Gastrenterologistas, hepatologistas e diversos especialistas ligadas à saúde do aparelho digestivo reúnem-se entre 4 e 6 de junho no Centro de Congressos do Estoril com o objectivo de analisar, avaliar e discutir o presente e futuro da saúde digestiva em Portugal.
Destaque para temas da atualidade como os avanços no tratamento da infeção pelo vírus da hepatite C e a alteração da microbiota na origem de alguns distúrbios funcionais do intestino. A microbiota é o tema escolhido pela World Gastroenterology Organisation (WGO) para assinalar o Dia Mundial da Saúde do Aparelho Digestivo de 2014.
Nos últimos anos, o conhecimento da comunidade médica sobre o ecossistema microbiano que habita o intestino humano tem crescido exponencialmente. 
O hospedeiro humano fornece habitat e nutrição a um enorme e diversificado ecossistema de comunidades microbianas, desempenhando estas um papel fundamental ao nível da digestão, metabolismo e função imunológica para além do impacto significativo que têm no funcionamento do aparelho digestivo. 
As alterações da microbiota têm sido cada vez mais associadas a um número de distúrbios funcionais do intestino como a doença inflamatória do intestino, doença celíaca, doenças metabólicas como a diabetes tipo 2, obesidade, entre outras. 
"Atribui-se cada vez mais importância a este ecossistema de microorganismos que influenciam muito o equilíbrio funcional do tubo digestivo, quer na sua motilidade, quer na absorção, quer mesmo na transformação do que ingerimos", explica Leopoldo Matos, presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia (SPG).
"A evidência que temos hoje em dia é que provavelmente muitas das perturbações do nosso organismo - até aqui atribuídas a outros factores como o ambiente, os hábitos de vida, o stress urbano, qualidade de vida urbana, constituição orgânica da pessoa, etc... - são muito mais influenciadas pelo ambiente microbiológico do tubo digestivo e não tanto pelos factores a que até agora atribuíamos a responsabilidade", acrescenta o gastrenterologista. 
Os dados emergentes sobre a microbiota e a sua interacção com o hospedeiro podem levar ao desenvolvimento de novas e eficazes intervenções terapêuticas para os distúrbios funcionais do aparelho digestivo, permitindo o alívio dos sintomas, o tratamento e a prevenção destas patologias. 
No que toca ao fígado, o que nos trouxe o último ano de novo?
O fígado voltou a estar no centro das atenções da comunidade científica. Por um lado devido à  "constatação deprimente da quantidade de consumo de álcool nos jovens de idades não habitualmente consumidoras de álcool", diz Leopoldo Matos explicando que está cientificamente demonstrado que "o consumo excessivo de álcool nestas idades pode determinar perturbações futuras no fígado e interfere com a capacidade de utilização do sistema nervoso central, para além de toda a sinistralidade associada ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas". 

Conscientes deste facto, alguns países estão a aumentar a penalização ao consumo excessivo de álcool como aconteceu em Portugal com a última revisão do Código da Estrada, que diminuiu o valor do nível de alcoolémia permitido nos condutores. 
Em segundo lugar, o especialista destaca as infecções pelos vírus das hepatites B e C, que no nosso país continuam a aumentar e a induzir cirrose hepática e cancro do fígado nas populações infectadas. 
O ano que passou fica marcado por grandes avanços no tratamento da hepatite C, devido ao aparecimento de novas moléculas. 
"Registou-se um aumento significativo das hipóteses terapêuticas para a erradicação do vírus da hepatite C em quase 100% dos indivíduos que tratamos. Mais espantosas se tornam estas moléculas, quando sabemos que, atualmente, é possível tratar os doentes que tiveram recaídas, que foram não respondedores face às outras terapêuticas ou que não tiveram qualquer benefício com a terapêutica e que actualmente respondem às novas terapêuticas com valores muito próximos dos 100%", frisa o médico. 
"O paradigma da infeção pelo VHC - que passou de uma infeção crónica para uma infecção curável - com bloqueio da progressão para cirrose hepática e carcinoma hepatocelular e por outro lado a diminuição ou mesmo a erradicação do vírus nos doentes já com cirrose facilita a eficácia do transplante hepático nos doentes que dele necessitam", destaca Leopoldo Matos. 
As moléculas já aprovadas pela EMA e disponíveis em Portugal são eficazes no tratamento da hepatite C (genótipo 1) e estão já prestes a ser aprovados novos tratamentos eficazes também nos restantes genótipos do vírus da hepatite C (VHC). 

Falta de comparticipação
Progressivamente, novos tratamentos têm vindo a ser aprovados pela FDA e EMA, mas os governos estão a ter dificuldade em encontrar valores aceitáveis para os comparticipar. Sobre este assunto, Leopoldo Matos afirma que "a comunidade hepatológica e as sociedades científicas - SPG e APEF - têm colaborado com as autoridades regulamentares portuguesas para encontrar a melhor forma e mais rigorosa distribuição das verbas possíveis para que o tratamento seja concretizado em quem mais precisa e no maior número possível de doentes".
"Há que ter esperança que se encontrem formas de equilíbrio sustentável para a prescrição destas novas moléculas", conclui. 
Cancro do Cólon e Reto a aumentar
O Cancro do Cólon e Reto (CCR) está a aumentar nos países desenvolvidos e em dez anos a mortalidade por CCR duplicou. "A única forma que tem impacto na mortalidade é o rastreio de base populacional nos índivíduos em risco: pessoas  saudáveis com + 50 anos e familiares de indivíduos com cancro do intestino", sublinha o presidente da SPG.

Nos últimos anos, a Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia tem batalhado pela realização do rastreio do Cancro do Cólon e Reto junto da população portuguesa - à semelhança do que acontece noutros países da Europa - e considera que ambos os métodos (pesquisa de sangue oculto e colonoscopia) são eficazes, apesar da colonoscopia com polipectomia ser o que maior impacto tem na mortalidade. 
"O Estado estabeleceu recentemente as Convenções para a realização de colonoscopias mas a penetração de Convenções acontece de forma díspar no país. Existem áreas com grande penetração de Convenções (como é o caso do Norte do país) mas outras existem onde essa penetração diminui (Centro) ou é muito ausente (Sul)", afirma o presidente da SPG. 
Há dois objectivos principais num rastreio com colonoscopia. O primeiro é detetar cancro assintomático em fases iniciais, com um melhor prognóstico. O segundo é a deteção e remoção de adenomas com a finalidade de prevenir a evolução futura para Cancro do Cólon e Reto. O rastreio permite reduzir a mortalidade por este tipo de tumores. 
Em, Portugal, o CCR é responsável por cerca de 3.800 mortes/ano. 

Por SAPO Saúde