Há uma semelhança interessante entre a resposta às alterações climáticas e a resposta às emergências de saúde pública. Planeamos pouco e o desinteresse é grande nos períodos mais calmos. Nos períodos mais críticos, a resposta é circunstancial e não estrutural. A atenção fica tão centralizada no tema, que cria anticorpos nos pequenos, mas vocais grupos anti-ciência.

As Nações Unidas confirmaram que o mês de julho foi o mais quente desde que há registos. A temperatura do planeta está a aquecer, o que mudará irreversivelmente a forma como vivemos, desde a prestação de cuidados de saúde, a produção e consumo de energia ou a produção e distribuição dos alimentos.

A bacia do Mediterrâneo já está a ser particularmente afetada. Há vários sinais disso mesmo. Começando pelos incêndios devastadores, como os verificados este verão na Grécia, onde já faleceram, pelo menos 18 pessoas, sendo esta uma dimensão onde Portugal bem tem sofrido. Passando pelo aumento da desertificação do território, com as graves consequências para a nossa segurança alimentar e valorização da atividade económica.

Mas também na saúde. Ondas de calor de maior duração e intensidade, encontram-se inequivocamente associadas a aumento da carga de doença, com maior procura dos serviços de urgência e internamentos, maiores problemas na área da saúde mental e maior mortalidade nos grupos vulneráveis. Sem esquecer, que as mudanças dos padrões climáticos criam as condições para o regresso, ou estabelecimento, de doenças até agora estranhas, ou extintas, no continente europeu.

Neste verão, já França e Itália confirmaram casos de transmissão de Dengue em pessoas sem história de viagens a países endémicos. Significa que estamos perante casos de transmissão comunitária. As alterações climáticas criaram as condições para o estabelecimento com sucesso do mosquito responsável para transmissão. Num processo semelhante à febre do Nilo Ocidental, inexistente na Europa até ao início deste século, o Dengue está a caminho de se tornar endémico na região, agravando a carga de doença da população. Temos de preparar o sistema de saúde para a prestação de cuidados dentro do paradigma do Antropoceno.

No entanto, este clico de preocupação e atenção mediática, intercalado com indiferença e pouca disponibilidade para a resolução dos problemas, irá continuar. Na saúde pública, o crescimento da indiferença é sentido tanto a nível interno como externo. A reforma da saúde pública continua eternamente adiada, enquanto a nível internacional, a diplomacia da saúde perde terreno para jogos de soma zero. No ambiente, continuamos com bastantes problemas por resolver. Desde o ordenamento do território e florestas, incluindo a forma de ocupar os solos e valorização económica ambientalmente sustentável, à forma como vamos resolver a escassez de água que já se faz sentir em algumas zonas do país.

Precisamos de fugir à lógica das preocupações sazonais. Não podemos continuar hiperfocados nas alterações climáticas no verão, para no inverno, trocarmos esta atenção pela resposta a epidemias. Com uma agravante! A preocupação não se torna material. As soluções são sempre adiadas para o futuro. E assim, de adiamento em adiamento, tornamos as soluções mais caras e difíceis de operacionalizar, onde quem verdadeiramente irá sofrer as consequências, serão os nossos filhos e netos.