"Fiquei amputada da perna esquerda abaixo do joelho no instante em que fui projetada para o separador central da autoestrada quando sinalizava uma avaria no meu carro. Estive 18 dias em coma devido a um traumatismo crânio-encefálico, quatro meses internada e fui submetida a nove cirurgias nesse espaço de tempo. Entre elas, várias plastias ao coto de amputação e 2 cirurgias ao intestino como consequência de um vírus hospitalar".

É assim que Paula Cristina Gonçalves Leite, de Vila Nova de Gaia, começa por contar a sua história. Fundadora da Associação Nacional de Amputados (ANAMP),  viveu seis anos de dor física (e não só), como nos recorda, em busca de qualidade de vida e de independência.

"Após vários avanços e recuos na minha reabilitação, devido a uma amputação não funcional decidi, mesmo contra a opinião de alguns profissionais, avançar com uma amputação mais acima da anterior, para que as infeções no coto de amputação desaparecessem", explica.

Fomos conhecer Paula Cristina Gonçalves Leite.

SAPO Lifestyle (SL): O Estado não dá apoio suficiente às pessoas que sofrem este tipo de acidentes?

Paula Leite(PL): Não. O apoio primário é muito importante mas não bastam só os cuidados médicos imediatos. Os tratamentos a curto prazo têm de existir. Um apoio continuado tanto a nível físico como psicológico e social. O Estado tem que entender de uma vez por todas que por vezes não é só um braço ou uma perna que se perde. Mas uma vida profissional que se acaba e uma vida pessoal que aos poucos se desmorona. Uma vida humana que se deteriora dia após dia à espera que um dia este estado encontre a solução para ele. Mas como é do conhecimento público este Estado só é uma máquina de criar soluções quando a solução é criar problemas.

A solução é simples: aceitar a perda, fazer o luto e continuar a viver.

SL: Como aprendeu a lidar com a perda?

PL: A perda provoca uma sensação de inquietude, uma falta de serenidade e paz interior. A perda surge como um nó na garganta e um enorme aperto no peito. A solução é simples: aceitar a perda, fazer o luto e continuar a viver. Pois aceitar não é concordar com o sucedido, é muito mais que isso. É olhar a realidade e concluir: isto aconteceu e como não posso mudar o passado, só tenho de voltar os olhares e todas as minhas forças para garantir a sobrevivência do meu futuro. Eu aceitei a minha impotência naquele momento e com isso libertei-me e reforcei a minha garra a minha força e a minha fome de viver.

SL: A pergunta é um cliché. Mas, ainda assim, inevitável. Onde encontrou energia para aceitar a mudança?

PL: Encontrei energia na felicidade de estar viva. E o fator mais importante de todos que era, ver todos os dias a felicidade espelhada no rosto do meu filho e o seu olhar de orgulho quando me via a superar um novo obstáculo. Isso fez com que tivesse sempre energia extra para seguir em frente.

SL: Porque decidiu criar a Associação Nacional de Amputados (ANAMP)?

PL: A ANAMP nasceu a partir de um sonho, que como todos os sonhos se alimentam de realidades. E foi a realidade, de um complicado acidente, a falta de apoios, o facto de ter que passar por todas as fases sozinha, a falta de soluções, que me levaram, com alguns amigos, a fundar esta associação para tentar colmatar todas as lacunas existentes que nos afetam, a nós amputados, e a todos os que não o são, mas que partilham dos mesmos desejos de lutar por melhores condições e direitos.

SL: Nos estatutos da ANAMP lê-se que uma das missões é "mudar mentalidades". Como querem fazer isso?

PL: As mentalidades no que toca à deficiência só mudam com o hábito de ver para crer e isso só será conquistado com o tempo. Com ajudas e com empenho das entidades públicas e privadas e com muito suor de todos nós deficientes... As pessoas com deficiência têm de trabalhar, têm de contribuir, têm de produzir o seu próprio valor para provar aos outros, ditos “normais” que ainda cá estão e que são tão competitivos e competentes como eles. Pois se pudemos mudar os tempos, também devemos mudar as suas vontades.

SL: O que é preciso mudar? O que é preciso fazer?

PL: Tanta coisa, está tudo por fazer em relação à pessoa com amputação. Os apoios a nível moral e psicológico, o acompanhamento do doente, desde o internamento, até à sua total autonomia e integração na sociedade. Eles precisam que alguém lhes diga que o mundo não acabou porque se perdeu um membro. Precisam de ser valorizados pelas capacidades que permanecem na pessoa, precisam de ter um emprego e não uma misera pensão que mal dá para comerem.

SL: O Estado garante o acesso à prótese a todos os doentes?

PL: Os amputados estão meses e às vezes anos em sofrimento à espera que lhes seja atribuído o direito a ter uma prótese, mas na segurança social ou nos hospitais não existe acesso, e quando existe são próteses que não são adequadas ao perfil do doente. Por fim desistem da vida e excluem-se da sociedade. Quanto aos familiares, esses, também passam pela fase de negação, em que sentem que a vida da pessoa amputada já não será a mesma e que serão dependentes para sempre. Neste caso o familiar também precisa de ajuda para entender que deve dar apoio mas não deixar que o amputado viva para sempre por de trás do pano do palco da vida.

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