“Estamos numa fase muito difícil e não vale a pena supor que o diretor executivo [do SNS, Fernando Araújo] e o ministro [Manuel Pizarro] sozinhos resolvem este problema”, afirmou o médico aos jornalistas, à margem do Global Health Fórum, que decorre hoje e sábado no Centro de Congressos do Estoril.

O médico alertou que não dá para esperar mais e frisou tratar-se de uma matéria que ultrapassa os dois responsáveis, sendo “um problema do Governo”.

“É um problema que convoca o senhor primeiro-ministro, porque a saúde em Portugal não pode existir sem o SNS forte, coeso, dinâmico, robusto, com qualidade e não passa pela cabeça de ninguém que o SNS possa existir sem médicos, sem enfermeiros e farmacêuticos que tenham, dentro das limitações que o país tem, naturalmente, um tratamento digno e uma remuneração adequada”, declarou.

Lembrando que foi titular da pasta da Saúde no início deste ciclo político, Campos Fernandes reconheceu que já então o Governo não resolveu o problema por falta de condições financeiras do Estado e considerou que “os médicos têm razão” nas reivindicações.

No seu entender, deve ser feito um pacto entre as forças políticas, mas realçou a importância neste momento de ser um pacto entre a política e os profissionais.

Para Campos Fernandes, “Fernando Araújo [que foi seu secretário de Estado] é a pessoa certa, mas não pode ser a pessoa certa no tempo errado”.

“Seria dramático para Portugal e para os portugueses que o professor Fernando Araújo visse a sua determinação, a sua vontade destruídas apenas e só porque a política, no sentido mais macro do termo, não compreende a realidade”, alertou.

Questionado se “é o tempo errado de Manuel Pizarro”, o antigo ministro afirmou que, tal como ele, Pizarro “é um ministro médico”.

“Eu sou médico, a diferença entre nós é que ele é profundamente político, tem uma carreira política, e nós até pensámos todos que isso ajudaria naquilo que é a persuasão dos colegas e até do próprio líder do Governo, mas a questão aqui não tem que ver com as qualificações”, frisou.

Para Campos Fernandes, “Manuel Pizarro corre o risco de ser vítima de todo este processo, porque ele, como médico, sabe o que os médicos têm sentido”.

“Existe hoje uma insatisfação que se está a expressar até de uma forma inorgânica que pode pôr em risco sério a prestação de cuidados de saúde, a resposta urgente às populações, e este é um assunto demasiado sério para que a política não olhe para ele ou que o empurre com a barriga para a frente. Há responsabilidades (…) que têm que ser assumidas na sua plenitude”, defendeu.

Questionado sobre os números avançados no evento por Manuel Pizarro de que o SNS tem hoje um número recorde de 150 mil profissionais e um orçamento acima dos 14.000 milhões de euros, Campos Fernandes notou que “é verdade, mas é ilusório”.

“Passou-se de um orçamento de 9.000 milhões de euros para 15.000 milhões sem ter aumentado profissionais e com consequências que hoje estamos a conhecer de restrições no acesso, aumento dos casos graves de doença oncológica e das doenças cardiovasculares”, afirmou.

E pediu “humildade democrática” para se fazer uma avaliação deste investimento: “Podemos continuar a dizer que nunca tivemos tanto investimento e tantos recursos humanos, mas podemos correr o risco de, ao dizer isso, na semana que vem não termos urgências cirúrgicas a funcionar no país”.