lei de procriação medicamente assistida em Portugal estar a fazer cinco anos, a técnica de fertilização “in vitro” que permite ter filhos saudáveis e capazes de salvar irmãos com determinada doença genética nunca foi usada.

Esta técnica permite escolher, antes de serem implantados no útero, embriões fecundados "in vitro" livres de uma doença genética específica e, ao mesmo tempo, certificar que a futura criança tem compatibilidade de tecidos com irmãos doentes, permitindo uma transplantação de sangue do cordão umbilical, com o objetivo de tratar os familiares.

Recentemente nasceu o primeiro bebé francês a reunir estas condições e em todo o mundo são poucos os casos conhecidos: nos Estados Unidos esta prática iniciou-se há uma dezena de anos e também já se registaram nascimentos na Bélgica e em Espanha.

Em Portugal, a lei, de junho 2006, proíbe o uso de técnicas de procriação medicamente assistida "para conseguir melhorar determinadas características não médicas do nascituro, designadamente a escolha do sexo", mas apresenta algumas excepções, como "os casos em que haja risco elevado de doença genética ligada ao sexo, e para a qual não seja ainda possível a detecção directa por diagnóstico pré-natal ou diagnóstico genético pré-implantação, ou quando seja ponderosa a necessidade de obter grupo HLA (human leukocyte antigen) compatível para efeitos de tratamento de doença grave".

O presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), o juiz desembargador Eurico Reis, considera que esta norma "é um pouco ambígua e admite interpretações distintas”.

Um caso assim necessitaria de uma análise do CNPMA, o que ainda não aconteceu, porque nunca ninguém colocou a questão.

“Não discutimos isso e tão cedo não iremos discutir, porque há uma série de outras questões que estão antes dela”, disse, salientando que o assunto “não é uma prioridade”.

Do ponto de vista ético, Eurico Reis salienta que a análise da questão depende da perspetiva de cada um acerca do que é a vida.

"Muita gente poderá dizer que a vida desta criança é secundária, uma vez que se nasce porque a finalidade dos pais é salvar o irmão. No entanto, eu considero que isto é a solidariedade máxima, que é uma pessoa ajudar outra a sobreviver”, disse.

O presidente do CNPMA salientou que estas são questões que “têm de ser apreciadas caso a caso”, sem "qualquer preconceito", porque “o facto de a criança nascer para ajudar outro irmão não significa, bem pelo contrário, que essa criança será menos amada do que a outra”.

Segundo Carlos Plancha, especialista em medicina reprodutiva, a técnica, "que já existe há muitos anos, é a parte mais objetiva desta notícia".

Tecnicamente, em Portugal, os pais já podem fazer um diagnóstico de pré-implantação para terem um bebé saudável, se souberem que têm uma alta probabilidade de os filhos estarem sujeitos a uma determinada doença.

No entanto, segundo este especialista, “talvez não seja possível a caracterização para saber da compatibilidade com o irmão”.

“Eu penso que potencialmente é possível, mas que, na prática, ainda não estão criadas as condições para se fazer essa parte da compatibilidade”, destacou.

Um hospital da região de Paris anunciou recentemente o nascimento, a 26 de janeiro, do primeiro “bebé medicamento” de França, que poderá salvar os irmãos que sofrem de talassemia, uma doença de sangue hereditária, grave e incapacitante, que causa anemia e requer transfusões de sangue constantes.

O menino nasceu de fecundação in vitro, após um duplo diagnóstico genético pré-implantação que permitiu a escolha do seu embrião ao assegurar que a criança é imune à doença genética de sangue das quais sofreram as primeiras crianças da família e também que é um dador compatível com os seus irmãos mais velhos.

A lei francesa autoriza este procedimento desde 2004.

25 de fevereiro de 2011

Fonte: LUSA/SAPO