Este é o tema que a especialista vai tratar, hoje, durante o seminário “Consumo de leite e laticínios – O que pode estar a mudar”, num painel subordinado ao tema “Elogio do leite”, no qual vai explicar a relação entre o leite e a evolução do ser humano, na Europa.

“O ser humano estabeleceu-se há sete mil anos com o pastoreio. Nessa altura o adulto perdia a lactase. Houve depois uma mutação que permitiu que desdobrasse a lactose”, explicou à Lusa.

Isso significa que há milhares de anos que os europeus possuem essa enzima chamada lactase, que desdobra a lactose, e permite ao organismo processar este açúcar presente no leite, pelo que considera que “a história da intolerância ao leite está mal contada”.

Influência da indústria de produção de soja

“A mutação tem sete mil anos. E não há nenhuma mutação atual ao contrário. A intolerância é uma moda, que suspeito seja influência da indústria norte-americana de produção de soja e leite soja”, afirmou.

A médica sublinha, a propósito, que a tendência para se deixar de consumir derivados de leite também não faz sentido, visto que estes alimentos não possuem lactose.

“Quando o leite se transforma em iogurte ou queijo, mesmo para quem tenha efetivamente intolerância, deixa de haver lactose e passa a haver ácido láctico [a lactose transforma-se em ácido láctico por fermentação] e o valor nutricional mantém-se”.

Isabel do Carmo aconselha que quem suspeitar de intolerância faça testes laboratoriais para confirmar, porque o leite tem um valor nutricional como nenhum outro, sendo um alimento completo para crianças e quase completo para o adulto.

A mesma ideia defende Pedro Graça, da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, que vai moderar um debate sobre os “factos, mitos e enganos” relacionados com o consumo do leite, para quem o leite fornece “uma série de nutrientes de forma muito concentrada”.

O ponto de partida do debate será o decréscimo do consumo de leite e laticínios em Portugal e na Europa, e tentar perceber o que leva algumas pessoas a terem receio de consumir leite.

Existem três perspetivas: a saúde, com as intolerâncias, o ambiente, com o impacto que as vacas têm no consumo de energia e na produção de gases com efeito de estufa, e os direitos dos animais, com as condições em que são criados.

As questões de saúde serão as mais discutidas, porque, do ponto de vista alimentar, é um “excelente alimento”, que permite a produção de derivados e a sua utilização para diversos fins culinários, e, do ponto de vista nutricional, fornece proteínas, vitaminas e minerais de elevada qualidade e baixo valor energético - “dois copos de leite fornecem um terço das necessidades diárias de uma pessoa”.

Além disso, é possível hoje em dia extrair a gordura (saturada) do leite, reduzindo os riscos para a saúde, essencialmente cardiovasculares, associados ao seu consumo.

“O leite é também um produto relativamente barato, o que é importante numa altura de grandes desigualdades sociais. O leite é democrático, acessível a todas as bolsas”, acrescentou o também diretor do Programa Nacional de Alimentação Saudável.

O responsável lembrou que, recentemente, o leite surge associado ao risco de desenvolvimento de alguns tipos de cancro, quando há um consumo elevado e regular, mas sublinha que esta é apenas uma “hipótese de trabalho que não está validada cientificamente”.

Relativamente à intolerância à lactose, Pedro Graça salienta que sempre houve e continuará a haver, mas o especialista não tem certezas de que esteja a aumentar, a não ser que, no seu conjunto, as alergias têm vindo a aumentar.

“O que não sabemos das alergias é a relação entre o hospedeiro e as substâncias agressoras. O que sabemos é que estamos em mudança do ponto de vista ambiental. Há substâncias novas ligadas ao alimento e à produção alimentar, como conservantes e aditivos, mas também o ar que respiramos. Tudo junto pode originar um conjunto de casos”.

Para o especialista, entre prós e contras, o importante é que os consumidores tenham informação correta e possam, esclarecidamente, fazer as suas escolhas.