Na semana passada foi noticiado um homicídio ocorrido num contexto de relação de intimidade num casal homossexual com contornos macabros que deixou a sociedade chocada.

Contudo, no nosso dia-a-dia temos patente um silêncio em torno do problema da violência doméstica entre casais homossexuais, tanto da parte da sociedade mais ampla como do próprio movimento homossexual, assim como é inegável a inexistência de serviços especializados para este setor da população. Pelo que, a discussão pública do flagelo da violência doméstica existente entre casais homossexuais, tanto masculinos quanto femininos, é praticamente inexistente.

Mas, porquê este silêncio? Qual é a sua razão de ser, já que a lei portuguesa penaliza a violência ocorrida entre casais homossexuais e heterossexuais de igual forma?!

Apesar da evolução constante, face a séculos passados, quanto a desigualdades de género, cor de pele, etnia, ou sexualidade, ainda está presente uma grande disparidade social, onde ainda se perpetua bastante ódio e discriminação perante as minorias, consideradas “anormais”. Sendo que, a normalidade passa por determinadas características impostas e eternizadas pelas instituições sociais, como a família, as escolas, os media, a religião e as políticas públicas.

Mas, a grande verdade é que as relações de intimidade abusivas entre pessoas do mesmo sexo, por fugirem à heteronormatividade, têm sido sujeitas ao estigma associado à comunidade LGBT. Sendo que, a visão heteronormativa, centrada em casais de sexos opostos, foi uma das grandes contribuições para a problemática da invisibilidade LGBT no caso da violência doméstica e de outras formas de violência de género. Esta fraca visibilidade tem, também, uma origem fundamentalmente homofóbica por parte das sociedades no decorrer das gerações, uma vez que a união íntima entre indivíduos do mesmo sexo não era tida como natural.  

Por outro lado, existem mitos que cercam este tema e que assentam em crenças populares como as de que "a agressão é sempre cometida por um homem contra uma mulher" e de que "os homossexuais têm mais facilidade em terminarem seus relacionamentos do que os casais heterossexuais".

Contudo, não obstante, existirem diferenças entre estes dois grupos, decorrentes, em parte, das distintas conceções de género, existem efetivamente características comuns a estes tipos de relacionamentos, tais como a presença e vivência do preconceito e a sua influência na dinâmica do casal. É preciso ver que, a violência entre casais homossexuais, assume características e dinâmicas típicas de qualquer manifestação entre parceiros íntimos, sendo as semelhanças entre as relações abusivas em casais do mesmo sexo e em casais de sexo diferente efetivamente maiores do que as diferenças.

Não obstante reconhecem-se especificidades distintivas na violência doméstica nos casais com pessoas do mesmo sexo, como seja a estratégia de violência psicológica específica dos casais de gays e de lésbicas no sentido de revelar ou ameaçar revelar a orientação sexual do seu parceiro. Assim, se um/a dos/as parceiros/as não revelou a sua homossexualidade no seio da sua família, rede de amigos e/ou no trabalho, o/a agressor/a pode utilizar a ameaça de o denunciar como gay ou lésbica como um poderoso instrumento de controlo e de intimidação da vítima.

Acresce que, a direção de atitudes sociais negativas de indivíduos homossexuais sobre si próprios, levando a subvalorização de si mesmos e resultando em conflitos internos e baixa autoestima, gera uma sensação de hostilidade entre o casal, a que muitas vezes se associa a insegurança, que gera medo, desconfiança e instabilidade entre o casal, e pode conduzir a uma situação de ameaça de um ou de ambos os membros.

Pelo que, estas duas especificidades são duas grandes formas de stress interno e externo para pessoas homossexuais, o que os coloca numa posição desfavorável e cautelosa face à sociedade, e os impede de se tornarem aptos para solicitar apoio.

Acresce que, tendo presente os papéis de género, constata-se a dupla agravante da opressão e desvalorização nas relações lésbicas, quando comparadas às relações heterossexuais, que se prende com a constante presença de submissão e violência doméstica na vida das mulheres. Pelo que, as mulheres em relações íntimas homossexuais, não só sofrem com o já acometido peso da violência doméstica na história do patriarcado, como também se soma a discriminação face a casais do mesmo sexo.

Assim, passou a existir em relações lésbicas uma maior tendência para um estatuto de invisibilidade, em contexto de violência doméstica e vulnerabilidade acrescida, havendo, também, um entrave sociocultural associado aos papéis dicotómicos de género, já que as mulheres são maioritariamente consideradas vítimas.

Não obstante, as formas de violência são praticamente as mesmas às que se sucedem em casais do mesmo sexo, mas na sua análise teremos de ter como base determinados fatores influenciadores a ter em consideração, como sejam as particularidades genéticas e físicas de homens e mulheres, interligados com os papéis de género próprios de uma determinada sociedade, com o conjunto complexo de valores e normas sociais, e as influências culturais.

Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.