Numa pesquisa rápida é fácil encontrar exemplos: numa situação que envolveu a retirada de confiança política a um presidente de uma Junta de Freguesia, em março, a concelhia do PSD/Porto felicitava a autarquia pela atitude, mas dizia que se não houvesse consequências, seria porque estavam perante um “comportamento autista, arrogante e desrespeitador da legalidade democrática”.
Noutra ocasião, em fevereiro, numa análise às infraestruturas construídas na ilha da Madeira, o antigo eurodeputado Nuno Teixeira disse que “é tão autista quem afirma que tudo foi mal feito como o que afirma que não houve nada mal feito”.
Também o reitor da Universidade do Minho, António Cunha, usou a palavra para criticar o processo de avaliação das instituições de investigação, feita pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, descrevendo-o como uma “oportunidade perdida”, feita de uma forma “autista”.
Para criticar o Governo no processo de transferência do hospital para a Misericórdia, a Câmara Municipal de Santo Tirso classificou a decisão do Governo como “autista”, ao ter tomado a decisão de forma unilateral, sem ter ouvido previamente a autarquia.
Frequente na classe política
A presidente da Federação Portuguesa de Autismo (FPDA) não consegue precisar quando é que o termo autista/autismo passou a ser usado como um insulto, mas diz que é algo que acontece com mais frequência entre a classe política.
Na opinião de Isabel Cottinelli Telmo, terá a ver com o facto de autismo derivar da palavra grega ‘autós’, que significa “em si próprio”: “As pessoas quando querem dizer que os outros não as ouvem ou que estão insensíveis a certas coisas, dizem que são autistas, como insulto”, apontou.
Para a responsável, o uso da palavra de forma depreciativa é não só ofensivo, como um insulto a todas as pessoas que têm autismo, que apesar de poderem ter dificuldades de comunicação com quem os rodeia, não são insensíveis aos outros.
“Podem estar ensimesmadas porque têm dificuldade de comunicação e de interação social. Só por isso. Porque muitas vezes não é que não pensem ou não sintam, mas não sabem como exprimir e às vezes até exprimem de maneiras que não são compreendidas pelos outros”, explicou, acrescentando que vê isto como a “pior discriminação”.
Já o diretor coordenador da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA) – Lisboa, disse que é “inconveniente” e “não é agradável” de ouvir para quem lida com o problema e tenta ajudar as pessoas com autismo.
No entanto, apesar de ser uma questão desagradável, Paulo Ferreira preferia que fossem outras “coisas piores” a serem alteradas, nomeadamente no ensino regular, em que as crianças com autismo ficam os três meses de férias sem qualquer apoio.
O coordenador executivo do site Ciberdúvidas da Língua Portuguesa explicou que é muito frequente o recurso a temas da área da psiquiatria com consequente deturpação e deu como exemplo, para além da palavra autista, o termo “mongoloide” ou “bipolar”, que são muitas vezes usados com valor depreciativo ou até insultuoso.
“Isto ocorre, porque qualquer afeção que impeça o comportamento dito ‘normal’ pode ser ainda, na nossa sociedade, termo de comparação para outro tipo de comportamentos que, não sendo anormais, são objeto de reprovação ou alvo da nossa irritação”, adiantou Carlos Rocha.
A 02 de abril assinala-se o Dia Mundial de Consciencialização do Autismo.
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