As experiências envolvendo as duas entidades já começaram há alguns anos mas hoje os especialistas saíram de um ambiente de laboratório para, num aeródromo nos arredores de Lisboa (Aeródromo das Lezírias), fazerem o que tinham prometido: um operador com um “capacete” de eletrodos, ligado a um descodificador que se liga a um computador, deu ordens a um avião não tripulado, que sobrevoava a zona da lezíria junto de Vila Franca de Xira.

O ambiente nem era dos mais sofisticados. Seis computadores (estações), três monitores, vários técnicos e depois Nuno Loureiro, uma touca de onde saiam fios que se ligavam a uma caixa, que depois se ligava a um computador. E um “drone” posto no ar, e o jovem engenheiro físico com ar tranquilo, fazendo o avião deslocar-se conforme a sua vontade.

O projeto, chamado Brainflight, parece também assim simples. Os sinais neuronais (do cérebro) são medidos por um eletroencefalograma que os transmite para um computador que por sua vez os traduz em estímulos (no caso ordens ao “drone”).

Toda a técnica parte do princípio de que o cérebro tem uma grande capacidade para aprender regras complexas e adaptar-se a novas situações. Rui Costa, neurocientista do Laboratório de Neurobiologia da Ação da Fundação Champalimaud e um das “caras” do projeto simplifica assim a ideia: “não temos desde pequenos movimentos habilidosos, aprendemos a controlar os movimentos pouco a pouco. Aqui utilizamos o mesmo princípio”.

Segundo o cientista, em duas semanas já se atinge um controlo de 80 por cento, ou seja o cérebro aprende a desenvolver os estímulos certos para fazer elevar ou baixar uma bola num computador.

“O que estamos a fazer é gravar sinais neurais, do cérbero, e utilizar esses sinais para controlar por exemplo um rato do computador. Nas primeiras sessões não há muito controlo porque os sinais neurais movem o cursor de forma mais ou menos aleatória, mas muito rapidamente, com uma sessão ou duas, a pessoa aprende que a atividade cerebral está a controlar aquilo e aprende a coordenar a atividade do cérebro para levar o cursor para as posições que quer”, explica Rui Costa.

A técnica, acrescenta aos jornalistas, pode no futuro ser utilizada com pessoas que não se podem mexer e que com ordens cerebrais poderão ligar um computador, a luz ou a televisão ou comandar uma cadeira de rodas.

Rui Costa acredita que no futuro vão existir sistemas híbridos, controlados pelo cérebro e por sensores, que facilitarão a vida às pessoas. E acredita que dentro de duas ou três décadas um cérebro treinado poderá “pilotar” aviões de carga, esse na verdade um dos objetivos e uma das apostas da União Europeia, que está a financiar a investigação.

Nada de novo, sorri Rui Costa, porque o cérebro já controla tudo, o braço que liga o carro, o braço que vira o volante. “Se não pudermos usar o braço não conseguiremos usar o que o cérebro já faz?”.

Ricardo Mendes, administrador do grupo Tekever, acredita que sim. Hoje na lezíria disse aos jornalistas que a experiência correu bem, apesar do vento forte que atrapalhou um pouco. É certo que o “drone” foi lançado de forma tradicional e que a passagem das ordens dadas por computador para as ordens dadas pelo cérebro só se fez quando o aparelho atingiu altitude e estabilidade.

O cérebro que comandou foi o de Nuno Loureiro, aluno de doutoramento da Fundação, que conforme explicou Ricardo Mendes tinha várias metas (colocar o “drone” em determinadas coordenadas) para atingir e apesar do vento atingiu grande parte. “Correu bem, apesar do vento”, disse o responsável, frisando que o processo está em fase inicial de voos reais e que a capacidade de controlo de Nuno Loureiro também irá aumentando.

Nuno diz que sim mas também diz que “não é fácil de explicar”. Prefere dar o exemplo do automóvel, em que todos os movimentos são pensados quando se começa a conduzir mas que depois com o treino se tornam como que automáticos.

“Acho que estou a pensar ir para cima e para baixo (o “drone”) mas não há gestos associados, e uma coisa difícil de explicar”, garante Nuno, ainda de touca na cabeça e um emaranhado de fios ligados a um computador. Mas certo é que em laboratório e com duas semanas de treino consegue fazer subir ou descer uma bola só pensando nisso.

Nuno fala de uma “mudança”, de o cérebro se “estar a adaptar” a uma realidade nova a que está exposto. E apesar da muita investigação a fazer acredita que no futuro poderá controlar um avião a sério, só porque o deseja.