São conclusões do inquérito a mil pessoas da Associação Portuguesa de Fertilidade (APFertilidade), da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução (SPMR) e da Merck, realizado entre abril e maio deste ano e analisado nesta entrevista por Joana Freire, da APFertilidade.

HealthNews (HN)- O inquérito revela um desconhecimento generalizado sobre a saúde reprodutiva. Quais os dados mais alarmantes ou que merecem destaque?

Joana Freire (JF) – O mais alarmante foi o desconhecimento sobre quando começa a diminuir a capacidade reprodutiva da mulher. Ainda que 33,2% tenha indicado os 35 anos, 34,3% considera que só a partir dos 40 é que a fertilidade feminina diminui, havendo mesmo mais de 10% que acredita ser depois dos 45.

Essa perceção, que só mais tarde a mulher começa a apresentar dificuldades em engravidar, revela que parte da população acredita que um casal pode adiar o seu projeto de parentalidade, o que está longe de ser o indicado. A partir dos 35 anos, a qualidade e quantidade de óvulos são afetadas progressivamente, e em muitos casos é necessário recorrer a tratamentos de procriação medicamente assistida.

HN – Como é que se explica esta realidade? O que é que falha em Portugal?

JF – Essa realidade explica-se com o facto de cada vez mais as mulheres adiarem a maternidade, devido a fatores económicos e sociais. No intervalo de idade em que é expectável que a saúde reprodutiva da mulher esteja no seu melhor, entre os 20 e os 25 anos, muitas não encontraram ainda um companheiro com o qual queiram constituir família, a situação profissional é incerta ou encontram-se numa fase de progressão da carreira incompatível com o ser mãe. Também as dificuldades financeiras e a instabilidade que provocam levam a que as mulheres esperem para assegurar os cuidados necessários aos seus filhos.

Perante esta realidade, e a de que desconhecem a partir de quando o seu corpo começa a ter dificuldades em chegar a uma gravidez, a fertilidade pode ficar comprometida e ser necessária a intervenção médica.

HN – Neste estudo, o que é que a surpreendeu mais?

JF – Que a maioria dos inquiridos tenha ouvido falar de infertilidade pela comunicação social e não pelos profissionais de saúde. Ainda que não existam indicações para uma dificuldade em engravidar, os casais não estão a ser sensibilizados para as questões que envolvem a fertilidade, como o risco de adiar a parentalidade ou a análise da sua saúde reprodutiva.

A comunicação social assume o papel informativo, quando deveria ser nos centros de saúde ou nas consultas de ginecologia ou urologia que a população deveria ser alertada para estas questões. Também as escolas, numa fase mais precoce, poderiam incluir nos currículos de algumas disciplinas a sensibilização para a prevenção e preservação.

HN – De que forma pode a Associação Portuguesa de Fertilidade ajudar a educar os portugueses para a prevenção e tratamento da infertilidade? E o sistema de saúde?

JF – Desde a sua fundação, em maio de 2006, que a APFertilidade trabalha no sentido de sensibilizar e informar a sociedade que há uma doença que se chama infertilidade, que é possível tentar impedi-la, tal como é possível preservar a fertilidade. Nesse sentido, temos desenvolvido campanhas ao longo dos anos a sublinhar a importância da doação de gâmetas, de que existem doenças cujas características podem interferir com a fertilidade, como é o caso da endometriose ou anomalias genéticas, ou o tratamento em doentes oncológicos. Estas ações são desenvolvidas não só para a população adulta, mas também nas escolas, onde nos temos deslocado para sublinhar que não existe apenas saúde sexual ou prevenção da gravidez, mas também a necessidade de ter uma vida com hábitos de consumo e atividade física equilibrados.

HN – Atualmente, quais são as principais preocupações da associação?

JF – Que a doença infertilidade tenha a mesma importância e cuidado que outras doenças abrangidas pelo apoio do Sistema Nacional de Saúde. Atualmente, a distribuição geográfica dos centros de apoio à fertilidade continua a excluir a população na zona Sul do país e Açores; os profissionais de saúde da área da Procriação Medicamente Assistida (PMA) integram as escalas da PMA, Ginecologia e Obstetrícia; não existem infraestruturas e equipamentos adequados nos centros públicos; o número de dadores de gâmetas nas unidades do SNS é insuficiente para dar resposta aos casos em que os tratamentos com recurso à doação de óvulos ou esperma podem ser a única possibilidade de mulheres e homens serem pais.

HN/RA