Para este artigo, peço emprestado o nome do filme realizado por Alex Proyas em 2004 e protagonizado por Will Smith, numa antevisão de um futuro (2035) em que as máquinas serviam os humanos mas em que estas acabam por se revoltar contra os seus criadores.

É um de tantos filmes e livros que exploraram este tema que, cada vez mais, tem transposto a barreira da ficção para habitar o nosso quotidiano.

Muito se tem falado e escrito sobre o papel da inteligência artificial na Medicina, discussão agora mais incendiada pela introdução das novas ferramentas de escrita e pelo seu potencial impacto no nosso mundo, pela crescente utilização de assistentes virtuais, pelo risco de extinção de milhares de postos de trabalho, enfim, toda uma nova realidade que, como tudo o que é novo, nos assusta, nos faz recuar e gera em nós um sentimento de rejeição.

Já escrevi também sobre as inegáveis vantagens da inteligência artificial no campo da Medicina, permitindo, por exemplo, a leitura e interpretação de exames do fundo ocular no contexto da retinopatia diabética, de estudos imagiológicos do pulmão ou a avaliação de exames histológicos, com uma rapidez e uma fiabilidade verdadeiramente impressionantes e, em muitos casos, com uma acuidade superior à obtida pelos profissionais de saúde.

Como tal, é impossível não reconhecer e não aceitar estas novas ferramentas que tornam o nosso trabalho mais célere, mais seguro e, portanto, melhor para os nossos pacientes.

Num trabalho recentemente desenvolvido no Hospital Brigham and Women’s, em Boston, deu-se um passo em frente e testou-se a reacção dos utentes à interacção com robots em algumas áreas relacionadas com a sua saúde. Por exemplo, estas máquinas podem dispor de sensores para avaliar a temperatura corporal, a frequência cardíaca e respiratória ou a saturação de oxigénio e enviar essa informação para o enfermeiro ou médico.

Outra vantagem, nascida da era Covid, seria a redução das interacções entre humanos, e consequente redução do risco de contágio, e uma economia significativa em equipamentos de protecção.

Neste trabalho, realizado no Serviço de Urgência do referido Hospital, e num outro a uma escala nacional, os investigadores verificaram que a maioria dos inquiridos se sentia aberto a verem a sua triagem ser realizada por um robot, a este executar manobras como a colheita de uma zaragota, colocação de um cateter ou posicionar o doente na cama.

Aliás, a maioria dos participantes considerou que a interacção com os robots foi semelhante à interacção com um profissional de saúde de carne e osso.

A intenção deste tipo de trabalho é, sem dúvida, nobre: permitir que os robots maximizem a segurança tanto dos pacientes como das equipas de Saúde.

Obviamente, as dúvidas que se colocam são colossais nos planos científico, clínico, deontológico e ético. Se algo correr mal quem assume a responsabilidade?…

Mas não deixa de ser curioso o resultado deste estudo. Numa área tão sensível como a saúde, a possibilidade de ser interrogado, testado e mobilizado por uma máquina foi bem aceite. Serão estes resultados extrapoláveis? Fará sentido perseguir este caminho?

É importante manter sempre a mente bem aberta. Do mesmo modo que a inteligência artificial, ao disponibilizar e processar em tempo real milhões de bases de dados, permite análises e respostas tremendamente rápidas, reduzindo tempos de espera, minimizando o erro e permitindo melhorar a qualidade de vida das populações, é merecedora de avaliação, reflexão e investigação, o potencial uso de robots para a realização de tarefas devidamente identificadas e enquadradas e sempre sob supervisão humana é um campo que pode e deve ser explorado

Um dos grandes, e ainda mal avaliados, riscos da inteligência artificial é o seu potencial de se auto-alimentar e de poder adquirir algo semelhante a uma consciência e um sentido crítico que podem evoluir para um sentimento de autonomia e de superioridade face aos humanos. O filme referido aborda esse cenário. Toda a cautela e ponderação serão sempre cruciais de modo a que a Humanidade não se torne o elo mais fraco neste modelo de evolução nada Darwiniano.

Entendo, e penso que não irei mudar, que o factor humano é a chave e a essência da Medicina, mesmo com toda a sua subjectividade e tendência para o erro. O afecto, o olhar, o toque são das armas terapêuticas mais poderosas que conheço e retirá-las da equação seria um erro sem sentido.

Assumo, portanto, um olhar optimista perante o futuro. A tecnologia tem sido um dos maiores motores do avanço médico e irá continuar a sê-lo, sob diferentes modelos e estratégias.

Contudo, o “I (medical) Robot” será sempre um exercício parcial e complementar à actividade médica, devendo esta ser sempre o apanágio das células e não dos chips, do pensamento complexo e não binário, dos homens e não das máquinas.

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