A prostituição e a promiscuidade sexual, nos postos coloniais da África Equatorial, no princípio do século XX, foi fator determinante para o vírus do HIV se tornar uma pandemia mundial, revela um estudo científico.
O estudo, em que participaram investigadores de quatro universidades, incluindo a portuguesa Universidade Nova, muda a perspetiva que existia sobre a difusão da doença, e que atribuía um papel determinante ao uso de seringas não esterilizadas.
Segundo o investigador João Dinis de Sousa, da Universidade de Leuven, na Bélgica, "o mais provável é que o vírus tenha começado a proliferar por transmissão sexual entre pessoas, em setores mais promíscuos".
Analisando artigos etnográficos, João Sousa descobriu que a caça ao chimpanzé, a partir da qual o vírus da imunodeficiência símia (SIV) passa para os humanos era especialmente intensa numa região do sudeste dos Camarões, à altura uma colónia alemã.
"O que leva as pessoas a contraírem [o vírus SIV] é o consumo da carne, mas sobretudo o contacto com o sangue, quer quando cortam a carne, quer durante a caça, em que os animais mordem, arranham e provocam feridas", disse o investigador português à agência Lusa.
O vírus terá passado por "milhares de seres humanos" ao longo da História, mas em algum ponto, "houve um que se adaptou ao organismo humano e teve hipótese de proliferar".
O estudo de João Sousa, Carolina Alvarez (Universidade de Cayetano Heredia, do Peru), Anne-Mieke VanDamme (Universidade Nova) e Viktor Müller (Universidade Eötvös Lórand, de Budapeste) contesta a ideia que existia de que as injeções com seringas não esterilizadas tenham sido a principal causa para a difusão do vírus no início.
João Sousa indicou que "o ritmo a que, nessa zona, nessa época, se davam essas injeções, não justificaria a difusão massiva" do HIV.
A região central de África era ocupada por várias potências europeias e os postos coloniais, onde se verificava, além de intenso tráfego de pessoas do meio urbano para o rural, e vice-versa, prostituição e um clima sexual promíscuo.
No princípio do século XX, o comércio da borracha era especialmente importante na zona, onde a matéria prima era extraída para a emergente indústria automóvel, e, assim, pelos postos coloniais, passavam muitos comerciantes, além de tropas das potências dominantes.
Este fluxo de pessoas permitiu a instalação de doenças sexualmente transmissíveis de forma epidémica, o que também favoreceu a transmissão do vírus entre humanos, especialmente a sífilis, que provoca úlceras genitaiis que potenciam o contacto com sangue entre parceiros sexuais.
Foi assim, segundo a investigação, que o vírus da imunodeficiência humana (HIV) se terá espalhado pelo continente africano e pelo mundo.
O facto de ficar latente durante vários anos, fez com que a sua transformação em pandemia tivesse demorado décadas, embora João Sousa admita que, durante as primeiras décadas do século XX, tenha havido pessoas a morrer de sida, em África, com sintomas que eram no entanto diagnosticados como tuberculose ou outras doenças.
Só quando, nas décadas de 1970 e 1980, o vírus se espalhou nas comunidades homossexuais norte-americanas, a abordagem "muito científica" da medicina nos EUA descobriu a Sida.
18 de outubro de 2012
@Lusa