Pelo menos trinta por cento dos jovens têm “problemas orais gravíssimos, e nenhuma condição financeira para custear o tratamento urgente”. No dia 9 de Abril, a Turma do Bem realiza uma mega triagem que fará o rastreio oral de jovens carenciados, envolvendo cerca de cinquenta dentistas e vinte organizações sociais.

Em entrevista ao VER, o mentor do projecto, Fábio Bibancos, explica a importância desta acção e deixa um apelo: “é preciso aumentar o número de dentistas voluntários em Portugal”

Por Gabriela Costa

Aproximadamente sessenta por cento dos jovens até os catorze anos nunca foram ao dentista e, com apenas quinze anos, um jovem tem setenta por cento dos dentes comprometidos e apresenta problemas dentários graves com sintomas de infecção, dor ou sensibilidade. Segundo dados divulgados pelo projecto Dentista do Bem, 43 por cento dos jovens afirmam que os problemas orais influenciam negativamente a frequência actividade escolar e a relação com a família, amigos, vizinhos e professores.

Para combater este cenário, a iniciativa, que parte do trabalho voluntário de médicos dentistas que proporcionam tratamento odontológico gratuito a jovens carenciados, iniciou em 2010 a sua actividade em Portugal, com o apoio da Fundação EDP. Todos os tratamentos são gratuitos e cada dentista (ou estomatologista) voluntário é responsável pelo acompanhamento do beneficiário até ele completar dezoito anos.

Durante o primeiro ano de existência em Portugal, o projecto ajudou já mais de duzentos adolescentes em situação vulnerável, angariando para a sua rede de Dentistas do Bem mais de cem profissionais voluntários.

No próximo dia 9 de Abril, o Dentista do Bem vai realizar uma mega triagem no Museu da Electricidade, em Lisboa, que irá envolver quase vinte associações e IPSS, e o rastreio de cerca de mil jovens com idades compreendidas entre os onze e os dezassete anos.

Nesta acção estarão presentes mais de cinquenta voluntários portugueses e brasileiros (dentistas e estudantes de odontologia), bem como o fundador da ONG internacional que reúne já mais de oito mil dentistas voluntários, no Brasil, em Portugal e em nove países da América Latina (Argentina, Chile, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e México) os quais, só em 2010, atenderam nos próprios consultórios mais de dezasseis mil jovens.

Fábio Bibancos é o médico brasileiro mentor do Dentista do Bem, desenvolvido para alertar para um dos mais graves problemas de saúde pública: as doenças orais, como a cárie, a gengivite e os problemas de ortodontia. Consciente de que as doenças orais agravam uma série de problemas de saúde relacionados com as diabetes, problemas do coração, sistema respiratório e cancro, tendo ainda graves consequências para a auto-estima, os relacionamentos sociais e a empregabilidade do indivíduo, o projecto assume-se como uma alternativa – muitas vezes a única – para proporcionar a jovens carenciados uma vida melhor.

Em entrevista ao VER, Fábio Bibancos defende que a negligência com a saúde oral dos mais novos “tem como consequência uma geração com baixa auto-estima, péssima formação escolar e dificuldades de convívio”.

Qual é a importância da realização desta mega triagem num país onde o Sistema Nacional de Saúde praticamente não assegura os serviços e custos associados a tratamentos dentários?
Este é um problema mundial. Os serviços odontológicos privados são reservados às elites. Não existem serviços públicos completos que atendam a população carenciada. Em Portugal, existe um serviço odontológico no sector público muito melhor do que no Brasil, mas ainda assim é muito deficiente.

A Turma do Bem não conseguirá resolver os problemas odontológicos do país, mas conseguirá uma pauta na agenda política para que a questão odontológica seja discutida e valorizada. A mega triagem é uma oportunidade para que jovens entre os onze e os dezassete anos com graves problemas de saúde oral recebam tratamento. Porém, os nossos números serão sempre pequenos perante a alta demanda de pessoas necessitadas.

Qual é o impacto de uma triagem gratuita destinada a jovens carenciados, numa altura em que se agudiza a conjectura socioeconómica do país?
Mais do que uma mega triagem, estamos a levar à discussão a participação do cidadão em relação ao seu país e aos seus carenciados. No Brasil, estamos acostumados com crises. Eu tenho 47 anos, 25 de profissão e já vivi todo o tipo de crise económica no meu país. Não adianta ficar à espera da intervenção do Estado, nem é suficiente pagar impostos, votar nos candidatos aos cargos de poder e ficar à espera de um mundo melhor... temos que colocar “a mão na massa”.

O Projecto Dentista do Bem parte da classe odontológica. Se imaginarmos a mobilização de outras categorias - empresários, advogados, médicos, psicólogos, arquitectos – percebemos que uma sociedade participativa sai de qualquer crise. Na nossa experiência no Brasil, os jovens carenciados que foram beneficiados pelo projecto Dentista do Bem são hoje militantes da causa.

A Fundação EDP, uma das organizações mais modernas e bem geridas do mundo, tem clara a sua missão na área de responsabilidade social e o seu compromisso com a qualidade de vida, em particular com a das pessoas socialmente desfavorecidas e excluídas.

A partir a sua experiência, como avalia a prática em Portugal, ao nível de educação e sensibilização para a higiene oral?
Esse tipo de iniciativa só é válida quando o acesso aos produtos de higiene oral, como pasta de dente, escova e fio dental, é democrático, ou seja, distribuído gratuitamente a toda a população, como é feito com alguns medicamentos.

07 de abril de 2011

Fonte: Portal VER - http://www.ver.pt/conteudos/verArtigo.aspx?id=1167&a=Entrevistas