De acordo com a pneumologista da Unidade do Pulmão do Centro Clínico Champalimaud, Patrícia Garrido, existe um preconceito relacionado com a reabilitação respiratória no doente oncológico. “Pensa-se que o doente oncológico tem que ficar sossegado em casa… Mas não é assim”, explica a especialista que sublinha que há ensaios clínicos que demonstram que “um doente oncológico, com doença avançada e a fazer radioterapia, quimioterapia ou imunoterapia” beneficia deste tipo de intervenção.

HealthNews (HN)- As doenças respiratórias são uma das principais causas de morte e incapacidade em Portugal. Trata-se de patologias negligenciadas?

Patrícia Garrido (PG)- O facto de estas doenças serem de instalação indolente faz com que as pessoas só se apercebam que estão com um problema respiratório numa fase mais avançada, impedindo, assim, um diagnóstico precoce.

O Serviço de Urgência, infelizmente em muitos casos, é a porta de entrada para o diagnóstico mas deveria ser a Medicina Geral e Familiar e detetar estes doentes numa fase mais precoce da doença. Portanto, é muito importante que as pessoas tenham acesso ao seu médico de família de maneira a garantir o rastreio, a avaliação clínica, de imagem e a realização de provas de função respiratória.

HN- Quais as doenças que atualmente suscitam maior preocupação?

PG- A Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica. Muitos doentes não se apercebem da instalação da doença… Associam a tosse e a expetoração ao tabaco, considerando estes sintomas “normais”. A DPOC conduz a uma deficiência respiratória importante que provoca perda de anos de vida e de qualidade de vida. É uma doença que conduz a uma degradação multissistémica, com descompensações frequentes numa fase avançada, internamentos e um consumo de antibióticos importante.

Outra doença que nos preocupa é o cancro do pulmão. É uma doença oncológica silenciosa que tem como principal fator de risco o hábito tabágico. Seria importante aumentar a sensibilização para a cessação tabágica e garantir um programa de rastreio para o Cancro do Pulmão. Quando detetado precocemente, o cancro do pulmão pode ter um melhor prognóstico, com menor impacto para o doente, não esquecendo a “toxicidade financeira” para a sociedade.

HN- Qual o papel da reabilitação respiratória neste tipo de doenças?

PG- Há cada vez mais estudos científicos que demonstram o benefício da reabilitação respiratória em qualquer fase da doença. A reabilitação respiratória acaba por ser uma intervenção adequada para todos os doentes cuja doença impacte de forma negativa a qualidade de vida. No caso da DPOC, estes programas permitem reduzir os sintomas como a fadiga, dor, dispneia; previne o declínio da capacidade física, ajuda a uma boa drenagem das secreções, evitando infeções respiratórias de repetição; garante treino dos músculos respiratórios e dos membros superiores essenciais para a qualidade de vida dos doentes.

Na parte oncológica, há um preconceito relativamente ao uso da reabilitação respiratória. Pensa-se que o doente oncológico tem que ficar sossegado em casa… Mas não é assim. A reabilitação respiratória, no cancro do pulmão, não está apenas limitada a um processo pré ou pós operatório. Está cada vez mais provado que um doente oncológico, com doença avançada e a fazer radioterapia, quimioterapia ou imunoterapia pode fazer reabilitação respiratória com melhoria na qualidade de vida comprovada em estudos publicados na literatura.

HN- Para além dos benefícios físicos, a reabilitação respiratória tem benefícios psicológicos.

PG- Sem dúvida. No caso da DPOC e no Cancro do Pulmão, a reabilitação respiratória ajuda o doente a adaptar-se a sua doença. Ao ser feita com o acompanhamento de outros doentes e especialistas, como psicólogos, nutricionistas e fisioterapeutas, acaba por ser muito motivador.

HN- De acordo com a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, menos de 0,5% dos doentes com indicação para reabilitação respiratória têm acesso a programas. Como olha para estes dados? O que é preciso ser feito para contrárias estes números?

PG- Olho com muita preocupação. Considero que há um vasto leque de doentes que podem beneficiar da reabilitação respiratória e que não têm acesso, quer por falta de Centros especializados fora do meio hospitalar, quer por ausência de consciencialização de que existem estes programas, quer por preconceito de que estes doentes devem permanecer sossegados porque se cansam.

HN- A não comparticipação da reabilitação respiratória não poderá ser também um fator que impede o acesso dos doentes a este tipo de intervenção?

PG- Sim. A não comparticipação por parte dos subsistemas de saúde afasta muitos doentes. Sabemos que o SNS está sob pressão e nem sempre é possível chegar a todos os doentes. Portanto, se houvesse uma maior preocupação por parte das seguradoras e ADSE de permitir a comparticipação de programas de reabilitação, haveria mais doentes a beneficiar deste tipo de intervenção.

Uma maior aposta na reabilitação respiratória iria significar ainda menos doentes a faltar ao trabalho, menos internamentos devidos às descompensações das suas patologias respiratórias, e menos polimedicação.

HN- Uma nota final

PG- Toca a mexer! É importante que os doentes procurem o seu médico de família e o seu pneumologista e questionem se, no seu caso, faria sentido ou não integrar o programa de reabilitação respiratória.

Por último, penso que é importante frisar que a educação para a saúde respiratória é essencial para se poder dar a volta a este preconceito sobre o benefício da reabilitação respiratória. Esta não é apenas para os doente pré e pós cirúrgicos. É para todos o doente respiratório crónico.

Entrevista de Vaishaly Camões