Quando pensamos em doenças descritas por portugueses, quase sempre nos vem à memória a polineuropatia amiloidótica familiar, vulgarmente conhecida por paramiloidose ou doença de Corino de Andrade (popularmente a doença dos pezinhos). Como se sabe, é uma forma de amiloidose transmitida geneticamente e que foi identificada e descrita pela primeira vez, nos anos de1950, por Corino de Andrade, daí o seu nome.

Raramente nos lembramos de outra doença, a Suberose, que foi descrita por Vinte-e-Um Mendes em 1947 e por Lopo Cancella de Abreu em 1955, ambos igualmente médicos portugueses, que chamaram a atenção para a possibilidade da associação entre a exposição a poeiras de cortiça e a ocorrência de sintomas respiratórios. Estudos posteriores, entre outros, de Ramiro Ávila (que estiveram na origem do seu doutoramento), Thomé Vilar, Telles de Araújo e Cortez Pimentel foram decisivos para o esclarecimento de uma multiplicidade de aspetos epidemiológicos e patogénicos da suberose, incluindo os do foro imunológico, que parecem adquirir o maior protagonismo na etiopatogenia da doença.

Clinicamente a suberose caracteriza-se por um quadro subagudo ou crónico de alveolite alérgica extrínseca, que pode evoluir para a fibrose pulmonar, com envolvimento brônquico muito frequente traduzido em sintomatologia de tosse, expectoração e outra sintomatologia asmatiforme e, por vezes, queixas de irritação nasal, crises esternutatórias e rinorreia. Nos trabalhadores com sinais sugestivos de doença do interstício pulmonar os sintomas dominantes são a tosse, a dispneia progressiva, o emagrecimento e, nos surtos agudos, os acessos febris.

Um dos primeiros estudos epidemiológicos realizado em fábricas de cortiça foi publicado em 1973 a partir da aplicação de um questionário de sintomas e da realização de exame clínico, exame espirométrico e microrradiográfico e, ainda, a pesquisa de precipitinas para o Penicillium Frequentans nos trabalhadores expostos. Com esses critérios identificou-se, então, uma prevalência de 19% de operários portadores de Suberose, isto é, cerca de um em cada cinco trabalhadores expostos.

No nosso caso concreto, nos nossos primeiros anos de atividade clínica e no decurso do serviço médico à periferia, a identificação de alguns casos de Suberose em trabalhadores de uma fábrica de cortiça no sul de Portugal que se manifestaram como “síndromes gripais” recidivantes, constituíram o verdadeiro “gatilho” para a aquisição de conhecimentos e a especialização em Medicina do Trabalho.

Com uma formação pré-graduada em que a Medicina do Trabalho em que nem eram afloradas tais manifestações clínicas, constituíram, à data, intrigantes (e também desafiantes) casos clínicos que, estudados com maior profundidade num Hospital Universitário se vieram a revelar quadros de Suberose, todos ocorridos num definido sector fabril da referida unidade fabril. Qual “toque de Midas”, assim nasceu a curiosidade pela Patologia e a Clínica do Trabalho que determinou, primeiro a motivação para uma formação pós-graduada em Medicina do Trabalho e, posteriormente, a escolha dessa especialidade médica e, posteriormente, o seu ensino e investigação.

Ainda que os casos de Suberose não sejam propriamente frequentes a sua ligação à Medicina Portuguesa, designadamente à Medicina do Trabalho e à Pneumologia, bastaria para lhes ser atribuída mais importância do que a que lhes é conferida. Também a polineuropatia amiloidótica familiar não é nada frequente, mesmo num contexto geográfico determinado, e, felizmente, a sua associação à Medicina Portuguesa é, apesar de tudo, ciclicamente recordada. Talvez a Neurologia seja mais valorizada do que a Medicina do Trabalho, mas, em ambos os casos, deveria ser um pouco mais valorizada a contribuição da Medicina Portuguesa.