Por que motivos temos sonhos?

Habitualmente, quando falamos de sonhos referimo-nos a um conjunto de imagens mentais que ocorrem durante um estado alterado da nossa consciência. Muitas vezes (mas não necessariamente), estão associados a sensações e a emoções, em menor ou maior intensidade, e dependem de inúmeros fatores, desde a fase do sono em que ocorrem ou o que até o que o nosso tio nos falou num jantar de família há 10 anos, por exemplo. A nossa mente junta elementos da nossa experiência pessoal, desde experiências a preocupações ou medos, sem que haja necessariamente uma associação lógica entre elas e sem as regras convencionais da passagem do tempo.

Acontecem em alguma fase particular do sono?

Os sonhos podem acontecer em diferentes fases do nosso sono. Sabe-se que é no sono REM (Rapid Eye Movement) que os sonhos tendem a ser mais vívidos, fantasiosos e carregados de emoções, enquanto no sono NREM (Non Rapid Eye Movement) os sonhos tendem a ser mais simples, menos carregados de emoções, fugazes e mais relacionados com a realidade do dia a dia.

Lembramo-nos sempre dos sonhos?

Na maior parte das vezes, tendemos a não nos lembrar dos nossos sonhos. Quando isso acontece, significa que, por alguma razão, o cérebro despertou enquanto atravessava uma fase do sono em o sonho estava a ocorrer – o que pode ser perfeitamente normal. No entanto, sonhar demasiado deve merecer uma avaliação clínica. Isto significa que algo está a provocar vários despertares que interrompem o sono antes que o cérebro o termine por si mesmo, por exemplo, uma apneia de sono, alterações na função cardíaca ou movimentos que a pessoa tenha enquanto dorme. Também pode acontecer que o conteúdo dos sonhos seja repetidamente relacionado com um trauma, ou tendencialmente ameaçadores (como estar a sofrer um assalto/a ou atacado/a) e que até o corpo reaja fisicamente como se estivesse a viver o conteúdo do sonho na vida real (por exemplo, dar socos ou pontapés). A importância de haver uma avaliação clínica é que existem doenças que podem manifestar-se assim, desde a perturbação de stress pós-traumático a um possível indício de uma doença neurológica.

O devo fazer para saber se tenho alguma doença do sono?

O primeiro passo é procurar essa avaliação clínica, sendo que um especialista em sono saberá orientar para eventuais exames ou especialidades médicas que sejam necessárias. Sendo o sono uma área da saúde tão transversal (uma vez que influencia a saúde e a vida em geral), uma abordagem multidisciplinar deve ser privilegiada, e, portanto, pode até ser necessário o envolvimento de mais do que uma área da saúde (psicologia, psiquiatria, pneumologia ou neurologia, por exemplo, dependendo da situação).

O conteúdo dos sonhos carrega algum significado?

Do ponto de vista científico, essa pergunta é complexa e ainda com vários pontos de interrogação. O conteúdo dos sonhos é praticamente tão individual como a nossa impressão digital, porque depende de múltiplos fatores, desde a biologia, a cultura, a personalidade e até cada história de vida. Há, no entanto, um tema que deve merecer particular destaque: o da agressão/ violência, pelas razões que mencionei atrás. Quanto à ideia do “significado dos sonhos” é uma ideia que se tornou muito famosa com a obra “A Interpretação dos Sonhos” da corrente psicanalítica de Freud, publicada em 1899, que destaca os sonhos como forma de manifestação mental de impulsos ou necessidades da mente inconsciente e que são de alguma forma reprimidos. Há que relembrar que falamos de uma altura em que ainda eram escassas as explicações biológicas acerca da saúde mental e da psiquiatria, e a obra de Freud veio atribuir uma função a um tema que sempre fascinou a humanidade. Com o evoluir da ciência, várias outras funções dos sonhos têm vindo a ser suportadas, como a regulação das emoções, consolidação de memórias, processamento de situações traumáticas e até proporcionar formas diferentes de pensar durante a vigília que permitam a resolução de problemas.

Consigo controlar o que acontece nos meus sonhos?

As áreas cerebrais que estão mais ligados à vigília e que nos permitem pensar e interpretar voluntariamente (principalmente o córtex pré-frontal) estão habitualmente inativas durante o sonho. No entanto, pode acontecer que existam períodos de ativação de partes dessas mesmas áreas; quando isso acontece, pode acontecer experienciarmos a consciência de estar a sonhar e, em alguns, casos, passarmos a ter controlo sobre o que acontece no sonho. Quando isto acontece, falamos de sonhos lúcidos. Trata-se de um fenómeno que é possível e que pelo menos 50% das pessoas experienciam-no pelo menos uma vez na vida. Ainda que seja raro, considerando que dormimos praticamente um terço das nossas vidas. Esta possibilidade de criar um filme mental em que tudo pode acontecer tem trazido uma grande dedicação de vários investigadores a nível mundial para este tema. Têm sido propostas intervenções terapêuticas, com alguma evidência, no sentido de, por exemplo, alterar o curso de pesadelos ou processar situações traumáticas, dando à pessoa liberdade para recriar uma situação emocionalmente negativa para um cenário muito mais tranquilizador. Algumas das técnicas usadas passam por, por exemplo, treinar ou repetir pequenos gestos no dia a dia, como um teste de realidade, levando a que, caso a pessoa o consiga realizar no sonho, consiga alterar o seu curso. No entanto, também têm surgido preocupações acerca dos sonhos lúcidos, nomeadamente acerca de uma menor qualidade de sono, sensação de cansaço e maior dificuldade em criar um distanciamento da realidade, com respetivos riscos para a saúde mental. Globalmente, ainda é um tema em debate e com muito caminho para desvendar.