O que é o melanoma? Qual o impacto deste tipo de cancro da pele em termos de incidência no nosso país?

O melanoma é um cancro da pele que se origina a partir dos melanócitos, um dos vários tipos de células que constituem a nossa pele e cuja função é produzir melanina, o pigmento responsável pelo tom da pele, mais ou menos bronzeado. Em Portugal temos uma incidência de cerca de 1.000 casos de melanoma por ano, correspondendo a menos de 5% dos casos de cancro cutâneo. Apesar desta baixa incidência, é o cancro cutâneo que mais nos preocupa, porque ao contrário dos outros cancros de pele, atinge muitos adultos jovens e tem maior capacidade de se propagar para outros órgãos se não for detetado precocemente. Felizmente, apesar de se verificar uma incidência crescente, a cirurgia cura cerca de 85% dos casos se detetados em fase precoce. Para os restantes 15%, é uma doença que pode ser fatal e daí a importância da prevenção!

O melanoma está associado a algum grupo de risco?

A exposição solar é um dos principais fatores de risco para o aparecimento do melanoma, sobretudo a exposição intermitente e intensa ao sol, ou seja, as queimaduras solares. Um grupo de risco preocupante são as crianças e adolescentes, cuja exposição excessiva, o famoso escaldão, condiciona um risco aumentado ao longo da vida de desenvolver mais nevos cutâneos (vulgo “sinais”) e eventualmente cancro de pele. As pessoas que passam muito tempo ao sol, especialmente quem tem pele clara, que queima facilmente, ou aquelas que sofreram queimaduras solares graves na infância, têm um risco aumentado. As pessoas com cabelos loiros ou ruivos e olhos claros têm um risco ligeiramente maior. No entanto, reforço que qualquer pessoa pode ter melanoma, dado que ele surge mesmo em áreas não expostas ao sol.

Além das áreas expostas ao sol, o melanoma pode desenvolver-se em locais do corpo menos expostos ao sol?

De facto, o melanoma da pele é o mais frequente, e pode aparecer em qualquer localização, incluindo em áreas não expostas ao sol como por exemplo, as plantas dos pés, palmas das mãos e debaixo das unhas. Mas existem outras localizações fora da pele, muito mais raras, como nas mucosas que revestem o interior do nariz e de todo o aparelho gastrointestinal, desde a boca até à região perianal e também na mucosa do aparelho genital. Outro local onde o melanoma pode aparecer é no interior do olho, chamada coroide. Todos estes locais são mais difíceis de inspecionar pela própria pessoa, por isso são melanomas diagnosticados mais tardiamente, muitas vezes em fase sintomática com alterações da visão ou hemorragias, o que lhes confere um pior prognóstico.

Além da exposição solar, existem outros fatores de risco associados ao desenvolvimento de melanoma?

As pessoas que têm muitos sinais adquiridos ao longo da vida (>50) ou que tenham muitos nevos atípicos ou nevos congénitos gigantes têm maior risco. Também quem já teve cancro de pele ou familiares diretos com história de melanoma tem risco aumentado.

Paula Ferreira, Assistente Hospitalar Graduada de Oncologia Médica no Instituto Português de Oncologia do Porto.
Paula Ferreira é Assistente Hospitalar Graduada de Oncologia Médica no Instituto Português de Oncologia do Porto.

A pele dá-nos sinais de alerta. Quais são?

O melanoma pode surgir de novo ou desenvolver-se num “sinal” pré-existente, sendo esta última situação, ao contrário do que se pensa, a menos frequente. É importante estar atento ao aparecimento de novos sinais ou mesmo manchas escuras nas unhas e prestar atenção a qualquer alteração na aparência dos “sinais” antigos. Lembrar também o sinal do "patinho feio", que se baseia no fato do melanoma ter um aspeto diferente de todos os outros “sinais” circundantes. Importa lembrar que todos temos sinais, a grande maioria sem qualquer risco oncogénico. O melanoma também pode manifestar-se de outras formas, incluindo lesões que parecem feridas que não cicatrizam ou então nódulos ou protuberâncias na pele.

Como evoluem estes sinais ao longo do tempo?

Muitas vezes um “sinal”, mancha ou lesão muda de tamanho, forma, cor ou começa a sangrar ou causar comichão ou desconforto. Uma ferramenta que nos pode ajudar a valorizar estas alterações, é a regra do ABCDE - ver se o “sinal” é Assimétrico, se tem Bordos irregulares, Coloração heterogénea/mudança de cor, ou Diâmetro superior a 6mm e/ou se apresenta Evolução/mudança de qualquer uma das anteriores caraterísticas.

De que forma podemos vigiar a nossa pele para reconhecer estes sinais? E qual a periodicidade em que o devemos fazer?

Dado que a pele é visível aos nossos olhos, a nossa responsabilidade de prestar atenção às mudanças parece ser maior, por isso o autoexame deve ser realizado como rotina. Devemos inspecionar com regularidade a nossa pele, não esquecendo as costas e couro cabeludo, que são áreas de difícil acesso visual e se necessário usar espelhos ou a ajuda de outra pessoa. Poderá ser realizada fotografia digital para registo e melhor comparação e alerta para lesões novas ou em transformação. Mudanças suspeitas ou qualquer um dos sinais de alerta, deve levar a consultar um profissional de saúde, preferencialmente um dermatologista, para avaliação adequada. As pessoas que possuem uma carga névica muito elevada (> 50 “sinais”) devem ser seguidas regularmente por um Dermatologista. Da mesma forma se houver história familiar de melanoma é importante informar o médico de família, de forma a realizar exames de pele mais frequentes.

Os dias ensolarados convidam-nos a aproveitar ao máximo as atividades ao ar livre. Como podemos aproveitar estes dias com responsabilidade?

Devemos aproveitar ao máximo as atividades ao ar livre, mas estabelecendo uma relação saudável com o sol, procurando horas de exposição solar adequada (evitar a exposição entre as 11h e as 16h), procurar sombras, usar vestuário adequado (roupas de proteção, como camisas de manga longa e chapéus de abas largas), não esquecendo os óculos de sol com proteção UV. Devemos aplicar protetor solar com fator de proteção solar (FPS) adequado, pelo menos FPS 30, com renovação adequada ao longo do dia. Devemos prestar atenção especial às nossas crianças, reforçando que o protetor solar não colmata a exposição excessiva entre as 11h e as 16h, sobretudo na praia e piscinas, onde a água falseia o calor excessivo.

Quais as estratégias de prevenção que podem ser adotadas para reduzir o risco de desenvolver melanoma?

É importante desenvolver estratégias educativas, para evitar comportamentos de risco ou modificar condições de exposição às radiações solares, sobretudo para determinados grupos-alvo. Por exemplo, as crianças, desde tenra idade, devem ser alertadas para os riscos desta doença e sobre a importância da proteção solar. Também os adultos jovens devem ser incentivados a manter uma relação saudável com o sol nas suas atividades desportivas e de lazer, desincentivando-os inclusivamente a utilizar os solários que são comprovadamente carcinogénicos. É importante também promover a deteção precoce, através da publicitação da importância da realização do autoexame regular. A comunicação social, bem como os profissionais de saúde, incluindo, médicos, enfermeiros e farmacêuticos, os profissionais de educação e mesmo outros profissionais, como massagistas e cabeleireiros, todos são peças cruciais na promoção de comportamentos saudáveis na exposição solar e na necessidade e vantagens do autoexame.

Gostaria de deixar alguma mensagem adicional?

Como médica oncologista, desde há 20 anos que trato a população não curada pela cirurgia e não é fácil cuidar de quem padece de doença avançada. Por isso, é essencial educar para a saúde e prevenção das doenças em geral e do melanoma em particular. Temos a responsabilidade de reduzir a mortalidade e morbilidade desta doença, promovendo informação adequada sobre a sua prevenção.

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