Os miomas surgem nos úteros de dois milhões de portuguesas. São tumores benignos com prevalência elevada, sobretudo em mulheres em idade fértil, podendo atingir os 70% nas mulheres à volta dos 50 anos.

O impacto da doença ultrapassa as consequências da hemorragia menstrual abundante e da dor ou compressão pélvica, podendo levar a outros quadros com influência na saúde física e psicológica, nomeadamente infertilidade, complicações obstétricas, perturbação na vida sexual da mulher e absentismo laboral.

Falámos sobre esta doença com Maria Geraldina Castro, ginecologista e membro do Núcleo de Ecografia Ginecológica da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.

Que tipo de miomas uterinos existem? Têm vários níveis de gravidade?

Os miomas são tumores benignos com origem nas células musculares lisas da parede uterina, o miométrio. Eles são classificados de acordo com a sua localização no útero. Os miomas intramurais estão localizados dentro das paredes do útero, os subserosos crescem para fora do útero, na pélvis e os submucosos crescem para a cavidade uterina, isto é, para dentro do útero. A gravidade depende dos sintomas que provocam e esta sintomatologia vai depender do número, dimensão e localização dos miomas. Podem ser mais graves se de maiores dimensões. Os miomas submucosos associam-se mais vezes a hemorragias uterinas abundantes, infertilidade e abortos. Os miomas subserosos associam-se a dor e a sintomas compressivos dos órgãos adjacentes, como a bexiga e o reto.

Quais as causas mais comuns para o seu aparecimento?

Estão identificados vários fatores de risco para o desenvolvimento dos miomas. Eles são mais comuns, em maior número e de maiores dimensões na raça negra. Outros fatores de risco incluem a idade, obesidade, nuliparidade (mulher que nunca teve filhos), hipertensão arterial, menopausa tardia, início da menstruação antes dos 10 anos de idade, história familiar de miomas. O impacto da dieta, exercício, tabaco, álcool, stress e outros fatores ambientais ainda está mal definido, mas parece que o álcool e as carnes vermelhas aumentam o risco de miomas. As causas do seu aparecimento ainda não estão totalmente esclarecidas. Os estudos sugerem alterações genéticas e a exposição prolongada aos estrogénios e progesterona como fatores envolvidos na sua génese. 

Afetam de igual forma mulheres de todas as idades?

Os miomas são mais frequentes na mulher em idade reprodutiva. A sua prevalência é de 20 a 40% nas mulheres em idade reprodutiva e chega aos 70-80% aos 50 anos. Uma vez que são tumores que respondem ao estímulo das hormonas sexuais, são raros antes da idade do início da menstruação e tendem a regredir na menopausa.

Uma mulher com esta patologia pode engravidar?

Sim, a mulher com miomas pode engravidar. No entanto, os miomas podem associar-se a infertilidade, particularmente quando crescem para o interior da cavidade uterina, e há maior risco de aborto. Eles tendem a aumentar as suas dimensões durante a gravidez e podem surgir diversas complicações obstétricas, tais como parto pré-termo, parto por cesariana, hemorragia durante a gravidez, restrição de crescimento intra-uterino, descolamento de placenta e hemorragia pós-parto, entre outras. É assim necessário uma vigilância adequada da gravidez. Por outro lado, em alguns casos, os miomas podem não ter qualquer impacto na gravidez.

Quais os sintomas mais comuns?

Os miomas são sintomáticos em cerca de 40% dos casos. Quando surgem sintomas, estes irão depender da localização, número e tamanho dos miomas. Os sintomas mais comuns são a hemorragia uterina anormal, habitualmente sob a forma de hemorragia menstrual abundante e a dor pélvica. Muitas vezes, a hemorragia condiciona uma anemia, podendo provocar fadiga, tonturas e palidez. Os miomas podem também manifestar-se com sintomas compressivos, como sensação de peso pélvico, distensão abdominal, dor abdominal, pélvica ou na região lombar. Em alguns casos podem provocar dores menstruais, dor nas relações sexuais, sintomas referentes à bexiga e ao intestino, tais como, frequência urinária elevada e urgência urinária e obstipação.

Como se faz o diagnóstico?

O diagnóstico pode ser realizado ao exame físico, pela palpação abdominal e pélvica e ao exame ginecológico, quando o útero se apresenta aumentado de volume. A ecografia é o exame de eleição no diagnóstico dos miomas por se tratar de um exame com excelente sensibilidade para a deteção dos miomas. Habitualmente a ecografia com sonda vaginal é o exame preferencial, podendo ser necessário complementar o exame com a sonda abdominal. A histerossonografia, um exame no qual se instila líquido na cavidade uterina e se visualiza ecograficamente, permite, quando necessário, definir melhor os miomas submucosos. Também a histeroscopia, exame em que se visualiza diretamente o interior da cavidade uterina com uma câmara, permite uma melhor avaliação dos miomas submucosos. A ressonância magnética poderá ser usada em situações particulares, nomeadamente quando existe necessidade de um mapeamento mais exato de miomas múltiplos antes de uma cirurgia, quando existem dúvidas no diagnóstico diferencial com outras patologias e na avaliação prévia a um tratamento destrutivo de miomas, nomeadamente, a embolização das artérias uterinas.

Os tratamentos são eficazes e conseguem atenuar os sintomas?

O tipo de tratamento vai depender do número, tamanho e localização dos miomas, assim como, da idade da mulher, sintomas associados, desejo de preservação do útero, da fertilidade, suas preferências individuais e disponibilidade do tratamento. Atualmente existem várias opções terapêuticas, nomeadamente o tratamento médico, cirúrgico e os procedimentos minimamente invasivos de radiologia de intervenção. 

O principal objetivo do tratamento médico é o controlo dos sintomas. Existem atualmente diversos fármacos disponíveis, hormonais e não-hormonais, com diferentes níveis de eficácia. No grupo dos não-hormonais, os anti-inflamatórios não esteróides (AINEs), como por exemplo, o ibuprofeno ou o naproxeno, podem reduzir o fluxo menstrual e a dor provocada pelos miomas, no entanto, têm um uso limitado no tempo e a sua eficácia no controlo da hemorragia é relativamente baixa. O ácido tranexâmico, um agente antifibrinolítico que estabiliza a formação de coágulos, reduz as perdas sanguíneas de forma mais significativa que os AINEs, mas também tem um uso limitado no tempo e não pode ser usado na doença tromboembólica ativa. Os tratamentos hormonais incluem os contracetivos hormonais combinados, sob a forma de comprimidos, anel vaginal ou sistema transdérmico. Reduzem a hemorragia, têm um efeito contracetivo concomitante e podem ser usados em tratamentos prolongados. O dispositivo intra-uterino libertador de levonorgestrel (DLIU) provoca redução da hemorragia menstrual, podendo mesmo causar amenorreia (ausência de menstruação), este dispositivo é mais eficaz no controlo da hemorragia do que os fármacos previamente descritos, tem efeito contracetivo e pode ser usado a longo prazo. O acetato de ulipristal é um fármaco que provoca um rápido e excelente controlo da hemorragia e uma redução da dimensão dos miomas. No entanto, devido à toxicidade hepática, atualmente o seu uso está aprovado, mas com restrições. Os agonistas da hormona libertadora de gonadotrofinas (GnRH) são fármacos injetáveis que bloqueiam a produção das hormonas sexuais, induzindo um estado temporário de menopausa. São usados para parar a hemorragia e diminuir o tamanho dos miomas, em particular na preparação antes do tratamento cirúrgico. No entanto, só podem ser usados durante 6 meses, devido aos efeitos adversos como os afrontamentos e perda de massa óssea. Também têm a desvantagem de aumentar a hemorragia nos primeiros dias do seu uso e dos seus efeitos benéficos reverterem após o término do tratamento. Recentemente foi comercializado em Portugal um novo fármaco para controlar a hemorragia e dor pélvica provocadas pelos miomas. O relugolix, um antagonista da GnRH, bloqueia a produção das hormonas sexuais, induzindo, tal como os agonistas da GnRH, um estado temporário de menopausa. Para evitar os efeitos laterais acima referidos com os agonistas da GnRH, foi concebido um medicamento composto por relugolix associado a duas hormonas, o estradiol e a noretisterona. De toma oral diária, ele pode ser usado no tratamento a longo prazo da hemorragia menstrual abundante e dor associada aos miomas. Apresenta uma redução significativa da hemorragia, com altas taxas de amenorreia e uma diminuição do volume uterino, com melhoria da qualidade de vida da mulher. Como tem as duas hormonas associadas, não tem impacto significativo na saúde do osso, nem na sintomatologia vasomotora e, como tal, permite um tratamento prolongado.

Também se tem observado avanços na radiologia de intervenção, com o desenvolvimento de novos procedimentos para o tratamento dos miomas uterinos, como a embolização das artérias uterinas e o ultrassom guiado por ressonância magnética de alta frequência (MRgFUS). São procedimentos minimamente invasivos, que evitam a cirurgia e preservam o útero, com curta estadia hospitalar, rápida recuperação e menos complicações comparativamente às opções cirúrgicas. No entanto, apresentam elevadas taxas de recorrência dos miomas com necessidade cirúrgica subsequente. Além disso, não existe evidência científica suficiente sobre o seu impacto na fertilidade futura, pelo que o desejo de uma gravidez ainda é uma contra-indicação relativa a estes procedimentos. 

Entre as opções cirúrgicas disponíveis, existe a miomectomia, que consiste na remoção cirúrgica do mioma, mantendo o útero intacto. Esta cirurgia é recomendada nas mulheres que pretendem preservar a sua fertilidade ou o seu útero. No entanto, nem todas as mulheres são boas candidatas a este tipo de cirurgias, sendo necessário avaliação médica, caso a caso. Para além disso, cerca de 15 a 30% dos miomas recorrem após miomectomia e serão submetidas a uma histerectomia ao fim de 5 a 10 anos. Por último, a histerectomia consiste na remoção completa do útero, sendo o tratamento definitivo dos miomas uterinos. É reservada às situações que não resolveram com outros tratamentos, para mulheres que não pretendem preservar o útero, nem a fertilidade. A escolha do tratamento deve ser discutida detalhadamente com a paciente, que deverá estar bem informada das suas opções e riscos, para assim ser envolvida numa decisão partilhada e consciente com o seu médico.

Qual a prevalência em Portugal?

Os miomas uterinos afetam cerca de 2 milhões de mulheres em Portugal. Estima-se que 1 em cada 4 mulheres em idade reprodutiva tem miomas uterinos e 8 em cada 10 mulheres apresentam miomas uterinos ao atingir a idade da menopausa.