Como é viver com lúpus eritematoso sistémico?

Viver com lúpus é sobretudo um desafio. Um desafio pelos sintomas, mas principalmente pela incerteza do futuro. O lúpus expressa-se por picos, o que significa que em alguns momentos vamos ter uma atividade maior da doença, em outros podemos ter baixa atividade da doença ou até ter o lúpus em remissão (sem atividade). No entanto, mesmo estando em remissão, em alguns momentos, os sintomas podem surgir e acabam por impactar o nosso dia-a-dia, como a fadiga ou dores. Por isso, existe uma incerteza em relação a como é que vamos acordar no dia seguinte. O cansaço e as dores constantes podem ser muito desgastantes e desafiantes. Existe uma variabilidade muito grande de sintomas e experiências de quem vive com lúpus. No meu caso, felizmente, atualmente posso dizer que apesar de ser um desafio, tenho conseguido ultrapassar a doença a cada dia.

Como aprendeu a controlar a doença?

Esta é realmente uma pergunta muito importante, para que vejamos a importância de sermos nós a controlar a doença e não deixarmos que seja a doença a controlar a nossa vida. Geralmente temos tendência a pensar numa doença física como algo que se controla simplesmente e apenas por medicação. Atenção que a medicação e o tratamento médico têm um papel realmente muito importante na vida com uma doença crónica como lúpus, mas não é suficiente. Eu aprendi que mais do que confiar nos médicos para tratarem o meu lúpus, eu devo ser um agente ativo e o principal do meu tratamento. Por isso o controlo do lúpus passa também por mudanças de estilo de vida, cuidados com a alimentação, manutenção de uma vida ativa, cuidado com a nossa saúde mental, redução do stress e reconhecermos as emoções que temos associadas ao nosso diagnóstico. Quando falo de vida ativa, pode parecer contraditório, uma vez que um dos principais sintomas do lúpus é a fadiga, mas a verdade é que atividade física é um dos pontos fulcrais no tratamento de alguém com esta doença. Assim, o que eu aprendi foi que eu tenho de cuidar do meu corpo como um todo, da minha saúde física e da minha saúde mental, tendo comportamentos ativos de mudança; reconhecendo quais destas áreas podem estar a aumentar os meus sintomas, e a cada momento adaptar e conjugá-las para me sentir cada vez melhor e ganhar qualidade vida.

Eu aprendi que mais do que confiar nos médicos para tratarem o meu lúpus, eu devo ser um agente ativo e o principal do meu tratamento

Que sintomas a doença lhe causou?

Quando comecei a sentir os primeiros sintomas, em 2010, acordava com dores articulares e rigidez que não me permitiam, por exemplo, atar os atacadores das sapatilhas ou apertar o botão das calças. Precisava de ajuda para tarefas simples, como vestir-me. Isto aconteceu no meu primeiro ano da universidade, e lembro-me que na primeira aula da manhã não conseguia tirar apontamentos, porque não conseguia pegar na caneta, além de me sentir bastante cansada e muitas vezes ter febre ao início da manhã. Até chegar ao diagnóstico levou bastantes meses, quase um ano. Acabou por ser um processo longo e bastante doloroso, porque antes de descobrir o diagnóstico, não consegui ser medicada devidamente e por isso as dores continuavam e simplesmente não sabia o que tinha. Depois de receber o tratamento adequado comecei a sentir-me melhor. Ao longo dos anos, tive a afetação de alguns órgãos, com algumas situações mais preocupantes. Mas hoje, felizmente, posso dizer que o lúpus está estável e os sintomas que tenho são mais a fadiga, dores articulares, mas que não são incapacitantes como nos primeiros anos da vida com lúpus.

Mas considera que a doença lhe causa limitações no seu dia-a-dia ou nem por isso?

Felizmente hoje em dia posso dizer que não tenho limitações no meu dia-a-dia. Sei que não posso fazer tudo exatamente como faria se não tivesse lúpus. Por exemplo, no verão não me posso expor ao sol como a maioria das pessoas; e se calhar não tenho energia para viver um dia longo e de festa. Mas já não considero isso uma limitação, faz parte de mim, aprendi a adaptar-me e a viver o meu dia-a-dia com aquela que é a minha normalidade. Continuo a ter de tomar medicação diária, fazer exames várias vezes ao ano, ir a consultas, estar atenta a novos sintomas, talvez ir algumas vezes às urgências quando preciso de ajuda, mas tudo isto faz parte da rotina de alguém com uma doença crónica. No entanto, claro que há dias menos bons, dias em que o cansaço, a fadiga e as dores estão mais presentes. Há dias em que me canso de estar cansada e de ter dor, há dias em que desejo simplesmente ter alguns momentos de paz sem nenhum destes sintomas. Mas quem é que não tenho esses dias menos bons?

É portanto possível viver com esta doença autoimune e ter uma vida normal?

Sim, é possível. Quando recebemos um diagnóstico, significa que estamos num momento de crise, em que os sintomas estão mais ativos e nessa fase pode ser difícil ver a luz ao fundo do túnel. Mas a verdade é que, com tempo, com o cumprimento dos tratamentos, com algumas mudanças para um estilo de vida saudável e também com cuidados de saúde mental é possível termos uma vida próxima do normal, ou como eu costumo dizer, 'encontrarmos a nossa normalidade'. E dependendo dos sintomas que temos, ou das nossas circunstâncias de vida, poderá ser necessário fazer algumas adaptações dos nossos objetivos de vida, dos nossos papéis sociais ou até da nossa profissão por exemplo. Fazendo essas adaptações, encontrando paz com o nosso diagnóstico, aceitando que o lúpus passa a fazer parte da nossa vida, mas não nos define, conseguiremos encontrar essa nossa normalidade.

Dependendo dos sintomas que temos, ou das nossas circunstâncias de vida, poderá ser necessário fazer algumas adaptações dos nossos objetivos de vida

Que conselhos gostaria de deixar a outros doentes que vivem com lúpus?

Acho que o principal conselho que eu daria às pessoas que têm lúpus é para tentarem conhecer a doença através de fontes fidedignas de informação, para se rodearem de exemplos de superação e de pessoas que as possam ajudar, que tenham vivido os mesmos desafios, e que tenham também exemplos de esperança para dar. É preciso trabalhar no controlo da doença, em conhecer o seu lúpus, porque existe um lúpus para cada pessoa. Conhecer o seu é fundamental para conseguir controlá-lo da melhor forma e sentir-se mais eficaz a fazê-lo. E para juntar ao conhecer e controlar o lúpus, diria que é essencial trabalhar na aceitação do lúpus. Por isso, eu diria que o principal conselho resumidamente é: conheçam e aceitem o lúpus, aprendam a viver com ele e a controlá-lo e não deixem que seja ele a controlar a vossa vida.