Todos os anos, no último dia do mês de fevereiro, que este ano por ser bissexto é mais raro, mais de 80 países em todo o mundo, assinalam o Dia Mundial das Doenças Raras, com o objetivo de sensibilizar a sociedade e os decisores políticos para estas doenças e o seu impacto na vida de doentes e suas famílias.

Queremos fazer parte deste processo, em que caminhamos para uma resposta mais efetiva às necessidades de quem vive com uma doença rara. Os avanços científicos têm trazido novas esperanças para os doentes e a aposta na investigação e desenvolvimento de medicamentos órfãos tem sido uma prioridade de Saúde Pública no quadro atual da União Europeia. Por isso, é fundamental que todos os doentes, independentemente do país em que se encontrem tenham as mesmas oportunidades de diagnóstico, de inovação e de cuidados.

O mote lançado este ano pela Eurordis (Rare Disease Europe) é conseguir a verdadeira equidade para os 300 milhões de pessoas que na Europa vivem com uma doença rara. Aproveitando a efeméride, lanço o desafio, e se cada um de nós fizer um pouco mais neste sentido? Se cada um de nós tentar saber mais sobre as doenças raras, abordar mais o tema, torná-lo mais comum e menos raro? Estaremos a contribuir para uma igualdade de oportunidades e assim, conseguiremos, de alguma forma, fazer a diferença na vida destas pessoas. Cada um estará assim a dar o seu contributo para que a equidade seja verdadeiramente possível.

O que é afinal ter uma doença rara? De acordo com a definição adotada pela União Europeia, em Portugal e na Europa, uma doença é considerada rara quando afeta menos de 5 em cada 10 mil pessoas. Este número pode parecer pequeno, mas torna-se bastante elevado quando se considera o número total de doenças raras existentes. A Direção-Geral da Saúde estima que em Portugal existam cerca de 600 a 800 mil pessoas portadoras de algum tipo de doença rara.

Sabe-se que, apesar dos números apresentados, muitas pessoas permanecem durante anos sem um diagnóstico certo ou mesmo sem diagnóstico, sendo que o melhor cuidado e acompanhamento a cada doente depende de um diagnóstico atempado e preciso.

Para melhor ir ao encontro dos que vivem com a doença, é fundamental escutar as Associações que os representam. No ano passado foi desenvolvido o projeto “A voz dos doentes. Que Esperança”, em que tivemos oportunidade de ouvir vários representantes de diferentes associações de doentes (formadas por pessoas com doenças raras com o objetivo de apoiar outras pessoas com doenças raras e chamar a atenção para as mesmas) e o ponto comum, que todos relataram, foi a falta de equidade no acesso à inovação e tratamentos. Para os representantes destas Associações em Portugal, é prioritário garantir o acesso dos portugueses a novos tratamentos, já disponíveis em outros países da Europa.

De acordo com os dados mais recentes de acesso a medicamentos inovadores na Europa (EFPIA Patients W.A.I.T. Indicator 2022 Survey), publicado em abril de 2023, elaborado pela consultora IQVIA para a Federação Europeia da Indústria Farmacêutica (EFPIA), entre 2018 e 2021, foram aprovados 61 novos medicamentos para doenças raras na Europa, mas em Portugal, no mesmo período foram aprovados apenas 28 novos medicamentos, menos de metade. A aposta na investigação e desenvolvimento de medicamentos órfãos tem sido uma prioridade de Saúde Pública no quadro atual da União Europeia (UE). Em 2022, havia 146 medicamentos inovadores para tratar doenças raras, mas, apesar destes avanços, há ainda um longo caminho a percorrer – principalmente também em Portugal, onde apenas estão disponíveis 46% dos medicamentos órfãos aprovados na Europa, de acordo com os dados mais recentes de acesso a medicamentos inovadores na Europa.

Estes representantes reconhecem também que o nosso país tem profissionais de saúde “muito humanos”, mas em contrapartida alertam para a elevada carga burocrática. Distinguem o potencial tecnológico que ainda pode ser explorado, mas com consciência do que ainda é necessário fazer ao nível da articulação entre serviços, para que seja possível um trabalho mais colaborativo e a definição de uma estratégia integrada, bem como uma melhor organização dos centros de referência, principalmente no que diz respeito a ensaios clínicos.

Por outro lado, os registos dos doentes são uma ferramenta fundamental no apoio a todos estes esforços, uma vez que agregam evidências do mundo real, de todos os diferentes tipos de pessoas que vivem com doenças raras. Estes registos, por sua vez são complementares aos ensaios clínicos, uma vez que os dados de um registo podem ser extrapolados para toda a comunidade.

Muito já foi feito, mas muito ainda está por fazer para um acesso equitativo à saúde para as pessoas que vivem com uma doença rara, as suas famílias e cuidadores. Sei que muitas Associações de Doentes fazem da equidade à saúde a sua missão e a ela dedicam o seu trabalho diário e hoje também é dia de as reconhecer. Bem hajam!

Um artigo de opinião de Marisol Garcia Pulgar, General Manager, Cuidados Especializados, Sanofi Portugal.