HN- Mais especificamente, o que é que decidiu apresentar neste webinar?

Paulo Alves (PA)- A apresentação tem como objetivo mostrar o papel da enfermagem na área da prevenção e tratamento de feridas, quer seja em enfermagem de saúde comunitária e saúde pública, quer seja em enfermagem médico-cirúrgica, na área de reabilitação, na saúde infantil e pediátrica ou na área da saúde mental. É uma área transversal do cuidado que exige a implementação das novas evidências na prática clínica. Só assim conseguimos ter outcomes muito positivos, isto é, resultados muito positivos para o doente.

Quando se fala numa área específica da especialidade, de forma podemos guiar a intervenção diferenciada nos diversos contextos? Por exemplo, na área da saúde infantil e pediátrica, como é que podemos prevenir úlceras por pressão numa unidade de neonatos? Como é que podemos prevenir as complicações cirúrgicas num serviço de pediatria? Podemos também saltar para uma situação do doente politraumatizado num ambiente extra-hospitalar. Todas estas áreas envolvem a pessoa com ferida, nos mais diversos contextos.

Em diversos contextos, o especialista tem um papel fundamental, diferenciado de todos os outros, na organização da equipa, na implementação de protocolos. Na área da saúde mental, o impacto que a ferida tem na qualidade de vida, na autoestima, na forma como a pessoa se vê no dia a dia. Doentes que têm ferida há 40 ou 50 anos, como é que gerem isto? Por exemplo, o impacto de uma queimadura na cara, o impacto na vida de uma pessoa amputada por uma lesão de pé diabético. Como é que isto vai mudar a vida das pessoas? É neste contexto que o enfermeiro especialista tem um papel fundamental, porque ele não vai apenas intervir no momento da lesão, mas sim apoiar, no ciclo de vida da pessoa, esta transição. São cuidados altamente diferenciados, que requerem, efetivamente, um conhecimento muito específico nesta área.

HN- O público-alvo são os enfermeiros?

PA- Sim, quer especialistas, quer não especialistas, e no sentido de perceber que formação acrescida nesta área vai fazer com que haja uma aquisição de competências altamente diferenciadas que vão melhorar os cuidados.

HN- Foi pensado tendo em conta as áreas de especialização do mestrado, certo?

PA- Exatamente. O objetivo é perceber que a área de feridas é trabalhada em todas as áreas de especialidade – é transversal. Claro que cada especialidade terá um domínio particular. Por exemplo, a especialidade de saúde infantil e pediatria tem uma vertente muito específica, não é espectável que possam ser outras áreas a dominar tanto.

Falamos de uma epidemia escondida. Há um número enorme, em Portugal, de pessoas com ferida crónica. O tempo médio de uma úlcera de perna, em Portugal, é cerca de 812 dias, quase três anos, em média. Imagine os custos que estão inerentes a isto, além das implicações na vida destas pessoas, das repercussões familiares e profissionais. A saúde mental preocupa-se muito com isto, como é que vamos ajudar este tipo de doentes, as expectativas de um doente que está 30 ou 40 anos com uma ferida, como é que vivem com isto. Imagine o que é dormir com alguém com uma perna constantemente molhada, dormir com alguém que tem um odor intenso.

O tratamento de feridas vai muito além do simples tratamento local da ferida. Tem implicações muito graves para a pessoa, para a família e para a própria sociedade.

HN- O tratamento de feridas é uma área bem organizada em Portugal?

PA- Cada unidade de saúde centra-se no seu problema, não há uma organização nacional. Sendo nós um país pequeno, deveríamos ter centros de excelência para uniformizarmos os cuidados e conseguirmos controlar estas complicações. Preconizamos um sistema nacional de saúde com acessibilidade e equidade, mas, na verdade, os tratamentos são distintos a norte e a sul, o acesso aos recursos é diferente a norte e a sul, mesmo as competências associadas aos profissionais de saúde são extremamente diferentes, e falta a instituição de protocolos de referenciação, de comunicação entre as unidades de saúde. Há ainda uma dificuldade muito grande em efetivar com sucesso a comunicação entre os cuidados de saúde primários e os cuidados de saúde diferenciados.

A rede nacional de cuidados continuados continua a ter muitos doentes com ferida. Como é que comunica, como é que resolve esta situação? Pensa-se que ninguém morre de feridas e é um problema que atinge sobretudo a terceira idade; portanto, acaba por ser um problema minor para a sociedade. Mas quando aprofundamos e olhamos de forma delicada, percebemos que estamos perante uma epidemia que necessita de ser olhada de outra forma, de ser reorganizada e pensada num âmbito de projeto nacional: reduzir a incidência de úlceras por pressão, reduzir a infeção no sítio cirúrgico, portanto, medidas muito claras que reduzissem o impacto negativo para os doentes e famílias, mas também os custos para o erário público.

HN- Gostaria de deixar uma nota final sobre alguma questão em particular?

R- Seria importante falar na vertente da educação. Só melhorando o conhecimento e aumentando as competências dos profissionais vamos garantir que são prestados cuidados de qualidade. Tem de partir, também, do conhecimento dos profissionais de saúde sobre como implementar as boas práticas, como fazer uma prática baseada na evidência, quais as melhores evidências que devemos implementar, como é que devemos utilizar corretamente os produtos, como é que podemos referenciar precocemente os doentes e também, quem sabe, a criação destas unidades especializadas na área de tratamento de feridas.

É aqui, no meio académico, que nós conseguimos juntar estas duas áreas (educação e investigação). Nós percebemos que há necessidade, na comunidade, relativamente à formação e implementação de novas medidas. A universidade faz investigação nesta área, sob o ponto de vista de novos modelos de cuidados, mas também no desenvolvimento de novos dispositivos médicos. Ao integrar estes profissionais em termos do ensino, vamos fazer com que esta implementação de boas práticas seja de qualidade, garantindo a excelência dos cuidados aos utentes.

Apostar na educação para conseguimos mudar o futuro dos cuidados [é a nota final]. Nós temos um centro de investigação interdisciplinar em saúde, o único a nível nacional, que se chama Wound Research Lab, que trabalha exatamente este problema das feridas. Temos investigação desde a área epidemiológica à área da prevenção e de desenvolvimento de novos dispositivos médicos. Juntarmos isto é conseguirmos, efetivamente, melhorar os cuidados aos doentes.

HN/RA