As falhas no abastecimento de medicamentos nas farmácias afetam 56% dos utentes de todo o país. O número de utentes afetados pela indisponibilidade dos fármacos aumentou 10 pontos percentuais, entre 2013 e 2016, segundo um estudo feito pela consultora internacional Deloitte em junho, em Portugal.

SAPO Lifestyle: A falta de medicamentos em Portugal deve-se exatamente a quê?

João Almeida Lopes, presidente da APIFARMA

João Almeida Lopes: Segundo o estudo realizado pela Deloitte em junho de 2016, uma em cada cinco farmácias atribuem as falhas de medicamentos à exportação paralela. Este fenómeno é potenciado pelas reduções constantes dos preços dos medicamentos. Os preços dos medicamntos aprovados em Portugal são dos mais baixos da União Europeia e desde 2011 o preço médio dos medicamentos sofreu uma redução de quase 30%. Isto quando o preço dos medicamentos em Portugal é dos mais baixos da União Europeia.

SAPO Lifestyle: Isso que dizer que as farmacêuticas preferem exportar os medicamentos porque ganham mais?

João Almeida Lopes: A exportação que provoca problemas de abastecimento em Portugal não tem origem nas empresas farmacêuticas. A exportação paralela é realizada por entidades da cadeia logística e, não sendo ilegal, só deve ocorrer depois de estarem garantidas as necessidades dos doentes portugueses.

Todas as classes de medicamentos são afetadas, sobretudo medicamentos destinados ao tratamento de infeções, asma ou diabetes

SAPO Lifestyle: Que medidas deveriam ser adotadas para travar esse fenómeno provocada pelos distribuidores?

João Almeida Lopes: Podemos e devemos continuar a combater a exportação paralela sempre que não estiverem garantidas as necessidades dos doentes portugueses.

A solução passa por deixar de impactar negativamente a área da saúde, em particular do medicamento, porque isso tem consequências no quotidiano dos doentes. A reexportação vai continuar enquanto Portugal tiver preços anormalmente baixos em relação aos preços médios da Europa.

SAPO Lifestyle: Quem é mais afetado pela falta de medicamentos?

João Almeida Lopes: Este é um problema transversal a todos os cidadãos. Sempre que um utente tem de aguardar e voltar mais tarde à sua farmácia, ou procurar noutras, para obter os seus medicamentos, estamos a colocar em causa o seu acesso à saúde.

É essencial que os medicamentos sejam tomados de forma correta e no tempo certo, sob pena de agravar ou desencadear novos problemas de saúde.

Tudo o que cria dificuldade de acesso dos cidadãos à saúde pode comprometer os bons resultados em saúde e inviabilizam uma boa utilização dos recursos de todos.

SAPO Lifestyle: Quais são os medicamentos que mais faltam?

João Almeida Lopes: Todas as classes de medicamentos são afetadas, sobretudo medicamentos destinados ao tratamento de infeções, asma ou diabetes.

SAPO Lifestyle: Há farmácias a fechar por causa deste problema?

João Almeida Lopes: Todos conhecemos as medidas restritivas a que a área do medicamento foi sujeita nos últimos anos, exigências à qual as farmácias, front-office da cadeia de abastecimento, não ficaram imunes. A banalização e descida constante dos preços dos medicamentos e o esmagamento da remuneração das farmácias traduzem-se, na prática, numa maior dificuldade de acesso do cidadão ao medicamento.

Portugal é dos países que, no contexto Europeu, tem os tempos mais elevados de acesso a fármacos inovadores

SAPO Lifestyle: Ainda se espera muito em Portugal para ter acesso a medicamentos inovadores?

João Almeida Lopes: Portugal é dos países que, no contexto Europeu, tem os tempos mais elevados de acesso a fármacos inovadores. Segundo a Federação Europeia da Indústria Farmacêutica, em Portugal, a taxa de disponibilidade de medicamentos inovadores é 58,7%, com umatraso médio no acesso à inovação de 620 dias, quase dois anos, valores só suplantados pela Estónia ou pela Lituânia. Em França, Espanha ou Itália, este processo demora em média entre 360 a 440 dias.

A nossa posição é clara. Não desejamos que as Autorizações de Utilização Excepcional sejam a regra e este mecanismo não pode, sob nenhuma justificação, normalizar-se ou cristalizar-se como solução.

Os portugueses devem ter acesso a medicamentos inovadores em condições idênticas às dos restantes países europeus. Este processo não pode ser atrasado ou condicionado por limitações resultantes de decisões políticas de subfinanciamento da saúde.

SAPO Lifestyle: Que desafios considera que a Saúde, genericamente, enfrenta em Portugal?

João Almeida Lopes: Não podemos ignorar a difícil conjuntura económica que atravessámos e os efeitos das políticas restritivas que se sentiram de diferentes formas. No entanto, urge estancar e inverter o subfinanciamento crónico da Saúde.

Portugal continua a ser um dos países da OCDE que menos investe na Saúde dos seus cidadãos, o que nos coloca na cauda dos países desenvolvidos. Para estarmos alinhado em termos de investimento público em Saúde relativamente ao nosso PIB seria necessário investir mais 1.200 a 1.600 milhões de euros por ano no orçamento global da Saúde.
Lamentavelmente, em Portugal, ao contrário do que sucede na generalidade dos países europeus, o Estado continua a considerar a saúde dos seus cidadãos como uma despesa que é necessário controlar.

SAPO Lifestyle: E na área do medicamento, em particular?

João Almeida Lopes: As limitações de acesso a terapêuticas inovadoras e o aumento da dívida dos hospitais públicos às empresas farmacêuticas são problemas que exigem soluções.

Por um lado, continuamos a ser um dos países da UE com tempos mais alongados de acesso à inovação e com menor acesso a novos medicamentos. Por outro, continuam por criar condições para a regularização da dívida no que diz respeito à redução dos prazos de pagamentos e à não acumulação de novos pagamentos em atraso. Os cidadãos são permanentemente confrontados com as consequências do subfinanciamento crónico.

SAPO Lifestyle: E quanto à dívida do Estado para com as farmácias, qual é a tendência?

João Almeida Lopes: Ao contrário do que está acordado, o valor da dívida às empresas da Indústria Farmacêutica aumentou desde o início do ano. O que nos levante dúvidas sobre a possibilidade de ter no final deste ano um valor da dívida inferior ao de 2015.

Somos sempre confrontados com o subfinanciamento crónico do Serviço Nacional de Saúde, realidade que aliás tem sido denunciada publicamente por diversas entidades.