"Em Portugal, existem associações formais e informais de mulheres, de vários países onde existe Mutilação Genital Feminina (MGF), e é necessário que essas mulheres sejam mais ouvidas, e criar estratégias para as envolver de modo a que possam ser as vozes efetivas da mudança", disse à agência Lusa Alice Frade, da P&D Factor-Associação para a Cooperação sobre População e Desenvolvimento.

Sobretudo mulheres das comunidades de países praticantes de MGF, é "fundamental que este trabalho de empoderamento das mulheres das comunidades praticantes seja feito e perceber que estas mulheres precisam de mais conhecimentos", sublinhou.

"É fundamental que o Alto-Comissariado para as Migrações (ACM) tenha um maior envolvimento nas temáticas da MGF e dos casamentos forçados e precoces, exatamente por ser a entidade responsável por todo o trabalho e coordenação com as comunidades imigrantes", acrescentou.

A questão da MGF e dos casamentos forçados e precoces devem ser abordados, tal como a violência doméstica e os abusos infanto-juvenis, nas escolas, em vários níveis de ensino.

"Se não reforçarmos a prevenção, vamos andar sempre a proteger as vítimas e a criminalizar os agressores. Temos que garantir que não aconteça e, ao mesmo tempo, que mulheres e famílias estão confortáveis com os argumentos para dizer não à MGF", sublinhou.

200 milhões de mulheres mutiladas

Pelo menos 200 milhões de raparigas e mulheres foram vítimas de mutilação genital feminina em 30 países, revela um relatório estatístico da UNICEF, na "maior compilação" atualizada sobre aquela prática.

As mulheres das comunidades praticantes precisam saber que esta prática "não está relacionada com religião, não vão sofrer retaliações, que se quiserem ser mães podem ter uma maternidade e um parto mais seguro se não tiver uma MGF".

"É crucial perceber que a MGF não afeta apenas a saúde física, mas também mental das mulheres, bem como a sua realização e participação social", disse Alice Frade.

Por ser uma prática associada ao Islão, a investigadora destacou a importância de um trabalho de informação sobre a MGF com líderes religiosos em Portugal "das várias mesquitas espalhadas pelo país para que atualizassem os seus conhecimentos em relação à prática".

De acordo com o primeiro estudo português sobre prevalência da MGF em território nacional, a maioria dos casos registados em Portugal - 6.576 - são mulheres da comunidade imigrante da Guiné-Bissau.

O estudo foi realizado pelo CESNOVA/CICS.NOVA da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Para a investigadora, a agenda da política externa portuguesa tem que chegar aos países onde existe MGF e/ou casamentos forçados e precoces, "com disponibilidade das entidades oficiais portuguesas para que a MGF façam parte da agenda discursiva".

"É fundamental que os agentes da cooperação portuguesa - entidades governamentais ou organizações da sociedade civil - coloquem a eliminação da MGF nos discursos quando falam internacionalmente de direitos humanos, igualdade de género ou saúde feminina", disse.

Além da Guiné-Bissau, Moçambique regista, em determinadas zonas do país, 'práticas vaginais tradicionais', que não estão relacionadas com o corte dos órgãos sexuais femininos, mas com o alongamento dos pequenos ou grandes lábios.

"Quando Portugal fala na ONU, UE, CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) ou na Conferência Ibero-Americana, deve nomear crimes específicos como a MGF e não se limitar a falar globalmente de violência de género”, defendeu a investigadora.

A nível internacional, a MGF é considerada uma violação extrema dos direitos humanos. Em Portugal, a lei que autonomiza o crime da MGF e cria os crimes de perseguição e casamento forçado entrou em vigor em setembro passado. Na Guiné-Bissau, a MGF é crime autónomo desde 2011.

Portugal tem um programa de ação para a prevenção e eliminação da MGF desde 2009, coordenado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), estando atualmente em vigor o III programa de ação, parte integrante do V plano nacional de prevenção e combate à violência doméstica e de género 2014-2017.

O Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina é assinalado no sábado.