A microbiota vaginal integra a comunidade de microrganismos que naturalmente residem na vagina. Estes incluem uma variedade de bactérias, fungos e outros microorganismos que desempenham um papel importante na saúde vaginal. Em entrevista exclusiva ao Healthnews, a Dra. Catarina Peixinho, ginecologista do Hospital Pedro Hispano, da ULS Matosinhos, aborda a estratégia de promoção de um equilíbrio saudável da microbiota vaginal através do uso de probióticos, microorganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, podem conferir benefícios à saúde do hospedeiro. Já em relação à saúde vaginal, os probióticos podem ajudar a manter o equilíbrio saudável da microbiota vaginal, prevenir infeções, reduzir odores desagradáveis e até mesmo aliviar sintomas de infeções bacterianas ou fúngicas.

HealthNews (HN) – Qual o papel que desempenha a microbiota vaginal em mecanismos fisiológicos humanos? Como é composta a microbiota vaginal?

Dra. Catarina Peixinho (CP) – A microbiota vaginal, ou flora vaginal, consiste em centenas de bactérias (a espécie bacteriana dominante é o Lactobacillus spp) e em menor número, fungos (Candida), que habitam a vagina. A composição da microbiota vaginal varia segundo a idade, mudando radicalmente desde a infância, idade adulta até à menopausa. Esta é influenciada por múltiplos fatores, intitulando-se como uma comunidade dinâmica. Dessa forma, está sujeita à influência de fatores onde se incluem a origem étnica, hormonas sexuais (nomeadamente durante a menstruação e gravidez), a contraceção hormonal, o comportamento sexual, higiene íntima, dieta, tabagismo e a genética. Paralelamente, a flora vaginal é influenciada pela sua localização, isto é, a proximidade entre a vagina e o ânus, sendo que as bactérias do ânus podem colonizar a vagina provocando alterações patológicas.

HN – O que é a disbiose e como se pode prevenir?

CP – Quando a composição da microbiota vaginal se encontra desequilibrada, temos aquilo a que chamamos “disbiose”. A disbiose vaginal ocorre quando os Lactobacillus perdem a sua predominância, favorecendo a proliferação de microrganismos oportunistas, manifestando-se por corrimento vaginal, comichão (prurido) e ardor, mau odor, mas também pode ser assintomática. Os principais fatores responsáveis pela disbiose da microbiota vaginal são:

  • alterações hormonais (por exemplo, a menopausa associada à queda de estrogénios e por sua vez de Lactobacillus, afetando a flora vaginal)
  • stress
  • higiene excessiva (uso de sabonetes íntimos, irrigações/ duches vaginais)
  • terapêutica com antibióticos
  • doenças que afetam a imunidade
  • tabagismo
  • álcool
  • má alimentação, com uma dieta rica em gorduras, carboidratos refinados.

Uma disbiose vaginal é associada a:

  • vaginose bacteriana
    • verificando-se uma diminuição significativa de Lactobacillus produtores de ácido lático e sobrecrescimento de outras bactérias patogénicas, como Gardnerella spp , Atopobium spp., Prevotella spp. e Mobiluncus spp.
  • Candidíase
    • o desenvolvimento de candidíase vulvovaginal é geralmente atribuído a um desequilíbrio entre a colonização vaginal e o ambiente do hospedeiro por alterações fisiológicas ou não fisiológicas
  • Maior risco de parto prematuro

É essencial cuidar da microbiota vaginal. A higiene íntima diária é crucial para prevenir a disbiose. A lavagem externa da vulva com um gel íntimo adequado ajuda a reduzir a acumulação indesejada de secreções vaginais, suor, urina e contaminantes fecais. Para melhorar a microbiota vaginal existem substâncias como os probióticos que ajudam a reduzir ou corrigir de forma segura os desequilíbrios da mesma, podendo ser administrados através da vagina ou por via oral. Ajudam a reequilibrar a flora vaginal, a atenuar os sintomas e a reduzir o risco de recorrência de várias infeções vaginais.

HN – Como se processa a colonização bacteriana e subsequente infeção? A adesão à mucosa vaginal é um parâmetro relevante?

CP – Como referi previamente, a flora vaginal é influenciada pela sua geografia, isto é, pela proximidade com o ânus favorecendo a entrada de bactérias para a vagina e dessa forma, o surgimento de infeção vaginal. Também os Lactobacillus presentes ajudam a manter um ambiente vaginal saudável através da acidificação do pH vaginal (pH vaginal 3.8 – 4.5), inadequado para muitos microrganismos patogénicos. Contribuem para proteção da microbiota vaginal através da competição com microrganismos patogénicos e libertação de substâncias antibacterianas, bloqueando a sua propagação e dessa forma, impedem que esses se instalem na vagina. Portanto, a microbiota vaginal funciona como uma barreira, tornando difícil aos agentes patogénicos implantarem-se nas paredes vaginais. Quando os Lactobacillus se encontram em desequilíbrio, estas barreiras são ultrapassadas e facilmente surge uma infeção vaginal.

HN – Qual o papel das substâncias antimicrobianas na imunomodulação? O que são e qual a função dos biossurfactantes?

CP – Os Lactobacillus inibem também o crescimento de outras espécies de microrganismos através da produção de peptídeos antimicrobianos, com função bactericida e bacteriostática. Estas substâncias desempenham um papel importante para a exclusão competitiva ou inibição da invasão por outras bactérias.

Adicionalmente, existe ainda produção de surfactantes, que são outro grupo de proteínas com ação antimicrobiana. Essas proteínas dificultam a adesão bacteriana. Os surfactantes não são produzidos exclusivamente por microrganismos pertencentes à microbiota vaginal, mas também pela mucosa vaginal, que para além de contribuir para a diminuição da adesão bacteriana, constitui um componente integral da imunidade vaginal.